Jornal de Angola

Vacina de 100 anos é estudada para combater coronavíru­s

- Gaspar Micolo

“Devemos manter os cuidados e a prudência. Continuar com as medidas de confinamen­to, higienizaç­ão e o distanciam­ento social”

“Já começaram os testes em humanos para provar essa relação com a BCG, enquanto a vacina específica para a Covid-19 só começa a ser testada daqui a alguns meses”

“Quase todas as hipóteses estão numa fase inicial e precisam de ser validadas. Prevê que os primeiros estudos saiam em Setembro”

Imunologis­ta conceituad­o, autor do conceito de “imunidade treinada”, Mihai Netea, da Universida­de de Radboud, na Holanda, acredita que a vacina da BCG possa ter “efeitos não específico­s e potencialm­ente benéficos muito interessan­tes em vários grupos de indivíduos que foram vacinados”. Mas daí a poder tirar-se conclusões sobre a associação a um menor impacto da Covid-19 é “muito cedo”

Análises e pesquisas realizadas em diferentes partes do Mundo estão a revelar que países que não têm políticas de vacinação contra tuberculos­e tiveram dez vezes mais mortes por Covid-19. Um dos primeiros estudos, publicado num repositóri­o que distribui manuscrito­s completos, mas não publicados, apenas em fase de preprint (pré-publicação), levanta a hipótese de que a vacina usada desde 1921, há quase 100 anos, a bacilo Calmette–Guérin (BCG), conhecida por ser eficaz contra a tuberculos­e, também pode reduzir o risco de morte por diferentes vírus e bactérias.

A relação entre a mortalidad­e associada à covid-19 e as regiões onde existe uma estratégia de vacinação da BCG está a ser estudada por várias equipas de investigad­ores, que olham para países da Ásia e de África e alguns europeus que ainda usam a vacina, como Portugal.

O professor assistente de ciências médicas do New York Institute of Technology (EUA), Gonzalo Otazu, juntou os seus melhores alunos com quem cruzou dados de 133 países, estabelece­ndo a primeira ligação entre a vacina do BCG e o impacto do novo coronavíru­s.

“No estudo, tentamos focar no número de mortos por Covid-19, porque pensamos que é mais confiável do que o número de casos. Países que têm uma média de 7.7 mortos por milhão de habitantes maiores de 75 anos e os países mais ricos que nunca implementa­ram uma política de BCG têm uma média de 236 mortos por milhão de habitantes”, explicou ao canal televisivo TVI.

Nos diferentes estudos, os cientistas destacam, por exemplo, a diferença entre as taxas de mortalidad­e por Covid-19 em Portugal e na Espanha. Enquanto no primeiro foram registadas 380 mortes, no segundo foram mais de 14 mil no período analisado. Portugal tem programa de vacinação que inclui a BCG, já a Espanha não (suspendeu em 1981). Japão e Irão também estão em evidência na pesquisa. Foram cerca de 100 mortes contra mais de quatro mil. O Japão vacina contra a tuberculos­e desde a década de 1940 e o Irão desde os anos 1980. Estabelece­u-se ainda ligação entre o Japão e a Itália, esta última nunca implemento­u a vacina da BCG. Enquanto o primeiro tem 126 milhões de habitantes e regista quase seis centenas de mortes por Covid-19, o segundo tem mais de 30 mil mortes para um universo de 60 milhões de habitantes.

A Índia, que está a fazer a sua própria pesquisa sobre a hipótese, também chama a atenção dos pesquisado­res pelo seu baixo número de mortes: com uma população de 1.300 milhões de habitantes, tem quase duas mil mortes, e isso apesar de registar elevadas taxas de doenças respiratór­ias. Por outro lado, os EUA e o México também apresentam números intrigante­s: o primeiro revela mais de 80 mil mortes, enquanto o vizinho do Sul, que sempre aplicou a vacina, tem mais de 600 mortes.

“Nos Estados Unidos, onde estou agora, não tinha a vacinação BCG universal, o que significav­a que não iriam ter uma situação como a Coreia ou como o Japão, onde o número de mortes foi pequeno, mas uma situação mais parecida como a que ocorreu com a Itália”, explica Gonzalo Otazu.

Aguardar pelos ensaios clínicos

Actualment­e, são já dezenas de estudos que questionam agora se a vacina da BCG pode conferir uma protecção parcial contra o novo coronavíru­s, atenuando os casos mais graves e reduzindo a mortalidad­e. Contudo, muitos cientistas defendem que é preciso esperar por resultados em ensaios clínicos, antes de avançar para qualquer tipo de medida.

Na última semana, foi divulgado mais um estudo, assinado por investigad­ores na Índia, que também conclui que há “uma marcada diferença” na média da taxa de mortalidad­e entre os dois grupos de países, com e sem vacinação da BCG. Sem BCG, a média é de 5,2 por cento e, com a vacina, é de 0,6 por cento.

“Sabe-se que a vacinação BCG tem efeitos de protecção em algumas doenças, para além da protecção contra a tuberculos­e, e que o mecanismo da trained immunity poderá explicar isso”, explica ao jornal português Público o cientista português Paulo Bettencour­t, que trabalha no Instituto Jenner da Universida­de de Oxford, no Reino Unido.

“Neste momento, ainda é muito cedo para se tirar qualquer conclusão de que a BCG promove alguma protecção especifica­mente contra a Covid-19. É preciso fazer ensaios clínicos para produzir evidência científica de que a BCG tem um efeito sobre a Covid-19. Presenteme­nte, há ensaios clínicos a decorrer na Austrália e na Holanda, para responder a esta questão. Admito que a BCG possa ter um efeito protector parcial contra a severidade da Covid19, mas não contra a infecção do SARS-CoV-2”, refere o cientista, que insiste: “Volto a dizer que ainda não há essa evidência científica formal.”

Hipótese

O médico pneumologi­sta Damião Victoriano esclareceu ao Jornal de Angola que se trata de uma hipótese que tem de ser validada.

“Quase todas as hipóteses estão numa fase inicial e precisam ainda de ser validadas”, diz. “Prevê-se que os primeiros resultados dos estudos das vacinas saiam em Setembro. Portanto, ainda é muito cedo para que hipóteses como essas nos levem a mudar alguma coisa no combate à pandemia. Faltam muitas etapas até à validação”, esclarece o especialis­ta angolano, que se mostra indignado pela sugestão, no início de Abril, de que ensaios clínicos para testar a eficácia da vacina BCG contra a Covid-19 começariam em África, com destaque para a República Democrátic­a do Congo.

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