“Ar condicionado” o filme de Fradique
Vi-o, pela primeira vez, em condições ideais, numa das salas de cinema do Belas Shopping, quando o coronavirus ainda não tinha se convertido em pandemia. A primeira impressão que tive é que era, de facto, um filme diferente, com um ritmo, um tema e uma maneira de narrar controlada ao mais mínimo detalhe, como se em cada pormenor se pudesse esvair todo o filme e, isso, o torna exigente.
Saí da sala intrigado, à beira da inquietação: o filme mexeu comigo e eu não sabia, ainda, explicar bem quais as razões da incomodidade, que me causou. Depois voltei a vê-lo online, com mais calma, tratando de compreender melhor a trama: o que viria nao tem absolutamente nada a ver com “Independência” (2016), o documentário feito pelo cineasta no contexto do projecto “Angola, nos trilhos da Independência” da Associação Tchiweka de documentação.
Com música original de Aline Frazão e produção da Geração 80, o filme “Ar Condicionado” de Mário Bastos (Fradique) conta a história trágica, sufocante e absurda do momento em que, de repente, em Luanda, os ar-condicionados começam a cair: a partir dela o realizador aproveita narrar de forma entrelaçada os esforços de Matacedo (José Kiteculo) e de Zezinha (Filomena Manuel) por arranjar o ar-condicionado do seu patrão e os fantasmas com que o kota Mino (David Caracol) - quem o deveria arranjar - se debate para viver numa realidade paralela, louca e de resistência, entre presente, passado e futuro, entre utopia e desencanto.
Se hoje e aqui falo sobre o filme é porque, depois dos “Luanda Leaks” ouve-se falar bem de Angola, no mundo do cinema, por causa do filme “Ar Condicionado” de Mário Bastos (Fradique), um dos realizadores do colectivo angolano Geração 80. Tal é o seu impacto que, por exemplo, precisamente, no dia 25 de Janeiro deste ano, uma nota de Neil Young, no site norte-americano Hollywood Reporter fez a primeira leitura elogiosa sobre o filme.
Também, pela atenção que mereceu no passado mês de Fevereiro, num artigo publicado no Diário de Noticias, em Portugal, Rui Pedro Tendinha chamou o filme de “coqueluche” da última edição do festival de cinema de Roterdão, lugar onde, por certo, o filme fez a sua estreia mundial.
E mais: no passado mês de abril, Olivier Barlet escreveu na revista francesa Africultures sobre o “realismo mágico, em Luanda” e no princípio deste mês, Wesley Pereira de Castro, ao descrever o filme para o site do “We are One: A Global Film Festival” fala de como nos setenta e dois minutos que a obra dura, eles estão “impregnados de política de resistência”.
Mas, a resistência, o arcabouço e o fôlego não são as únicas características que definem a cinematografia que Mário Fradique Silveira de Carvalho Bastos, - que optou por assinar simplesmente com Fradique -, vem fazendo desde que, em 2008, realizou “Kiari”, uma curta-metragem que vocês podem vê-la, como eu o fiz ontem de manhã, via Youtube.
Naquele seu primeiro exercício aparece já o embrião do que o realizador faria, depois, em “Alambamento” (2010), na série de oito vídeoclipes (que podem ser consideradas obras de vídeoart) intitulado “Gatuno Emigrante & Pai de Família” (2016) de Nástio Mosquito e até mesmo no “Ar Condicionado”(2020) e que dão que falar: até ver esta longa-metragem ainda não tinha visto, no cinema que se faz em Angola, uma obra de ficção cuja veia experimental fosse tão marcada.
Uma série de elementos parece que são fetiches nos filmes de Mário Bastos (Fradique): a presença da rádio, o retrato da desilusão, a maneira como filma as cenas de meninos jogando basquetebol ou futebol, a forma como trata a luz e a cor, a tendência a narrar lento como se quisesse emular o Andrei Tarkovsky; evita glamourizar a violência e o caos; ele adora mostrar o réquiem dos sonhos individuais (Kiari) ou colectivos (Ar condicionado), gosta de dar dignidade e sentido à locura e aos malucos, mas, sobretudo, não põe límites à experimentação formal e estética.
Por todas estas razões auguro que, um dia, os estudantes das escolas de arte analisarão as suas obras como um momento da história de cinema, televisão e audio-visualem Angola, no pós-independência.
Depois dos “Luanda Leaks” ouve-se falar bem de Angola, no mundo do cinema, por causa do filme “Ar Condicionado” de Mário Bastos (Fradique), um dos realizadores do colectivo angolano Geração 80. Tal é o seu impacto que, por exemplo, precisamente, no dia 25 de Janeiro deste ano, uma nota de Neil Young, no site norteamericano Hollywood Reporter fez a primeira leitura elogiosa sobre o filme