Homem dos golos imprevisíveis partiu aos 56 anos
PICAS, ANTIGO FUTEBOLISTA DO PETRO DO HUAMBO, FALECEU AOS 56 ANOS
O Huambo
e arredores, por este brilhantísmo de relatar a ‘tragédia futebolística’ da equipa derrotada, mergulhavam, penhoradamente, em rios de emoções e lágrimas. Picas, futebolista de apurada técnica, era o causador-mor dessa descontrolada paixão do ‘coração-clubista'. Que não tem explicação.
“O ‘Pica-Pau’ resolveu o jogo ao cair do pano”, enfatizava, até à exaustão, Mota Lemos.
O Ponta-de-lança exímio, de corpo franzino, sabia o que levava, de facto, o povo, das cidades, aldeias e quimbos, ao estádio dos Kurikutelas, no bairro das Cacilhas: Golo! Mais golos! E o radialista, com mestria, conjurava as melhores palavras para transmitir, fielmente, cada golo do Picas…e do Petro do Huambo, deixando pregado ao rádio outra legião do povo-adepto.
Foi assim que, durante anos-e-anos, os prosélitos do futebol, no Huambo e outros estádios de Angola, rendiam-se, para o regalo dos ‘olhos-de-bom-futebol’,à grandeza do talento raríssimo e indiscutível de Picas. “Era o ‘tira-vergonha’ do Huambo no futebol, contam as pessoas no Planalto Centro.
Na vida social, como expraticante e relações públicas do Petro do Huambo, era a simplicidade em pessoa. Próprio da génese dos filhos da região. “Não se metia na vida de ninguém”. Reconhecem.
Mas o coração de Picas, o homem dos golos imprevisíveis, deixou de bater no passado dia 28 de Abril, por volta das 23 horas, por complicações de saúde, no Hospital Geral do Huambo. Tinha 56 anos.
“Perdemos um bom amigo. Não se preocupava por ser nosso mais-velho e a fama do passado”, descreve o Justino Victorino, ex-aspirante à carreira de futebolista, mas hoje jornalista, com quem partilhara algumas ocasiões ‘etílicas’ na loja da dona Anita, à rua Imaculada da Conceição, na zona Cidade Alta.
António Pacheco, de seu nome completo com os sobrenomes de Manuel Tomé, nascera, em Janeiro de 1964, na província do Cunene. Mas, com tenra idade, adoptara o Huambo como local de partida à conquista da própria identidade. “Poucos sabem que sou do Cunene. A minha garra é de verdadeiro cuanhama”, vangloriava-se, o ‘dono’ do bairro das Cacilhas, em conversa com os amigos.
Partiu o homem que deixava, sempre que convocado, milhares de adeptos, sem âmagos clubísticos, em deslumbramento. Por regra, feito uma ‘arma-secreta’, era o último a sair dos balneários… com o equipamento completo. E mais: sentava-se no banco dos suplentes, conta Silvano Katiavala, que ‘fugiu’ do Mambrôa do Huambo, para o ‘arqui-rival’, por causa, diz, “do ‘mulato’ que jogava muita bola”.
“Era uma forma de baralhar o técnico e as defesas adversárias. O pensamento de que ele, o Picas, não vai jogar, porque ia se sentar no banco dos suplentes. Era, em muitos casos, uma jogada”, conta este adepto, assegurando que foram as equipas que “viram fumo” com esse ‘esquema-táctico’ antes dos jogos.
Jogador discreto. Oportuno na marcação de golos. Fazia aquilo que é missão de um ponta-de-lança: encontrar a baliza dos adversários em busca da vitória. A descrição qualitativa, do ‘homem golo’, é de José Cápua Sequesseque, jornalista da emissora provincial do Huambo, da Rádio Nacional de Angola.
“Picas foi, de facto, um homem brutal!”, afirma, peremptória e categoricamente, o jornalista desportivo, que, também, viveu e conviveu momentos de glória,inclusive no engrandecimento da sua carreira profissional, à pala da virtuosidade futebolística dessa ‘pérola cuanhama’ descoberta, em 1975, pelo Clube Recreativo da Caála, onde actuou nos escalões de juvenis e juniores.
“Foi um ponta-de-lança nato. Tive o ensejo de vê-lo a jogar, na parte final da sua carreira como júnior, no Clube
Recreativo da Caála.Picas, ainda com a idade de júnior, já militava na equipa sénior. Era um atacante incrível, com faro de golo e uma técnica bastante apurada. Era de uma rapidez jamais vista em atacantes da nossa urbe, ou seja, do futebol nacional”, desvela José Sequesseque.
No meio de feras
Quando se transferiu, em 1981, para o Petro do Huambo, o impacto de “medo e receio”, em partilhar o balneário do clube com jogadores feras e craveira, como Mateus, Detone, Carlos Pedro, Saavedra, Calumbo, Mona, entre outros, foi de “não querer voltar no dia seguinte aos treinos”, como contara, numa entrevista que concedeu, há três anos, ao jornalista Justino Victorino, publicada no Jornal dos Desportos.
Os amigos mais próximos aconselharam-no a não desistir. Era preciso, por ele próprio, acreditar no talento que tinha. Foi o que aconteceu. Naquela época, diz José Sequesseque, “já tínhamos um Petro do Huambo de verdade. Mas ele, com coragem e humildade, se impôs”. O corpo, fisicamente franzino, fazia dele, o ‘homem-golo-das-Cacilhas’, como “se fosse uma faca quente passando no pão com manteiga”, ironiza.
É nesta condição, em ser desprezado pelos adversários, devido à sua estrutura física, que ganhou o estatuto de ‘arma-secreta’ do clube e dos treinadores com quem trabalhou, como são os casos de Nina Serrano, Arlindo Leitão, João Machado, Waldemar Serdeira, Mbuisso António e Rúben Garcia.
Em jogos decisivos, Picas era lançado ao jogo nos derradeiros minutos, quando tudo se parecia consumado. Como ponta-de-lança, diz o jornalista, sabia, de concreto, o que fazer em campo: “Marcar golos. Quem jogou com ele sabe o quanto representou no domínio das defesas. Resolvia, era um jogador discreto, mas oportuno na marcação do papel de um ponta-de-lança. Foi um dos melhores, no país, nesta posição”.
“Alô Luanda! Alô Luanda! Kurikutelas chama…Kurikutelas chama”. Era com esta alerta que o radialista Mota Lemos, de voz aguda e português “aportuguesado”, interrompia, na democratização do desporto, a transmissão do relato de outro jogo, na emissão de Tarde Desportiva, para narrar a mudança do marcador no Huambo…no estádio Kurikutelas: “É golo! É golo!...do Petro do Huambo. Gooolooo! Gooolooo! Petro do Huambo. Ao cair do pano. Quem poderia ser mais? É ele, o inevitável e discretíssimo, Picas!”