Sobreviver da arte de fabricar balaios
Com a coxa direita amputada apoiada sobre a muleta, Laurindo Vicente, 45 anos, tem a atenção virada para a agulha. A perna foi-lhe amputada depois de ter sido atingido, durante a guerra, por uma bala no Gove, município da Caála, província do Huambo. A fama de Laurindo Vicente começou na década de 2000, quando enveredou pelo fabrico artesanal de balaios para a agricultura
Natural do Namibe e morador do bairro Valódia, no Lubango, Laurindo Vicente tinha clientes oriundos dos municípios de Caluquembe, Caconda e Quipungo, zonas tidas como tradicionais no cultivo do milho, massango, massambala e café. Hoje (até pouco antes do Estado de Emergência) quando visita um parente ou amigo, principalmente nos bairros periféricos da cidade, vê com satisfação os balaios e quimbalas por si fabricados a decorar as lojinhas e as casas.
Laurindo Vicente confecciona balaios para sua própria sobrevivência. Ele conta que era muito jovem quando aprendeu a profissão. O cumprimento obrigatório do serviço militar fez-lhe interromper o exercício da profissão durante algum tempo. Depois de ser-lhe amputada a perna, regressou ao convívio familiar na província do Namibe. Dadas as circunstâncias da vida, foi obrigado a rebuscar a antiga arte de fazer balaios.
O processo de fabrico de balaios tem início com a selecção do bambu, caniços, palha de milho e palmeiras. Na escolha das plantas a espessura certa é fundamental, explica Vicente ao
Jornal de Angola, acrescentando que o bambu é cortado às fitas e passa por um processo de secagem. As fitas depois são tecidas.
O fabrico de cada balaio, esclarece o artesão, demora, em média, entre uma e duas horas, dependendo do tamanho e espessura. A esposa do artesão Laurindo Vicente conta que a agilidade para confeccionar balaios é resultado de muito tempo de trabalho. Ela diz que o seu marido consegue fabricar 4 a 5 peças por dia.
O artesão, por sua vez, diz que na família o ofício começou com um tio e depois foi seguido por irmãos, sobrinhos e filhos.
Laurindo Vicente adaptou a tampa da fossa, num canto da casa arrendada onde vive, e é á que fabrica os seus artefactos. O balaio custa entre mil e mil e 800 kwanzas, dependendo do tamanho. Se antes o negócio rendia bem, nesse período de quarentena, reconheceu, a realidade é outra.“Os clientes vêm uma vez a outra, por causa da quarentena. Actualmente, a prioridade é comprar alimentos”.
A realidade atrapalha as contas de Vicente, que aplica parte dos rendimentos na renda da casa. “Vivo numa casa de renda. Pago 2.000 kwanzas mensalmente. Para ter o dinheiro é sacrifício. O dono cobra sempre. Às vezes o mês não terminou e o proprietário já vem cobrar”.
Decorativo e funcional
Pai de dois filhos, Laurindo
Vicente explicou que para bordar os balaios usa fitas de atados de balão de fardo. As duas primeiras fases do Estado de Emergência complicaram-lhe o negócio, tudo porque o comércio do fardo deixou de fazer parte dos serviços mínimos prestados.
Mariano António, 50 anos, é outro artesão de balaios, vive no bairro Joaquim Kapango. Ele refere que o balaio é uma cesta que era muito usada para carregar e armazenar comida. Tem também o status de peça decorativa e funcional dentro de uma casa.
O bambu, que abunda em vários municípios da província da Huíla, é fácil de ser encontrado e também é de fácil manuseio. Com ele é possível criar diversos objectos, inclusive o cesto, que é uma peça feita artesanalmente e é usada pelas donas de casa para organizar as roupas, tanto as sujas como as limpas. Com o cesto, salientou Mariano António, “tudo fica no seu lugar, sem preocupações”.
Mariano António fabrica também balaios de palha de milho, mais fácil de manusear que o balaio de bambu.“A palha de milho é mais mole”, justifica.
O Estado de Emergência devido ao novo coronavírus veio complicar a vida dos artesãos. Mariano António explicou que para ter material é preciso deslocar-se, mas o confinamento social complicou tudo.
“Sou deficiente da perna. Para ter material contava com a ajuda de amigos, a quem comprava a preço módico. Vivo com a esposa e três filhos. Faço balaios só para remediar a vida. As dificuldades não acabam. Para mim, o importante é conseguir algo para comer”, disse.
Os balaios e os cestos têm grande procura, reconheceu
Madalena Nangombe, que vive no bairro Valódia desde 1977. Ela reconhece a qualidade dos balaios e cestos feitos pelos artesãos da sua área de residência. As pessoas chegam de longe para comprar os artefactos, cada vez mais usados para efeitos decorativos.
O balaio, segundo explica, é um cesto grande e redondo, que pode ser feito de diversos materiais. Frisou que, com o passar do tempo, o balaio foi perdendo a função de guardar e carregar coisas, substituído por artigos de plástico com ares modernos e mais sofisticados.
“Vivemos próximo de uma zona industrial, onde estão concentrados armazéns que vendem materiais de plástico. Mesmo assim, hoje em dia, o balaio voltou com força, por ser uma peça útil nos mais variados ambientes e funções. Como, por exemplo, na separação do milho pisado do farelo”.