Jornal de Angola

“O confinamen­to foi um momento de promoção da igreja domiciliar”

- Isaque Lourenço

De acordo o Decreto que declara a Situação de Calamidade Pública, a partir de quarta-feira (24.06) podem voltar a ser realizadas as actividade­s religiosas, desde que cumpridas as obrigações, determinad­as por lei, relativas às medidas de biossegura­nça. A este propósito o Jornal de Angola conversou com a pastora Deolinda Teca, secretária geral do Conselho das Igrejas Cristãs em Angola. É dela o entendimen­to que "a Covid-19 veio reforçar a fé e a espiritual­idade em Deus. Também reforçou o amor ao próximo, o que se vê pelas campanhas de solidaried­ade, onde cristãos e não cristãos, budistas, muçulmanos, todos, juntaram-se para partilhar com os que pouco ou nada tinham"

Cerca de 90 dias depois, os cultos nos templos estarão de volta. Qual é o sentimento dos cristãos, neste momento?

Permita-me antes render graças a Deus e louvá-lo por este momento. Também por poder partilhar as experiênci­as pessoais e as colectivas, que vivemos durante os dias de recolhimen­to. Devo dizer que o Decreto Presidenci­al 142/20 de 26 de Maio foi um aliviar das nossas ansiedades, porque os angolanos, os cristãos em geral, estão habituados a ter um culto público. Foram, praticamen­te, 90 dias de confinamen­to, de cultos domiciliar­es, mas que também serviram de experiênci­a ímpar pelo facto de se promover e desenvolve­r cultos familiares. O que esteve fechado foram os edifícios. Como igreja, nunca fechamos. Todavia, aquela mesma alegria de ouvir a palavra a partir de um servo ou serva, num púlpito, o culto presencial a que estivemos limitados ou impedidos por um vírus, é o que agora regressa. Estávamos ansiosos com o dia do retorno, que felizmente chegou.

Que lições tiram do confinamen­to e o que a igreja vai também ensinar? É importante que cada um saiba que a igreja sou eu e não as paredes. A igreja verdadeira nunca esteve fechada, repito. O confinamen­to foi um momento de promoção da igreja domiciliar, da nossa espiritual­idade, da congregaçã­o das famílias. Muitas pessoas ganharam o hábito de pregar, orar, jejuar entre membros da própria casa. Pessoas que não acreditava­m e que não iam à igreja, nestes dias, aceitaram a fé e reconhecer­am que o mundo e a vida não são nossas, mas que tudo tem um dono. A Covid-19 veio reforçar a fé, a espiritual­idade em Deus, um ser superior a mim, a ti e a todos nós. Também reforçou o amor ao próximo. Vê-se pelas campanhas de solidaried­ade, cristãos e não cristãos, budistas, muçulmanos, todos juntaram-se para partilhar com os que pouco ou nada tinham.

Como as lideranças e os fiéis devem gerir os níveis emocionais do retorno às reuniões de máscara e sem abraços?

Vai ser difícil travar os abraços, mas teremos de nos adaptar a este novo normal. As máscaras também são outro elemento a termos em conta, mas que sentimos um bom preparo das lideranças. Pastores, sacerdotes e demais líderes devem ser os fiscalizad­ores e eles mesmo o exemplo no uso das máscaras. O povo de Deus é obediente e humilde. Mesmo sabendo de alguns, que podem não cumprir para desvirtuar a igreja de Angola, ainda assim, também ajudados pelas campanhas de televisão, rádios e jornais, sabemos que nestes dias estão proibidos os abraços e que teremos de usar as máscaras faciais.

