Ruben Alonso vai pedalar em Luanda
Ruben Alonso Elorza pedalou 26 mil quilómetros através de África, percorrendo 17 países, mas a pandemia da Covid-19 acabou com a aventura do viajante, que vive há mais de dois meses em Cabo Ledo, uma paradisíaca praia dos arredores de Luanda
Na expectativa de regressarem à estrada, depois de mais de dois meses de confinamento impostos pela pandemia da Covid-19, os Amadores do Cicloturismo de Angola (ACT) tencionam organizar uma tirada a Cabo Ledo, com o propósito de levar o ciclista basco Ruben Alonso Elorza a dar uma volta por Luanda.
Apanhado pelo coronavirus a meio da aventura de bicicleta por África, o amante dos pedais estacionou no território nacional, depois de percorrer milhares de quilómetros, num percurso iniciado no Norte do continente, precisamente no Egipto, país de cultura e tradições milenares.
Habituados a trocar experiências além-fronteiras com admiradores do ciclismo, anualmente no Tour da Cidade do Cabo, África do Sul, a maior concentração de ciclistas à escala mundial, ao reunir 50 mil participantes, entre profissionais e amadores, os ACT tencionam trazer para Angola um evento semelhante, capaz de proporcionar a arrecadação de receitas, através do casamento entre desporto, turismo e economia.
Ruben Alonso Elorza
Durante ano e meio, Ruben Alonso Elorza pedalou 26 mil quilómetros através de África, percorrendo 17 países, mas a pandemia da Covid19 acabou com a aventura do viajante, que vive há mais de dois meses numa paradisíaca praia angolana.
O basco, de 47 anos, iniciou a viagem na capital egípcia, Cairo, onde chegou de avião em Outubro de 2018. Daí, seguiu de bicicleta pelo Sudão, atravessou a Etiópia, Quénia, Uganda, Rwanda e a Tanzânia, deu um salto a Zanzibar, passou pelo Malawi e pela Zâmbia, percorreu o Zimbabwe, viajou por Moçambique, entrou em eSwatini, no Lesotho e África do Sul e chegou a Angola a partir da Namíbia.
A entrada no país não foi fácil, devido à demora dos vistos, e a saída também não está a ser: Ruben estava há quase três semanas em Angola quando foi “apanhado” pelo fecho de fronteiras, decretado em 20 de Março pelo Governo, para travar a propagação da pandemia provocada pelo novo coronavírus.
O viajante, que tinha entrado na fronteira sul de Santa Clara (Cunene) e passado pelo Lubango (Huíla) e Lobito (Benguela), encontrava-se em Porto Amboim (Cuanza-Sul) quando foram anunciados os primeiros dois casos da Covid-19.
Nessa altura, sentiu que já não era tão bem-vindo: “As pessoas pensavam que por ser branco tinha o coronavírus. Não é assim, claro, até por que viajo em bicicleta por África desde Outubro de 2018, mas as pessoas não sabiam”, contou, explicando que as pessoas começaram a guardar distância.
“Há um pouco de medo com tudo isto”, disse Ruben, salientando, no entanto, que a epidemia parece “muito controlada em Angola” onde o Governo tomou medidas desde cedo.
“Fiquei surpreendido. Com dois casos (de infecção) por Covid-19, parou tudo, fechou fronteiras. O Governo não quis arriscar nada”, sublinhou.
Ruben decidiu continuar e voltou a fazer-se à estrada, percorrendo mais 150 quilómetros para Norte.
Chegou então a Cabo Ledo, uma zona balnear popular entre expatriados e surfistas a cerca de duas horas de Luanda, que descobriu por acaso, enquanto procurava a Praia dos Surfistas.
Era 23 de Março e o país tinha declarado o fecho de fronteiras três dias antes.
Foi aí que procurou um sítio para acampar, acabando por ser acolhido num ‘resort’ que lhe serve de abrigo para a quarentena desde então.
“Estou num paraíso dentro do paraíso que é Angola e aqui vou esperando que
passe toda esta situação”, contou à Lusa, destacando as “boas vivências” e a “gente espectacular” que o tem rodeado e acarinhado.
