Mário de Andrade sob o olhar de Edmundo Rocha (II)
(de Paris a Conacri e Leopoldville)
Nesta segunda parte da palestra proferida por Edmundo Rocha, em Lisboa, na Fundação Mário Soares, no dia 11 de Maio de 2010, antes da chegada de Mário de Andrade a Leopoldville, com uma primeira passagem por Conacri, é caraterizada a estatura intelectual e o pensamento político de Mário de Andrade. Também Edmundo Rocha se refere à constituição do “Grupo de Paris”, à criação do Movimento Anti-Colonial, à sua transformação em Frente Revolucionária Africana para a Independência Nacional (FRAIN) e à divisão desta em Partido Africano da Independência (PAI) e Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA):
“Foi certamente um dos maiores humanistas angolanos do seu tempo que soube promover, como ninguém, o Homem Africano em todas as suas dimensões, os seus sonhos e esperanças. Mário tinha uma estatura intelectual e política que ultrapassava o seu país de origem e abraçava a problemática complexa dos povos sob domínio colonial português. Graças ao seu espírito brilhante, verve fácil, elegante, “raffiné”, transbordante de humor e de simpatia, foi o perfeito nacionalista africano, da “rive gauche”, ligeiramente marxista. O seu dinamismo e espírito visionário motivaram a criação do grupo de Paris – com Marcelino dos Santos, Aquino de Bragança, Guilherme do Espírito Santo e eu próprio. Este grupo manteve contactos estreitos com elementos mais conscientes na diáspora em Lisboa, com Angola (através de seu irmão Joaquim), com a Bélgica (através de José Carlos Horta) e com a Alemanha (através de Luís de Almeida).
A chegada de Viriato da Cruz a Paris, em Outubro de 1957, munido dos Estatutos do Partido Comunista Angolano, que ele criara em Luanda em 1955, e do Manifesto escrito com o seu punho a tinta verde, acelerou o movimento de emancipação dos povos africanos de expressão portuguesa. O grupo de Paris, com a presença de Viriato e de Amílcar Cabral, promove, então, uma reunião histórica, fundamental, a “Reunião de Consulta e de Estudo para o Desenvolvimento da Luta contra o Colonialismo Português”, em casa de Marcelino dos Santos, Rue Cujas, no Quartier Latin.
A tese de Viriato de condução da luta nacionalista por Partidos Comunistas foi combatida e afastada por Mário, para dar lugar ao conceito ideológico mais amplo de “Rassemblement”, de reunir, movimento agregador de várias classes sociais e etnias dos países africanos. No entanto, essa opção pelo conceito de Rassemblement ficou impregnada de ideias marxistas, apócrifas, as quais viriam a marcar, de maneira indelével, a ideologia e a praxis de todos os movimentos nacionalistas, que, mais tarde, condicionariam as orientações políticas e ideológicas dos jovens Estados africanos.
Foi, então, nessa reunião, decidida a criação do MAC., Movimento Anti-Colonialista, agrupando os elementos mais conscientes na diáspora. O MAC permitiu a mobilização dos estudantes e marítimos mais conscientes. Embora a sede do MAC fosse em Lisboa, teve um papel muito importante.
De Novembro de 1957 a Janeiro de 1960, em Tunes, data em que foi transformado no FRAIN, o MAC foi o único movimento clandestino na Europa e esteve presente em vários eventos marcantes: em 1958, Mário e Viriato participaram na Conferência dos Escritores Afro-Asiáticos, em Tashkent, sendo aí convidados para uma viagem memorável à China Popular, no Congresso de Escritores do Terceiro Mundo.
No ano seguinte, Mário de Andrade, Viriato da Cruz e Lúcio Lara participaram no IIº Congresso de Escritores e Artistas Africanos, em Roma, onde tiveram o primeiro encontro político relevante com o dirigente do FLN, o médico e escritor Franz Fanon. Começavam, assim, a ser reconhecidos como força política.
O passo político mais importante para o MAC decorreu em Tunis, em fins de Janeiro de 1960. Mário doente, não pôde participar à IIª Conferência dos Chefes de Estado Africanos, que projectou os jovens nacionalistas para a cena política. Foi então decidido substituir o MAC por duas organizações nacionalistas: o PAI e o MPLA. Foi a primeira vez que o MPLA aparece na cena africana. Nessa altura, Agostinho Neto chega a Luanda e instala-se como médico, nos muceques, onde foi contactado por Pedro Pacavira, dirigente do MINA, um dos raros militantes que tinha escapado à “fúria pidesca”. Neto inicia então a fase decisiva da luta nacionalista no interior, distante dos seus correligionários. Entretanto, Mário e seus amigos, Viriato e Lara, instalam-se na Guiné Conackry e iniciam a luta nacionalista no exterior.
No entanto, para Mário o seu período africano não foi fácil. Habituado aos hábitos parisienses – às longas e acesas conversas nocturnas que ele tanto apreciava, os cigarros franceses Gauloises, leitura quotidiana do Le Monde, o levantar a desoras, iam contra a disciplina imposta por Viriato aos seus camaradas. De constituição frágil devido a uma anemia persistente, Mário suportava mal as difíceis condições de vida dos nacionalistas em África. Ele tinha horror aos mosquitos, à humidade, à falta de higiene e ao calor. Era um intelectual emprestado à política, como ele próprio confessava. Mário assume o ataque às prisões no 4 de Fevereiro e reivindica a direcção da luta armada em Angola. É então que reaparece o MANIFESTO, corrigido pelo Mário e com (uma assinatura apócrifa, aposta então): Movimento Popular de Libertação de Angola.
Quando, em Setembro de 1961, os primeiros 14 militantes do MPLA se instalam em Leopoldville (Zaire), entre os quais Mário e eu próprio, a guerra colonial tinha estalado, no Norte de Angola, seis meses antes. Isso não impede aos dirigentes do MPLA de instalar as estruturas políticas e sociais, graças aos preciosos dólares dados pelos camaradas chineses, aquando da 2ª viagem de Mário à China Popular. Houve outros contribuintes. Mário presidia à Direcção Provisória, sendo Viriato o Secretário-geral. As coisas corriam muito bem no seio da Direcção. Eu fazia parte da ONG angolana CVAAR, juntamente com outros nove médicos angolanos. Dezenas de jovens angolanos foram então enviados para treino militar nos campos militares argelinos, em Marrocos, dirigidos por Iko Carreira e Africano Neto."
Era um intelectual emprestado à política, como ele próprio confessava. Mário assume o ataque às prisões no 4 de Fevereiro e reivindica a direcção da luta armada em Angola. É então que reaparece o MANIFESTO, corrigido pelo Mário e com (uma assinatura apócrifa, aposta então): Movimento Popular de Libertação de Angola