Salva-se quem se proteger
Há semanas que o Mundo exercita uma coabitação equilibrada com o novo coronavírus. Para já, uma coexistência difícil - para muitos, quase impossível -, que deve ser concretizada sob regulação; debaixo do cumprimento de regras rígidas: distanciamento físico e, por arrasto, social entre pessoas, inclusive familiares; permanente higienização das mãos, uso de máscaras, entre outras regras obrigatórias, inseridas no contexto do combate ao mal. De facto, e porque a Covid-19 não deixa alternativa, como a que permite que o dia-a-dia se faça dentro dos padrões convencionais, a inteligência humana procura formas de pavimentar o caminho por onde a sobrevivência deve fluir.
Independentemente da perspectiva sob a qual avaliamos o problema, a verdade atinge-nos sob a forma de um dilema. É como se estivéssemos (para muitos, estamos) numa encruzilhada, que, como sempre, dificulta a decisão a tomar. Afinal, o risco espreita onde quer que desemboque o caminho por que optámos. Nessa situação concreta, embora alguns países só o venham a fazer mais tarde, o Mundo escolhe a porta que dá para a rua: circulação, trabalho, emprego, comércio, finanças, escola, universidade, lazer, entretenimento ... Enfim, a economia, a sobrevivência, sobrepõe-se à ameaça que a pandemia da Covid-19 representa.
É, pois, uma escolha conveniente. Acarreta riscos, é verdade, mas levar uma existência em confinamento, em quarentena, também reúne perigos. A vida é uma condição inerente aos seres, no caso, o humano, e é alimentada a toda a hora, todos os dias, semanas, meses, anos .... Dar-lhe provimento implica, necessariamente, saltar cercas sanitárias ou romper barreiras que só se abrem a semelhantes cuja actividade é tida como “essencial”. Mas a sobrevivência é, igualmente, primária e a ela chega-se, também, paralelamente ao circuito “essencial”. Por outro lado, as próprias sociedades, de um modo geral, precisam de voltar à actividade; devem reassumir o papel que lhes está reservado.
Não há, pois, como, nem porquê, deixar que a Covid-19 condicione, completamente, a vida do conjunto de povos e nações que o Mundo acolhe nesta espécie de amplexo. É inaceitável que o Estado de Paralisia persista, sob o olhar impotente de seres, que, por diversas vezes, já enfrentaram e superaram outros males. Desde que a pandemia tomou o controlo, a agonia é geral. Se o quadro se mantiver, a ONU estima que a economia global faça um recuo de 4,9% este ano e outro de 0,5% em 2021.
De qualquer forma, já são contabilizados danos: a economia mundial vai registar uma contracção de 3,2% este ano, a maior queda desde a Grande Depressão (ou crise de 1929, que se prolongou até à Segunda Guerra Mundial), de acordo ainda com a ONU. Durante os próximos dois anos, a perda na produção económica será de quase 8,5 biliões de dólares, num retrocesso capaz de eliminar os avanços dos quatro anos anteriores. Como certo, fica o dado segundo o qual a pandemia vai provocar um forte aumento da pobreza, principalmente em países africanos, como o nosso.
Pela frente, novas ameaças perfilam-se, entretanto: A OMS e o UNICEF apelam os governos a manterem os planos de vacinação, para reduzir o impacto da pandemia de Covid-19. A ideia é continuar a proteger as pessoas, sobretudo crianças e adolescentes, das doenças para as quais há vacinas. Afinal, a infecção pelo novo coronavírus pode agravar o quadro clínico de portadores de outras doenças.
Por outro lado, as medidas de confinamento levaram ao encerramento de escolas. Em consequência, milhões de crianças pelo Mundo permanecem em casa, sem a única refeição do dia, que só encontravam no recinto escolar. Em África, a situação é particularmente dramática. Com elevadas taxas de insegurança alimentar, grande força de trabalho informal, sistemas de saúde e de protecção social fracos e margem de manobra orçamental limitada, os países africanos muitos deles enfrentam outras crises, como a de gafanhotos e a seca - correm o risco de hipotecar o futuro, na esperança de proteger as populações, segundo avaliação da ONU.
Em resumo, o Mundo precisa de despertar; de se reinventar. O desemprego atingiu níveis nunca antes registados, com o Turismo (e os departamentos que o complementam, como restauração e a hotelaria) a constituir dos sectores particularmente afectados. Como resultado, agregados inteiros ficaram sem o que comer e juntaram-se à chamada “Fila da Fome”, materializada no cortejo de pessoas que bate à porta de instituições de caridade na ânsia de uma marmita (com comida).
Portanto, um cenário à espera de urgente reversão, que começa, exactamente, com o aliviar, gradual, das medidas de confinamento ou o levantar do Estado de Emergência, em países cujo quadro epidemiológico assim o sugere. Só com o abrandar do rigor da quarentena se poderá pensar em dar início à normalização e permitir que populações pelo mundo voltem à condição de auto-suficientes, autónomos, enfim, independentes da caridade alheia.
É um novo contexto este que se abre, agora marcado pelo “salvase quem se proteger”. Porque a sobrevivência depende de cada um; da inteligência em obedecer às medidas de protecção contra a Covid19. As orientações estão aí, acessíveis a custo zero, para normas a cumprir na rua, no local de trabalho, nos mercados, enfim, ali onde o ajuntamento espreita, o distanciamento deve ser accionado e a máscara permanentemente colocada. É o modo protecção.
Aliás, a Suécia, Nação escandinava, é das poucas no Mundo que dispensou medidas para inibir ou limitar a circulação. Nem confinamento, nem quarentena, nem Estado de Emergência. Desde cedo, as autoridades atribuíram a cada cidadão a necessidade de se proteger: “a responsabilidade é individual”. E nem por isso o país nórdico atingiu o colapso. É verdade que, como em quase todo o lugar, registou mortes. Mas a vida corre o seu curso normal. Mais do que tendência, o desconfinamento virou realidade.
Portanto, a protecção é, mais do que nunca, questão de consciência. O Mundo retorna à existência e só vai sobreviver quem se acautelar. Sobretudo nós, africanos, que mal conhecemos para quando o pico da pandemia.