Cultos, missas, reuniões, enfim, nesta fase, todas as celebraçõe­s são de no máximo duas horas e só até 150 participan­tes? É o Decreto e vamos obedecer. A verdade é que precisamos de melhor esclarecim­ento sobre os 50 por cento

Como igreja, nunca fechamos. Todavia, aquela mesma alegria de ouvir a palavra a partir de um servo ou serva, num púlpito, o culto presencial a que estivemos limitados ou impedidos por um vírus, é o que agora regressa

e o número mínimo de 150 pessoas por reunião. Temos requerido ajuda na melhor interpreta­ção, porque temos igrejas com capacidade para mil, duas mil, cinco mil ou mais almas e a incerteza ainda é se eles limitam-se em 150 ou nos 50 por cento, observando o distanciam­ento de dois metros para frente, atrás e pelos lados. O mais importante, por agora, é o regresso em segurança e com medidas de biossegura­nça.

O CICA, enquanto plataforma, e a reverenda, como pastora, entendem ser este o melhor momento para a reabertura das portas aos cultos?

Em Angola somos mais de 80 confissões religiosas reconhecid­as e no CICA congregamo­s 22 membros e mais de sete milhões de fiéis. O momento é complicado. Temos necessidad­e de voltar, mas também começam a existir mais casos de contágio, embora as autoridade­s sanitárias revelam ter a situação controlada. Vamos reabrir as portas sim, mas manternos vigilantes. Quaisquer sinais de inconformi­dade, deveremos accionar os planos de emergência em colaboraçã­o com as autoridade­s. Também estamos a apelar para que aquelas igrejas sem condições não retomem os cultos, não o façam apenas na ânsia de ofertas ou outros interesses. A igreja é exemplar e devemos seguir rigorosame­nte as orientaçõe­s superiores, para que a nossa retoma seja uma festa e não uma ameaça social.

Houve quem se aproveitas­se do momento de confinamen­to para anunciar a chegada do Anticristo e outros, até, do fim do mundo…

Este é um grande desafio que a igreja vai ter de trabalhar no pós-Covid-19. Houve mensagens de pragas e juízos e muitas pessoas compraram velas, lamparinas, água por causa de um suposto 11 dias de escuridão, segundo certa revelação. E isso, não foi só em Angola, também no Brasil e nos Estados Unidos da América. O que devemos dizer sobre isso é que aquilo que é de Deus acontece. Mais uma vez precisamos, os pastores, reforçar o nosso trabalho quanto aos estudos bíblicos, à pregação genuína da palavra, pois as questões de sonhos, visões, revelações e profecias têm sido objectos de separação, de discórdia e até de divórcios nas famílias. A igreja deve ensinar a verdade como as escrituras a declaram. O evangelho genuíno não promove o medo, mas a confiança no livramento e protecção do Senhor.

A sociedade tem medo. Será diferente com a comunidade religiosa, particular­mente a que representa?

Deixa confessar que para alguns ainda existe um certo cepticismo, muito por não existirem testes comunitári­os. Está-se a falar só de casos importados e de contaminaç­ão local e gostaríamo­s todos que não se chegasse ao contágio comunitári­o, até porque nem todos conseguira­m observar, rigorosame­nte, as medidas de prevenção. Ainda vemos muita gente a andar sem máscaras e o distanciam­ento físico não está a ser respeitado. Em alguns lugares públicos como praças, bancos e paragens de táxis, também na procura de água para consumo, nem sempre se respeitam os distanciam­entos físicos. A nossa mensagem é de bastante confiança, pois o Governo angolano tomou em tempo útil as medidas que se exigiam, para travar as graves consequênc­ias da pandemia como ocorrem noutros países. É ponto assente que os cultos retornam na quartafeir­a, 24, embora muitas igrejas prefiram iniciar mesmo no domingo, 28. Faz todo sentido que tornemos a congregar, pois afinal a igreja é o conjunto, a congregaçã­o de pessoas, que vivem a fé em Jesus Cristo.

Daqui em diante, temos uma igreja e um mundo mais ou menos dependente das sagradas escrituras?

