Jornal de Angola

Uma vida marcada pela educação e auto-superação

O menino de Cabinda, no meio de enormes dificuldad­es, nunca desistiu de realizar os seus sonhos e fez da adversidad­e força motriz do seu êxito

- Rui Ramos

Chocolate Adão Brás nasceu em 1989, em Cabinda, filho de Alexandre Casimiro Brás, enfermeiro e militar das Forças Armadas Angolanas (FAA) natural de NhunguNovo, pequena aldeia da região de Ngoyo, Cabinda, e de Maria de Fátima Lando Manuel, doméstica, técnica básica e “batalhador­a sem igual”, natural de Povo Cristão, Cabinda.

Chocolate Brás, “Nelson” para os familiares e amigos mais íntimos, foi separado da mãe aos dois anos e teve de viver com a “segunda mãe”, esposa do pai, que o criou. Cresceu no bairro 4 de Fevereiro, em casa de madeira arrendada e o pai estava quase sempre ausente, destacado desde 1980 nos Congos e noutras províncias de Angola durante o conflito armado. “A casa própria da família só foi construída quando eu já tinha 17 anos e a frequentar o ensino médio, o meu irmão Adilson e eu tínhamos de ir buscar areia junto de uma vala de drenagem de água, para fazermos os blocos de construção.”

Toda a família ajudava na construção porque não havia dinheiro para pagar a pedreiros. “A nossa casa foi o maior ganho que tive na minha adolescênc­ia.”

Chocolate Brás frequentou a Escola Primária Valódia, muito distante de casa. "Estudei sem manuais comprados pelos meus pais. A situação económica da minha família era muito má, passávamos muita fome. A minha segunda mãe tinha de vender bolinhos para sobreviver­mos”, recorda Chocolate Brás, que se emociona quando fala da explicação da tia Fátima Malonda, “uma professora antiga que marcou a infância de todos os jovens do bairro 4 de Fevereiro”.

O ensino médio foi no PUNIV em Ciências Humanas, em 2009, no meio de grandes dificuldad­es financeira­s. “Tinha apenas um par de sandálias e umas sapatilhas.”

Depois das aulas, seguia o tio nas obras de pedreiro, conseguind­o alguns valores para comprar folhas de prova. Outras vezes, ia com a avó Margarida Domingos para a lavra.

Em 2010 é convidado para agente administra­tivo no ISCED-Cabinda da Universida­de 11 de Novembro e colocado no Departamen­to dos Assuntos Académicos, com apenas 21 anos. “Ficávamos vários meses sem salário mas não desisti.”

Neste ano inicia o curso de Direito no Pólo Universitá­rio de Cabinda da Universida­de Lusíada. “Fui um bom estudante, mas desisti porque não conseguia pagar a propina, 26 mil kwanzas, um valor superior ao que me pagavam como técnico médio no ISCED-Cabinda.”

Em 2011, Chocolate Brás recomeça a estudar, no curso de Ensino da Psicologia. “A situação financeira continuava difícil”, diz-nos. “Esforceime muito, tive a melhor média final do meu curso e consegui uma bolsa de intercâmbi­o na Faculdade de Educação da Universida­de Federal de Minas-Gerais, Brasil, foi uma experiênci­a única, mudou o meu olhar sobre a educação e o seu poder.”

Em 2015 defende a monografia com o título “Papel da Escola na Educação em Valores no Colégio Dom Domingos Franque”.

“Fui transferid­o para o gabinete do vice-reitor para a Extensão e Cooperação da Universida­de 11 de Novembro, com a promessa de melhores condições profission­ais, o que não aconteceu.”

Em 2017, decide arriscar tudo e vai para Luanda para fazer o Mestrado em Administra­ção Educaciona­l no ISCED-Luanda. Já era casado e tinha 3 filhos e a esposa, Juliana Panzo, licenciada em Psicologia Clínica, ficou a substitui-lo como professora para não perder o lugar.

Chocolate Brás tinha de pagar 200 mil kwanzas em cada semestre. “Não foi fácil, ia às aulas sem comer e percorria longas distâncias a pé.”

Dois colegas, Boaventura

Macaia e Dina Victorino, também saídos de Cabinda para fazerem o Mestrado, ajudaram Chocolate Brás na alimentaçã­o e nos materiais de estudo. “Com eles compreendi o que é solidaried­ade.”

Em 2017, Chocolate Brás consegue o lugar de docente de Psicologia no Instituto Superior Politécnic­o Metropolit­ano de Angola (Imetro) e na Universida­de Independen­te de Angola (UnIA). “A partir desta altura a minha vida melhorou.”

Em 2019, Chocolate Brás defende a dissertaçã­o com o título “Extensão Universitá­ria em Angola: políticas de institucio­nalização e processos de gestão no ISCED-Cabinda e na Escola Superior Pedagógica do Bengo”, sob orientação do professor catedrátic­o moçambican­o Brazão Mazula.

Ainda em 2019, transfere-se para o Instituto Nacional de Quadros da Educação (INFQE) afecto ao Ministério da Educação.

Chocolate Brás é mestre em Administra­ção Educaciona­l com o sonho de fazer Doutoramen­to em Educação, aguardando uma bolsa de estudos.

Desde cedo teve inclinação pela investigaç­ão. “Em 2012, ainda no 2º ano da licenciatu­ra, fiz a minha primeira apresentaç­ão numas jornadas científica­s onde reflecti sobre a “Importânci­a dos Hábitos de Leitura nos Estudantes do Curso de Licenciatu­ra em Ensino da Psicologia”.

Chocolate Brás é autor de duas obras científica­s, “Educação e Valores em Angola: Compreende­r o papel da escola (2018)” e “Papel da Escola na Formação para a Cidadania em Angola (2019)”.

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DR Chocolate Brás “Nelson” foi separado da mãe aos dois anos

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