PGR diz que EUA não têm jurisdição sobre Chang
A Procuradora-Geral da República de Moçambique diz não ter dúvidas de que Manuel Chang será absolvido se vier a ser julgado nos Estados Unidos
A procuradora-geral da República de Moçambique, Beatriz Buchili, considerou, ontem, que o ex-ministro das Finanças, Manuel Chang, será absolvido nos EUA, se for extraditado para aquele país, no processo das “dívidas ocultas”, porque a Justiça norteamericana não tem jurisdição sobre o caso.
“Se a decisão for no sentido de extraditar Manuel Chang para os Estados Unidos da América, o mesmo poderá ser restituído à liberdade”, declarou Beatriz Buchili, na Assembleia da República, segundo a Lusa.
A procuradora respondia a perguntas dos deputados sobre o processo de extradição do antigo ministro das Finanças, cuja custódia é disputada pela Justiça moçambicana e norte-americana para julgamento, no âmbito do processo das “dívidas ocultas”.
Beatriz Buchili recordou que um tribunal de Nova Iorque decidiu, em Dezembro, que a Justiça dos Estados Unidos não tem jurisdição sobre o caso.
Esse entendimento da Justiça norte-americana levou à absolvição do franco-libanês Jean Boustani.
“A decisão judicial poderá não ser diferente da tomada no caso precedente, referente a Jean Boustani, peça-chave de todo o processo de endividamento e desvio dos valores em causa”, sublinhou Buchili. O desfecho no caso de Jean Boustani, prosseguiu a magistrada, reforça o interesse de Moçambique em lutar pela extradição de Manuel Chang, detido na África do Sul.
A procuradora criticou algumas organizações da sociedade civil moçambicana que defendem a extradição do antigo ministro das Finanças para os EUA e que apontam a falta de credibilidade da Justiça moçambicana.
Beatriz Buchili reiterou que o Estado moçambicano é o único com jurisdição sobre o caso e os moçambicanos são os maiores lesados pelo escândalo das “dívidas ocultas”. “Deve haver coerência no tratamento deste assunto. Porquanto, se por um lado, se exige o esclarecimento integral do processo judicial relativo à contracção da dívida, por outro, é necessário considerar que esse esclarecimento passa pela responsabilização de todos os indivíduos envolvidos, incluindo Manuel Chang, o que só pode acontecer com a extradição deste para Moçambique”, afirmou.
Por “dever patriótico”, prosseguiu, as organizações da sociedade civil deviam pressionar os países obrigados a cooperar no caso, principalmente os EUA, para ajudarem no processo judicial em Moçambique.
“Sem lógica nem sentido”
“Não é lógico, nem faz sentido, ao mesmo tempo, exigir o esclarecimento integral e célere no processo que corre termos em Moçambique e a extradição de Manuel Chang para os EUA”, referiu a procuradora. Os EUA, continuou Buchili, não têm jurisdição sobre esta matéria, para além de não colaborarem com as autoridades moçambicanas e perseguirem os seus próprios interesses.
A PGR acusou as autoridades norte-americanas de falta de cooperação no processo judicial sobre as dívidas ocultas, assinalando que o silêncio dos EUA está a prejudicar as investigações e a celeridade da Justiça. Já na informação prestada à Assembleia da República relativa a 2018, a chefe da magistratura do Ministério Público moçambicano também tinha acusado os EUA de falta de cooperação no caso. Este mês, os EUA acusaram Moçambique de “perseguir” a extradição de Manuel Chang para proteger o antigo Presidente Armando Guebuza e altos quadros do partido no poder, suspeitos de terem recebido 150 milhões de dólares em “luvas”.
“Os Estados Unidos têm provas de que 150 milhões de dólares em subornos foram para funcionários públicos moçambicanos, incluindo 10 milhões de dólares para o partido Frelimo, 60 milhões de dólares para Armando Guebuza (ex-Presidente) e o filho”, lê-se na submissão dos EUA para a extradição do ex-ministro das Finanças moçambicano.
O pedido, a que a Lusa teve acesso, foi enviado recentemente pelo Departamento de Justiça dos EUA ao ministro da Justiça da África do Sul.
As “dívidas ocultas” estão relacionadas com empréstimos no valor de 2,2 mil milhões de dólares contraídos entre 2013 e 2014 junto das filiais britânicas dos bancos de investimentos Credit Suisse e VTB pelas empresas estatais Proindicus, Ematum e MAM.
Os empréstimos foram avalizados pelo Governo na altura, sem o conhecimento do Parlamento e do Tribunal Administrativo. Pelo menos, 20 pessoas foram constituídas arguidas e aguardam a decisão da Justiça acerca dos recursos que apresentaram face ao despacho de pronúncia.