Edna António Filipe está juridicamente viva
Na sua edição do dia 18 de Maio de 2020 o Jornal de Angola transmitiu nas páginas 26 e 27 dados inerentes ou melhor, informação inerente ao caso da jovem Edna António Filipe que inspiram e exigem esclarecimentos adicionais para que se cumpra o dever de informar e formar. Na página 26 refere-se a um processo de anulação do registo da morte da jovem Edna António Filipe e, segundo se noticia, foram feitas diligências junto da 3ª Conservatória do Registo Civil de Luanda (onde se registou a morte da viva jovem Edna António Filipe), para a abertura na Sala de Família do Tribunal Provincial de Luanda de um processo que visa a recuperação de sua personalidade jurídica.
Sobre estas (des)informações importa esclarecer o seguinte:
a) A INEXISTÊNCIA DO REGISTO DA MORTE DE EDNA ANTÓNIO FILIPE
Reza o artigo 110º nº 1 al. a) do Código de Registo Civil que o registo é juridicamente inexistente quando respeitar a facto inexistente e isso resultar do próprio contexto.
O que há no caso da Edna António Filipe é que a sua morte não existe, como de resto se noticiou, e, por consequência, o registo de tal morte é igualmente inexistente. Não é pois, a jovem Edna António Filipe que não existe, é antes o registo da sua morte ou óbito (que não existe).
Nos termos do artigo 111º do Código de Registo Civil:
A inexistência do registo pode ser invocada a todo o tempo por quem nela tiver interesse, independentemente de declaração judicial, mas esta deve ser promovida pelo funcionário logo que tiver conhecimento da inexistência.
Isto é, dado o facto de não existir a morte da jovem Edna António Filipe, e de por isso ser inexistente o registo de seu óbito, ela pode invocar esta inexistência junto da 3ª Conservatória do Registo Civil de Luanda e esta a deve promover sem precisar de remeter o processo à decisão do Tribunal, isso por um lado, por outro e uma vez que já é sabido que a jovem Edna António Filipe está viva (pelo que a sua morte não existe), os funcionários daquela Conservatória devem promover, sem que tal seja pedido, a extinção do registo da morte ou de óbito.
Portanto, a extinção do registo de morte ou de óbito de Edna António Filipe prescinde da intervenção judicial, ou seja, de um Tribunal.
Se a intervenção do Tribunal fosse imprescindível (o que sucederia em caso de anulação do registo) a Sala da Família não é a que tem competência para esta matéria. É à Sala do Cível e Administrativo que competiria intervir - conforme o artigo 31º nº 1 al. c) da Lei do Sistema Unificado de Justiça, Lei nº 18/88 de 31 de Dezembro, a qual (competência) se mantém e manterá até a institucionalização dos Tribunais de Comarca de Luanda (conforme o nº 3 do artigo 95º da Lei Orgânica dos Tribunais de Jurisdição Comum, Lei nº 2/15 de 02 de Fevereiro), facto que ainda não se verificou.
b) A JOVEM EDNA ANTÓNIO FILIPE NÃO PERDEU A SUA PERSONALIDADE JURÍDICA
A personalidade jurídica, reza o artigo 68º nº 1 do Código Civil, cessa com a morte. A jovem Edna António Filipe não morreu, como se tem notificado, logo não perdeu e mantém a sua personalidade jurídica, ou seja, a titularidade de todos os seus direitos e deveres.
Nada há pois a recuperar.
c) O EFEITO DO REGISTO
Em face da matéria publicada fica-se com a percepção de que o registo da morte retira a personalidade jurídica e torna as pessoas inexistentes. Nos termos do artigo 4º do Código do Registo Civil o registo civil produz um efeito probatório pleno sobre os factos que contém. Ou seja, o registo civil faz com que os factos nele contidos sejam tidos como certos e tomados pela mera exibição da certidão de registo, como provados.
Infere-se daqui que o registo não mata nem retira a personalidade jurídica. Ele apenas, quando válido, garante a prova do facto ou acontecimento registado.
O registo não mata nem torna inexistentes pessoas, serve apenas de meio de prova da morte das pessoas.
Sucede que, como já supra referimos, o registo de óbito da jovem Edna António Filipe nem é válido, sendo até inexistente, logo nem chega a produzir o efeito referido no artigo 4º do Código de Registo Civil. Portanto: a - O registo da jovem Edna António Filipe é inexistente devendo como tal ser tratado pelos funcionários da 3ª Conservatória do Registo Civil de Luanda, sem precisar de decisão do Tribunal que, se fosse necessária, nunca seria a Sala da Família, mas antes a Sala do Cível e Administrativo a intervir; b - A jovem Edna António Filipe não perdeu a sua personalidade jurídica uma vez que está viva, ou seja, ela existe. c- O registo civil da morte ou do óbito de alguém não o mata nem o faz deixar de existir e menos ainda lhe retira a personalidade jurídica, apenas permite que se considere provada a morte registada, algo que, não é aceitável dada a eloquência da presença da jovem Edna António Filipe.
