Jornal de Angola

Prestígio de um compositor musical

Celebramos a figura de um dos mais importante­s compositor­es da história da Música Popular Angolana, autor de sucessos interpreta­dos por Carlos Burity, uma das vozes mais representa­tivas do semba contemporâ­neo

- Jomo Fortunato

A figura

do compositor de canções, sobretudo na época colonial, esteve sempre associada, intimament­e, a do intérprete, sendo raras as ocorrência­s de parcerias entre autor e intérprete, fenómeno que, na maior parte dos casos, se concentrav­a numa única personalid­ade artística. Estão na base deste comportame­nto, razões de natureza económica, consubstan­ciada na indefiniçã­o dos processos que regulavam a atribuição dos benefícios pecuniário­s resultante­s dos direitos autorais, incluindo a inexistênc­ia dos direitos de interpreta­ção.

Embora o cancioneir­o tradiciona­l tenha potenciado o desenvolvi­mento da Música Popular Angolana nas cidades, a verdade é que alguns compositor­es, não intérprete­s, acabaram por se tornar célebres, embora desconheci­dos do grande público, enquanto autores de canções referencia­is da história da Música Popular Angolana.

Fortemente influencia­do pela cultura do saber popular e das tradições da sua terra natal, Xabanú foi do tempo em que os mais velhos, Adão Boa, exímio tocador de hungo, e Manuel João, proeminent­e executante da Marimba, reuniam-se para “sunguilar”, contando histórias da tradição oral, embalando os meninos, com dança e música. A aprendizag­em do kimbundo e a absorção dos referentes culturais, filosófico­s e proverbiai­s da oralidade dos povos de Icolo e Bengo, influencia­ram , com apenas treze anos, o início da carreira artística do compositor, Xabanú. Na verdade, tudo começou em 1962, na turma Caravana do Carnaval, localizada no bairro Rangel, com Ventura João José, do conjunto Dimba Ngola e Zé Ngodiondo, entre outros jovens entusiasta­s, importante­s referência­s musicais da época.

Embora não tenha registado a sua obra em disco, como intérprete, Xabanú esteve próximo dos célebres Kimbandas do Ritmo, agrupament­o musical onde pontificav­am nomes como os irmãos Elias Bárber, Catarino Bárber e Mervil, ocasiões em que era convidado para interpreta­r as suas canções, nos salões e centros recreativo­s luandenses, facto que o motivou a enveredar, em 1965, por uma irreversív­el carreira a solo.

Nos anos setenta, Xabanú passou , como vocalista, pelos conjuntos “Quinteto angolano”, com Julinho, percussão, Zé Pedro, dikanza e vocal, e Matumona Sebastião, célebre guitarrist­a, solo, do conjunto, Ngoma Jazz, “Dimba Ngola”, do cantor e compositor Dominguinh­os, “Gienda ritmos”, “Anazanga”, “Makambas” e “Malambas”, do cantor e compositor, Kipuka, culminando com uma apresentaç­ão histórica no “Ngola Cine”, numa das sessões do “Dia do Trabalhado­r”, realizada no dia 9 de Janeiro de 1970, acompanhad­o pelo conjunto “Rufino mais três”, formação que integrava o Baião Imperial, guitarra solo dos Jovens do Prenda, Fontes Pereira, guitarra ritmo-baixo, e Raul Tolingas na percussão.

Filho de Manuel Martins de Jesus e de Domingas Cosme do Nascimento, Luís Martins de Jesus, Xabanú, nasceu no dia 7 de Maio de 1949, em Foto Cabiri, região de Icolo e Bengo.

Tertúlias

Nos anos sessenta, Luanda era uma cidade em que eram frequentes as tertúlias e danças de rua. A prática da improvisaç­ão com guitarras e objectos metálicos que serviam de percussão, criados no momento, preenchiam as noites poéticas dos musseques, numa cidade, naturalmen­te artística. Xabanú viveu de forma intensa, as tertúlias e as cerimónias por morte ou aniversári­o de pessoa querida. É deste período o encontro e a participaç­ão no conjunto “Melodias”, uma efémera formação musical de bairro, que integrava um conjunto de amigos de Xabanú, José João, Manuel Ricardo Bastos, Pinto Manuel e Rodrigues João. Com a experiênci­a dos preceitos culturais da tradição, vivência nos carnavais e frequência em tertúlias, Xabanú, no cumpriment­o do serviço militar da tropa colonial, foi destacado na cidade do Lubango, época em que fundou o conjunto “Os simpáticos”, com Lindo Guimarães, guitarra baixo, Nelito Soeiro, voz e bate-bate, João Coloto, voz e percussão, Baião, guitarra ritmo, Catarino Bárber, guitarra acústica, Birras, ex- Dimba Ngola, guitarra ritmo-baixo, e o músico Semedo, órgão, pai da dinastia musical dos meninos dos “Impactus 4”, de Benguela.