Enquanto espera, deu descanso à bicicleta e aproveitou a proximidade do mar e dos novos amigos surfistas para apanhar as suas primeiras
ondas, descobrindo no surf uma nova paixão: “Aqui tenho tempo e Cabo
Ledo é um sítio perfeito para fazer surf”.
Ruben chegou a contactar a Embaixada espanhola, mas as perspectivas de regresso a casa não eram boas. “A Embaixada não me ajudou, punham-me num voo para Paris e a partir daí tinha de arranjar maneira de voltar a casa”, relatou.
Sem pressa e sabendo que teria de ficar em quarentena
ao voltar a casa, numa altura em que a Espanha enfrentava uma situação crítica, acumulando milhares de mortes, decidiu permanecer em Angola e aceitar a hospitalidade dos seus anfitriões
“Tudo parou, as fronteiras estavam fechadas, não havia voos e eu também não precisava. Achei que a situação estava mais tranquila aqui, bem mais do que em Espanha. Falei com a minha família e estavam todos bem, em quarentena. Se eu voltasse, teria de ficar também em quarentena. Entre isso, ou ficar neste paraíso, preferi ficar neste paraíso”, sorriu.
O projecto de viagem não acabava em Angola, mas Ruben não sabe ainda se vai poder prosseguir.
“Eu queria conhecer África com os meus próprios olhos, porque o que vemos na televisão não é a realidade de África. Se ficarmos só pelo que vemos na televisão, vemos violência, infelicidade… eu encontrei o contrário, boa gente, senti-me bem-vindo”, afirmou.
O objectivo era chegar a casa, em Vitória, a capital do País Basco, de bicicleta pelo Natal.
“Mas a situação mudou completamente e aqui estamos. Agora, não sei se abrem fronteiras, se poderei continuar, mas não olho muito para o futuro, olho mais para o futuro próximo, talvez duas semanas à frente. Não vale a pena, tudo muda tão rápido”, atirou.
O viajante admitiu que as fronteiras venham a abrir, mas a maneira de viajar vai mudar e o projecto poderá ficar suspenso por não querer ter de fazer quarentena em cada país que atravessar. De África vai guardar experiências de vida, nem todas boas, mas todas enriquecedoras.
“Para cada país há uma coisa boa e outras menos boas. Penso que a Etiópia é um país
onde não voltaria.
Fui agredido, tentaram-me roubar várias vezes, apedrejaram-me, havia guerras na fronteira com o Sudão e com o Quénia… as circunstâncias não foram as melhores”, recordou.
Mas, complementou, “as mulheres são muito bonitas, o café é muito bom, a comida é saborosa”.
Já em Angola, a viagem foi marcada pelos sorrisos: “Sempre muitos sorrisos, muita felicidade. As pessoas têm muito pouco ou nada, mas fui sempre bem-vindo, sempre me quiseram acolher, achei sempre tudo muito tranquilo. Não tive preocupações, podia deixar a bicicleta em qualquer sítio, toda a gente respeitava, pelo menos até agora”, descreveu, acrescentando que ainda não conhece a capital, Luanda.
Ruben viaja sempre de forma autónoma, pedalando na “Rodriga”, baptizada em honra do amigo que a ofereceu e onde transporta a tenda que lhe serve de tecto, quando não encontra outro local de pernoita, algumas mudas de roupa e as ferramentas necessárias para fazer pequenas reparações.
O basco disse que com esta forma de conhecer os países também não gasta muito dinheiro.
“Viajo com a minha tenda, como o que as pessoas me oferecem, não preciso de muitas coisas. Também não me preocupa com o que vai acontecer no dia a seguir e por onde vou passar, posso ter um pneu furado, não sei o que vai acontecer, por isso vivo cada dia”. É esse tempo e disponibilidade que lhe permite o meio de locomoção que escolheu para viver as suas aventuras.
“Com a mota, o carro, autocarro, camião, avião, vamos muito rápido. A bicicleta dá-me a possibilidade de falar, escutar, ver, tenho inter-relação com a natureza e com as pessoas. Vivo cada dia, tenho autonomia para mover-me onde quero. A bicicleta dá-me essa liberdade e um ritmo tranquilo, mas continuado. E se quero parar, paro”, destacou o viajante espanhol.
Para Ruben, o mais importante são as pessoas: “É através delas que conheço a cultura, a língua, a dança, o que comem… que conheço tudo”, concluiu.