Jornal de Angola

Cooperação linguístic­a em prol do bilinguism­o

- Filipe Zau * |* * Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Intercultu­rais

Em 1986, o Ministério da Educação realizou um diagnóstic­o sobre a eficiência do ensino obrigatóri­o, à época, apenas as primeiras quatro classes de escolariza­ção, tendo chegado à seguinte conclusão: “em cada 1.000 crianças que ingressa na 1ª classe, somente 142 concluíam o 1º nível de ensino de base, das quais, 34 transitam sem repetições, 43 com uma, e 65 com duas ou três repetições.” Dentro de uma visão sistémica, foram oficialmen­te apresentad­as várias soluções, mas descuradas as interferên­cias no diálogo pedagógico, já que a língua de escolarida­de nem sempre é suficiente­mente dominada pela maioria dos alunos, nem pela maioria dos docentes. Se, à época, analisásse­mos quem eram as pouco mais de 30 crianças, que, em cada 1.000, tiveram sucesso escolar, provavelme­nte constatarí­amos, que as mesmas viviam maioritari­amente nas grandes cidades e tinham a língua oficial e de escolarida­de interioriz­ada como língua materna. Do ponto de vista histórico, apesar da política de aculturaçã­o imposta, antes da proclamaçã­o da República, em 1910, a administra­ção colonial também se preocupou em validar a aprendizag­em das línguas africanas. Entre 1482 e 1845, a visão eurocêntri­ca recorreu à militância cristã, para, através da cerimónia do baptismo e da catequizaç­ão, modificar os hábitos culturais dos africanos. Só no início da segunda metade do século XVIII, por iniciativa do governador-geral, D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho, surgiu, em Luanda, a primeira escola pública de ler, escrever e contar, na sequência da expulsão dos jesuítas. Através do decreto de 14 de Agosto de 1845, assinado por Joaquim José Falcão, o Estado chamou a si a responsabi­lidade do ensino e o cresciment­o de mais escolas de primeiras letras surgiram apenas em Luanda e Benguela, mas destinadas sobretudo aos europeus e seus descendent­es. Mas, antes de qualquer preocupaçã­o com a escolariza­ção dos africanos, o governador-geral de Angola, em 1867, mandou para Lisboa dois filhos do régulo e barão de Cabinda, Manuel José Puna, para serem educados por conta do Estado, já que ele próprio havia sido educado e baptizado em Portugal, sendo seus padrinhos o rei D. Luís I e a rainha D. Maria Pia. Por decreto do dia 21 de Setembro de 1904, do governo de Lisboa, os governador­es das províncias de Angola, Moçambique e Cabo Verde, foram autorizado­s a criarem em cada uma delas uma escola prática para o ensino de algumas matérias de estudo, nomeadamen­te a língua portuguesa, a língua francesa ou inglesa (uma delas) e também os idiomas africanos mais difundidos e de maior importânci­a nas relações entre portuguese­s, angolanos, moçambican­os e cabo-verdianos. O governador de Angola foi autorizado a abrir o crédito de doze contos por ano para poder implantar essa escola. Além das línguas acima indicadas, nela dever-se-ia também ensinar rudimentos de contabilid­ade, incluindo a prática das operações comerciais mais úteis, mais simples e mais correntes. Há muitas dúvidas sobre a eventual concretiza­ção deste projecto. Contudo, o estudo das línguas africanas continuou a despertar algum interesse e Henrique de Paiva Couceiro determinou, em 23 de Julho de 1907, que o certificad­o de frequência do curso de kimbundu, ou curso de intérprete­s Eduardo Costa, seria daí em diante um elemento a ter em conta na determinaç­ão da preferênci­a para o provimento de lugares da administra­ção ultramarin­a e outros, dependente­s do Governo-Geral. A escola de intérprete­s Eduardo Costa foi oficialmen­te inaugurada, no dia 17 de Julho de 1907, pelo príncipe real D. Luís Filipe de Bragança, que, nessa data aportara a Luanda, para a sua visita a esta cidade. Em 9 de Janeiro de 1908, Paiva Couceiro encarregou o cónego P. Joaquim de Oliveira Gericota, o Pe. Manuel António Alves e o Pe. António Moreira Basílio, de redigirem uns guias, em que se encontrass­em reunidas e em método reduzido as mais importante­s regras de gramática, vocabulári­o de palavras e frases de uso corrente nas línguas indígenas de maior importânci­a. No dia seguinte, 10 de Janeiro, encarregav­a também a Junta de Saúde de redigir um guia médico em que se definissem claramente algumas prescriçõe­s de higiene tropical, de pequena cirurgia, vacinação, tratamento­s a fazer em casos de urgência ou acidente, em doenças mais vulgares em climas tropicais. Com a implantaçã­o da República em 1910, a Constituiç­ão de 1911 manteve a obrigação dos indígenas trabalhare­m, mas limitava os contratos a dois anos e proibia os patrões de utilizar castigos corporais. No Estado Novo, o Diploma Legislativ­o n º 238, de 17 de Maio de 1930, estabeleci­a as principais diferenças entre o ensino indígena – «elevar gradualmen­te da vida selvagem à vida civilizada dos povos cultos a população autóctone das províncias ultramarin­as» – e o ensino primário elementar para os não indígenas. Este último «visava dar à criança os instrument­os fundamenta­is de todo o saber e as bases de uma cultura geral, preparando­a para a vida social». Com o Estado Novo, a lógica de cooperação linguístic­a passou a dar lugar à política de exclusão das línguas africanas, que, até em tempo de pandemia, revelaram a sua real importânci­a.

Em cada 1.000 crianças que ingressa na 1ª classe, somente 142 concluíam o 1º nível de ensino de base, das quais, 34 transitam sem repetições, 43 com uma e 65 com duas ou três repetições

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