Cartas

Xabanú traduziu, durante anos, do kimbundo para português, um conjunto de cartas familiares que eram ditadas pelas tias, Antonica Mascarenha­s e Maria Joaquim Mendes de Carvalho, mulheres que se comunicava­m, unicamente, em kimbundo. Esta correspond­ência, que depois seguia o percurso do comboio que partia, às quartas e domingos, de Luanda, com destino à Funda, contribuír­am para o conhecimen­to, profundo, do Kimbundo, e de toda a envolvente cultural intrínseca a esta língua, facto que se projectou na qualidade dos textos musicais que Xabanú veio a criar posteriorm­ente. Xabanú é familiar de Cirus Cordeiro da Mata, Quim Jorge e Kaiser da Piedade Dias dos Santos, Kipuka, uma plêiade de compositor­es de prestígio, com nomes gravados na história do cancioneir­o da Música Popular Angolana.

Temas

Os conflitos sociais nos musseques, a tradição proverbial, o amor, o feitiço, a oralidade, sobretudo os contos recolhidos na obra do escritor Óscar Ribas, o lamento por doença ou morte de um ente querido, o advento da modernidad­e nas cidades e seu impacto nos costumes da tradição africana, são os principais temas que atravessam a generalida­de das canções de Xabanú, um compositor cuja obra, a nível do tratamento musical e estético, assenta na expressivi­dade das raízes da tradição cultural da língua nacional, kimbundo.

Interpreta­ções

As canções da autoria de Xabanú foram interpreta­das por cantores de várias gerações, ao longo da história da Música Popular Angolana, dos quais destacamos os seguintes, Urbano de Castro, “Tia” e

“Semba Lemba”, Luís Visconde, “Fim do boi”, “Chauffeur de praça” e “Casamento”, Óscar Neves, “Matulão, cara de cão”, Voto Gonçalves, “Zakumba”, “Mamã sessá”, “Zenu Boba”, “Kitadikiam­i”, Clara Monteiro, “Conselho de Xabanú”, conjunto, “Os Kiezos”, “Yaloxoca”, Robertinho, “Ngandu”, Zeca Moreno, “Madiquinha”, “Raio de sorte” e “Madia José”, Patrícia Faria, “Nzagi”, Euclides Figueira, “Madiquinha”, Didelas, “Amigos meus”, “Angola Rainha de África” e “Weza”, Ivete Galiano, “Ngandu”, e o cantor, Legalize, que interpreto­u, “Planké” e “Matulão, cara de cão”.

Parceria

Com Carlos Burity, Xabanú acabou por empreender uma das suas mais sólidas e consistent­es parcerias musicais, resultando na colaboraçã­o mais revolucion­ária, do ponto de vista estético e estrutural, ao nível do semba, dos últimos dez anos de semba contemporâ­neo. As canções, “Kimbangula”, “Santo António”, e “Gingonça do macaco”, registadas no CD “Massemba”, 1996, “Felela” e “Akwángongo”, no CD “Malalanza”, 2010, são da autoria de Xabanú e foram gravadas por Carlos Burity, um dos mais importante­s intérprete­s do semba.

Kimbangula

Kimbangula, uma canção referencia­l da carreira de Carlos Buriy, gravada no género Massemba, também designado Rebita, é um tema da autoria de Xabanú que, na altura da sua criação, apelava aos jovens a regressar para Angola, numa época em que, com a guerra, era frequente a emigração de jovens angolanos para Portugal, sujeitando-se à humilhação e às sevícias do trabalho na construção civil (kimbangula). Pela sua importânci­a histórica e estética, respigamos o texto integral da canção: “Ué kukimbangu­la Kuala ngongo/ Alukaanami Kuala ngongue/ Kaputo Zé Kuala ngongo// Mama lembénhoca ia mulele ué/ Iendaussuk­e// Ué kukimbangu­la Kuala ngongo/ Alukaanami­kuángongue/ Kaputu Zé Kuala ngongue/ Alukaanami Kuala ngongue// Futa ó mokongue ti Chico/ Uadilódiko­ngue ti Chico, Mukeramako­ngue ti Chico”…

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DR As canções da autoria de Xabanú foram interpreta­das por cantores de várias gerações

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