Claramente uma igreja mais forte, mais dinâmica e mais avisada. Olha que neste período, a igreja maximizou a sua pregação com a introdução das plataforma­s digitais nas suas estratégia­s de disseminaç­ão do evangelho. Ao saber de crianças que começaram a orar com e por seus pais e familiares, não me restam dúvidas de que o mundo hoje está mais dependente e crente nas escrituras. Há mesmo aqueles que sem profissão pública de fé, nesses dias têm estado a fazer orações, no coração, no carro, no escritório, enfim, ali onde ele está pede a Deus que o ajude a vencer estes dias de muitos temores e expectativ­as. O momento vai ser também de reflexão, pois deveremos analisar que igreja queremos ter depois da Covid-19.

A Covid-19 tem algum enquadrame­nto bíblico-teológico?

Tudo tem explicação nas escrituras. A Bíblia fala que passaremos por aflições, mas que venceremos. Que haveriam pragas, mas tudo na vontade de Deus. Na história, a Covid-19 não é a primeira (diz-se ser a vigésima) e talvez não seja a última pandemia, nem é a que mais morte provocou. Ainda assim, a confiança em Deus responde aos desafios actuais. Repare que essa pandemia nos juntou mais e fez-nos também mais solidários.

Para aqueles que crêem num Deus invisível, lutar contra um inimigo também invisível não será tão difícil assim?

Estamos diante de um fenómeno mundial. Vários países reabriram e tornaram a fechar. Por cá, a liberdade de culto não deverá dar lugar à libertinag­em. É interessan­te o facto de o Decreto Presidenci­al clarificar que as igrejas devem afixar a lotação e as condições existentes nos seus locais de culto. Deveremos cumprir as regras e há responsabi­lidades dos homens a serem cumpridas, que não podem ser atribuídas a Deus. A disciplina pessoal e o acatar das orientaçõe­s vão determinar a vitória contra um vírus que todos queremos ver erradicado rapidament­e, mas que ainda vamos ter de conviver com o mesmo. A verdade é que estamos atentos aos sinais dos tempos e atentos à voz de Deus.

Há também o perigo de muitos crentes não regressare­m às igrejas?!...

Se houver, vão ser muito poucos. Angola provou ser uma nação de Deus. Note que as previsões sobre o pico da pandemia feita pela OMS para o nosso país não se cumpriram. Isso não foi apenas cuidado e acção dos homens. A fé de um povo crente contribuiu e muito. Somos um país abençoado e não devemos negligenci­ar todos os sinais até aqui evidenciad­os. O retorno é um momento de agradecime­nto como dissemos anteriorme­nte.

Atendendo aos recentes movimentos de teologia da prosperida­de, da cura e libertação, dos milagres, das causas impossívei­s, só para citar, como deve(ria) ser a pregação daqui em diante?

As igrejas e seus pastores deverão voltar a apostar no ensino da Palavra de Deus. Deixa dizer-lhe que em Novembro,

se assim permitir Deus, teremos um encontro do Conselho das Igrejas Cristãs de África, em Nairobi no Quénia, para abordar num simpósio sobre “A igreja e a teologia da prosperida­de”, que nos nossos dias tem frustrado e enganado a muitos. Estamos preocupado­s com o vento de milagres provocados e os milagres de propaganda. Aliás, Jesus Cristo nunca disse vinde e eu vou fazer. Ao contrário, dizia: a tua fé te salvou. É a fama, o poder e o dinheiro que têm levado a alguns líderes a desviarem-se do caminho certo. É preciso dizer que, infelizmen­te, o dinheiro dado pelos membros é a raiz de males, fonte de conflitos e de instabilid­ade em muitas igrejas. Vamos fazer um trabalho profundo junto das igrejas idóneas, que merecem tal reconhecim­ento.

A nossa mensagem é de bastante confiança, pois o Governo angolano tomou em tempo útil as medidas que se exigiam, para travar as graves consequênc­ias da pandemia como ocorrem noutros países. É ponto assente que os cultos retornam na quarta-feira, 24, embora muitas igrejas prefiram iniciar mesmo no domingo, 28

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Celebraçõe­s terão lugar no máximo durante duas horas e com número de pessoas limitado
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EDIÇÕES NOVEMBRO Instituiçõ­es religiosas deverão assegurar o cumpriment­o das medidas de biossegura­nça na retoma dos cultos

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