A memória desceu à rua de mãos dadas com a política
O tributo de Angola a figuras africanas estende-se a nomes de ruas, avenidas e largos. Há também instituições, como o Hospital Josina Machel. É uma forma que as autoridades angolanas encontraram para render homenagem a nacionalistas africanos e a lugares
A toponímia
ou a forma como são organizadas as ruas, becos, avenidas e pracetas das grandes cidades obedecem a lógicas concretas, muitas vezes assumidas em forma de lei. No Dia de África, fomos analisar os nomes africanos estrangeiros que estão nas ruas do país.
A presença de figuras africanas nas ruas, becos e avenidas verifica-se, sobretudo, em Luanda. Apesar de ser difícil ter certezas absolutas, devido à ausência de um índice toponímico nacional, apenas foi possível identificar uma ligação africanista fora da capital: o famoso Largo de África, em Benguela. E, mesmo assim, é uma nomeação generalista.
A nomeação das artérias das cidades também assume, não raras vezes, uma perspectiva que resulta do exercício do poder e das relações que daí resultam. Foi por esta razão que, de forma mais ou menos natural, as estátuas de reis e figuras portuguesas foram colocadas na Fortaleza de São Miguel, em Luanda, logo a seguir à Independência. Curiosamente, até determinada altura (que pode ser associada à crescente influência e penetração portuguesa durante o período colonial), as designações em Luanda eram feitas sobretudo em kimbundo. Conforme a penetração colonial foi se adensando, também as ligações de poder e as conexões com a política foram sendo conformadas à vontade dos mais poderosos.
Segundo Fernando Mourão, académico brasileiro falecido em 2017 - que dedicou boa parte das suas pesquisas a pensar Angola e África, na planta da cidade de Luanda de 1755, com excepção das construções religiosas e militares, "os caminhos, as ruas, os cursos de água e os bairros tinham nomes em língua kimbundo”.
É que a ideia de espaço público, um conceito associado à democracia liberal, é bastante mais alargado do que apenas um exercício de memória. O lugar da memória e da história está mais confortável na academia, nos museus ou em espaços onde é possível contextualizar as referências e os temas. Em democracia, o espaço público é uma espécie de zona comum, de não-agressão, de liberdade, de comunidade.
Se antes de 1975, nomeadamente no regulamento aprovado dez anos antes, as leis previam que as avenidas deviam ter nomes de individualidades da história colonial de Angola, enquanto para as alamedas eram designados os vultos da história de Portugal; a Independência revolucionou esta maneira de pensar a cidade.
Um bom exemplo é o 4 de Fevereiro (início da Luta Armada), que passou a nomear dois espaços centrais na capital: a Avenida Marginal - antiga Avenida Paulo Dias de Novais - e o Largo do Porto Marítimo, antigo Largo de Diogo Cão.
Actualmente, a maioria das designações é composta por figuras militares do MPLA e dos seus apoiantes estrangeiros ou de heróis da luta contra as autoridades coloniais portuguesas. Como exemplos, temos as ruas Rainha Njinga (na Baixa), Ndunduma (Miramar), Rei Katiavala (Maculusso) ou NGola Kiluanji (Cazenga).
Para além das referências internas, o país passou a ter um Cine Karl Marx (evidente colagem ideológica ao socialismo) e ruas com nomes de chefes de Estado estrangeiros, como o soviético Lénine, o ghanês Nkrumah ou o jugoslavo Josep Broz Tito, entre outros. Também algumas datas e acontecimentos da História de Angola ou Universal são, agora, considerados dignos de figurar nas placas, como refere a portuguesa Maria Jacob, na sua tese de mestrado na Universidade Aberta (disponível para consulta em formato digital): o 4 de Fevereiro de 1961, o registo do 1º Congresso do MPLA, realizado em 1977, e o 17 de Setembro (dia do Herói Nacional), por exemplo.
Também o 1º de Maio, que deu nome ao local onde foi proclamada a Independência, e a Revolução de Outubro, na Rússia, são acontecimentos que se aproximam das referências ideológicas do regime instaurado após a Dipanda.
Para além das figuras singulares, Luanda ainda mantém as ruas do Mindelo (Cabo Verde), São Tomé e de Moçambique. Também no estrangeiro resiste alguma toponímia de homenagem a Angola, sobretudo em Moçambique, Portugal e Cabo Verde. O Dia de África é uma homenagem aos africanos, que relembra a criação, no dia 25 de Maio de 1963, da OUA - Organização da Unidade Africana, actual União Africana.
A presença de figuras africanas nas ruas, becos e avenidas verifica-se, sobretudo, em Luanda. Apesar de ser difícil ter certezas absolutas, devido à ausência de um índice toponímico nacional, apenas foi possível identificar uma ligação africanista fora da capital