A INEXISTÊNCIA DO REGISTO DE ÓBITO DA JOVEM EDNA ANTÓNIO FILIPE PRESCINDE DE INTERVENÇÃO DO TRIBUNAL
À página 27 reproduz-se uma entrevista sob o título: “Recuperação da personalidade jurídica está condicionada à anulação do registo do óbito”. Quanto ao aí reproduzido importam apenas duas ou três notas de esclarecimento:
1. A primeira serve para reafirmar que no nosso ordenamento jurídico só existem advogados - conforme artigo 193º nº 2 da Constituição da República de Angola, os quais podem apenas ser divididos em Advogados e Advogados Estagiários - conforme os artigos 6º da Lei da Advocacia Lei nº 8/17 de 13 de Maio e 41º dos Estatutos da Ordem dos Advogados aprovado pelo Decreto 28/96, de 13 de Setembro e alterado pelo Decreto 56/05, de 15 de Agosto.
A nossa legislação e os nossos costumes e usos advocatícios não implementaram qualquer outra divisão ou qualificação de advogados. Portanto, ao se referir a Advogados e para não desinformar, impõe-se que se respeite o seu título de Advogado ou de Advogado Estagiário sem mais nem menos adjectivos.
2. A segunda nota de esclarecimento serve apenas para reiterar o que já foi dito e demonstrado sobre o conteúdo da entrevista. Já dissemos e demonstrámos que a personalidade jurídica da jovem Edna António Filipe não foi perdida por isso não precisa de ser recuperada. Dissemos e demonstrámos igualmente, que o registo de morte ou óbito da jovem Edna António Filipe não é nulo, é antes inexistente pois, a existência da jovem Edna António Filipe não pode ser negada.
Só por aqui uma boa parte da tese transmitida na entrevista deve ser complementada. É, no entanto, preciso que não hajam dúvidas de que: Edna António Filipe tem personalidade jurídica não sendo necessária a intervenção do Tribunal para que o registo de sua morte ou de seu óbito seja inexistente.
3. Com a terceira e última nota para acrescer ao que foi dito em torno da (Ir)Responsabilidade do SIC e da Morgue Central de Luanda pelo registo do óbito da jovem Edna António Filipe
A Morgue Central de Luanda é uma extensão do Laboratório Central de Criminalística, órgão do SIC com competência para a realização de exames criminalmente relevantes e necessários.
O reconhecimento de cadáver, reza o artigo 191º do Código de Processo Penal, não é competência do SIC. Com efeito, o que compete ao SIC é a averiguação das circunstâncias da morte, facto que só pode ter lugar, nos termos da disposição legal citada, depois de reconhecimento do cadáver feito por pessoas que conheçam o morto.
Por isso, se impõe como pressupostos do registo da morte ou do óbito, a declaração por pessoa que tenha relação de proximidade com o morto ou falecido (1) corroborada pelo certificado médico (2) e só quando o médico não consiga determinar a causa da morte e haver sinais de alguma infracção penal é que há lugar à autópsia, conforme os artigos 238º e seguintes do Código de Registo Civil.
É pois indispensável que se tenha presente que, não é a ausência de meios tecnológicos no SIC, nem a circunstância do corpo enterrado estar na morgue cinco, que retiram da Morgue Central de Luanda e do SIC a obrigação de identificação do cadáver. É, antes, a lei que o impõe. Ou seja, ainda que se venha a reclamar de algum corpo, não cabe ao SIC efectuar exames para a detecção da identidade da pessoa morta, salvo se se apresentarem indícios de morte violenta ou de outro crime – conforme o artigo 175º conjugado com o artigo 191º do Código de Processo Penal e Artigos 1º e 2º do Regulamento Orgânico do Serviço de Investigação Criminal aprovado pelo Decreto Presidencial nº 179/17 de 09 de Agosto.
Portanto, por força da lei e não das circunstâncias do caso, o SIC não tem competência legal para a identificação ou reconhecimento do cadáver e, por isso, e apenas por isso, nenhuma responsabilidade tem no registo da morte ou de óbito de uma morte que não existe, isto é, de uma pessoa viva.
Esperamos termos contribuído para o esclarecimento da questão.