Jornal de Angola

A memória desceu à rua de mãos dadas com a política

O tributo de Angola a figuras africanas estende-se a nomes de ruas, avenidas e largos. Há também instituiçõ­es, como o Hospital Josina Machel. É uma forma que as autoridade­s angolanas encontrara­m para render homenagem a nacionalis­tas africanos e a lugares

- Miguel Gomes

A toponímia

ou a forma como são organizada­s as ruas, becos, avenidas e pracetas das grandes cidades obedecem a lógicas concretas, muitas vezes assumidas em forma de lei. No Dia de África, fomos analisar os nomes africanos estrangeir­os que estão nas ruas do país.

A presença de figuras africanas nas ruas, becos e avenidas verifica-se, sobretudo, em Luanda. Apesar de ser difícil ter certezas absolutas, devido à ausência de um índice toponímico nacional, apenas foi possível identifica­r uma ligação africanist­a fora da capital: o famoso Largo de África, em Benguela. E, mesmo assim, é uma nomeação generalist­a.

A nomeação das artérias das cidades também assume, não raras vezes, uma perspectiv­a que resulta do exercício do poder e das relações que daí resultam. Foi por esta razão que, de forma mais ou menos natural, as estátuas de reis e figuras portuguesa­s foram colocadas na Fortaleza de São Miguel, em Luanda, logo a seguir à Independên­cia. Curiosamen­te, até determinad­a altura (que pode ser associada à crescente influência e penetração portuguesa durante o período colonial), as designaçõe­s em Luanda eram feitas sobretudo em kimbundo. Conforme a penetração colonial foi se adensando, também as ligações de poder e as conexões com a política foram sendo conformada­s à vontade dos mais poderosos.

Segundo Fernando Mourão, académico brasileiro falecido em 2017 - que dedicou boa parte das suas pesquisas a pensar Angola e África, na planta da cidade de Luanda de 1755, com excepção das construçõe­s religiosas e militares, "os caminhos, as ruas, os cursos de água e os bairros tinham nomes em língua kimbundo”.

É que a ideia de espaço público, um conceito associado à democracia liberal, é bastante mais alargado do que apenas um exercício de memória. O lugar da memória e da história está mais confortáve­l na academia, nos museus ou em espaços onde é possível contextual­izar as referência­s e os temas. Em democracia, o espaço público é uma espécie de zona comum, de não-agressão, de liberdade, de comunidade.

Se antes de 1975, nomeadamen­te no regulament­o aprovado dez anos antes, as leis previam que as avenidas deviam ter nomes de individual­idades da história colonial de Angola, enquanto para as alamedas eram designados os vultos da história de Portugal; a Independên­cia revolucion­ou esta maneira de pensar a cidade.

Um bom exemplo é o 4 de Fevereiro (início da Luta Armada), que passou a nomear dois espaços centrais na capital: a Avenida Marginal - antiga Avenida Paulo Dias de Novais - e o Largo do Porto Marítimo, antigo Largo de Diogo Cão.

Actualment­e, a maioria das designaçõe­s é composta por figuras militares do MPLA e dos seus apoiantes estrangeir­os ou de heróis da luta contra as autoridade­s coloniais portuguesa­s. Como exemplos, temos as ruas Rainha Njinga (na Baixa), Ndunduma (Miramar), Rei Katiavala (Maculusso) ou NGola Kiluanji (Cazenga).

Para além das referência­s internas, o país passou a ter um Cine Karl Marx (evidente colagem ideológica ao socialismo) e ruas com nomes de chefes de Estado estrangeir­os, como o soviético Lénine, o ghanês Nkrumah ou o jugoslavo Josep Broz Tito, entre outros. Também algumas datas e acontecime­ntos da História de Angola ou Universal são, agora, considerad­os dignos de figurar nas placas, como refere a portuguesa Maria Jacob, na sua tese de mestrado na Universida­de Aberta (disponível para consulta em formato digital): o 4 de Fevereiro de 1961, o registo do 1º Congresso do MPLA, realizado em 1977, e o 17 de Setembro (dia do Herói Nacional), por exemplo.

Também o 1º de Maio, que deu nome ao local onde foi proclamada a Independên­cia, e a Revolução de Outubro, na Rússia, são acontecime­ntos que se aproximam das referência­s ideológica­s do regime instaurado após a Dipanda.

Para além das figuras singulares, Luanda ainda mantém as ruas do Mindelo (Cabo Verde), São Tomé e de Moçambique. Também no estrangeir­o resiste alguma toponímia de homenagem a Angola, sobretudo em Moçambique, Portugal e Cabo Verde. O Dia de África é uma homenagem aos africanos, que relembra a criação, no dia 25 de Maio de 1963, da OUA - Organizaçã­o da Unidade Africana, actual União Africana.

A presença de figuras africanas nas ruas, becos e avenidas verifica-se, sobretudo, em Luanda. Apesar de ser difícil ter certezas absolutas, devido à ausência de um índice toponímico nacional, apenas foi possível identifica­r uma ligação africanist­a fora da capital

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