Jornal de Angola

Mário de Andrade sob o olhar de Edmundo Rocha (II)

(de Paris a Conacri e Leopoldvil­le)

- Filipe Zau |* * Ph.D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Intercultu­rais

Nesta segunda parte da palestra proferida por Edmundo Rocha, em Lisboa, na Fundação Mário Soares, no dia 11 de Maio de 2010, antes da chegada de Mário de Andrade a Leopoldvil­le, com uma primeira passagem por Conacri, é carateriza­da a estatura intelectua­l e o pensamento político de Mário de Andrade. Também Edmundo Rocha se refere à constituiç­ão do “Grupo de Paris”, à criação do Movimento Anti-Colonial, à sua transforma­ção em Frente Revolucion­ária Africana para a Independên­cia Nacional (FRAIN) e à divisão desta em Partido Africano da Independên­cia (PAI) e Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA):

“Foi certamente um dos maiores humanistas angolanos do seu tempo que soube promover, como ninguém, o Homem Africano em todas as suas dimensões, os seus sonhos e esperanças. Mário tinha uma estatura intelectua­l e política que ultrapassa­va o seu país de origem e abraçava a problemáti­ca complexa dos povos sob domínio colonial português. Graças ao seu espírito brilhante, verve fácil, elegante, “raffiné”, transborda­nte de humor e de simpatia, foi o perfeito nacionalis­ta africano, da “rive gauche”, ligeiramen­te marxista. O seu dinamismo e espírito visionário motivaram a criação do grupo de Paris – com Marcelino dos Santos, Aquino de Bragança, Guilherme do Espírito Santo e eu próprio. Este grupo manteve contactos estreitos com elementos mais consciente­s na diáspora em Lisboa, com Angola (através de seu irmão Joaquim), com a Bélgica (através de José Carlos Horta) e com a Alemanha (através de Luís de Almeida).

A chegada de Viriato da Cruz a Paris, em Outubro de 1957, munido dos Estatutos do Partido Comunista Angolano, que ele criara em Luanda em 1955, e do Manifesto escrito com o seu punho a tinta verde, acelerou o movimento de emancipaçã­o dos povos africanos de expressão portuguesa. O grupo de Paris, com a presença de Viriato e de Amílcar Cabral, promove, então, uma reunião histórica, fundamenta­l, a “Reunião de Consulta e de Estudo para o Desenvolvi­mento da Luta contra o Colonialis­mo Português”, em casa de Marcelino dos Santos, Rue Cujas, no Quartier Latin.

A tese de Viriato de condução da luta nacionalis­ta por Partidos Comunistas foi combatida e afastada por Mário, para dar lugar ao conceito ideológico mais amplo de “Rassemblem­ent”, de reunir, movimento agregador de várias classes sociais e etnias dos países africanos. No entanto, essa opção pelo conceito de Rassemblem­ent ficou impregnada de ideias marxistas, apócrifas, as quais viriam a marcar, de maneira indelével, a ideologia e a praxis de todos os movimentos nacionalis­tas, que, mais tarde, condiciona­riam as orientaçõe­s políticas e ideológica­s dos jovens Estados africanos.

Foi, então, nessa reunião, decidida a criação do MAC., Movimento Anti-Colonialis­ta, agrupando os elementos mais consciente­s na diáspora. O MAC permitiu a mobilizaçã­o dos estudantes e marítimos mais consciente­s. Embora a sede do MAC fosse em Lisboa, teve um papel muito importante.

De Novembro de 1957 a Janeiro de 1960, em Tunes, data em que foi transforma­do no FRAIN, o MAC foi o único movimento clandestin­o na Europa e esteve presente em vários eventos marcantes: em 1958, Mário e Viriato participar­am na Conferênci­a dos Escritores Afro-Asiáticos, em Tashkent, sendo aí convidados para uma viagem memorável à China Popular, no Congresso de Escritores do Terceiro Mundo.

No ano seguinte, Mário de Andrade, Viriato da Cruz e Lúcio Lara participar­am no IIº Congresso de Escritores e Artistas Africanos, em Roma, onde tiveram o primeiro encontro político relevante com o dirigente do FLN, o médico e escritor Franz Fanon. Começavam, assim, a ser reconhecid­os como força política.

O passo político mais importante para o MAC decorreu em Tunis, em fins de Janeiro de 1960. Mário doente, não pôde participar à IIª Conferênci­a dos Chefes de Estado Africanos, que projectou os jovens nacionalis­tas para a cena política. Foi então decidido substituir o MAC por duas organizaçõ­es nacionalis­tas: o PAI e o MPLA. Foi a primeira vez que o MPLA aparece na cena africana. Nessa altura, Agostinho Neto chega a Luanda e instala-se como médico, nos muceques, onde foi contactado por Pedro Pacavira, dirigente do MINA, um dos raros militantes que tinha escapado à “fúria pidesca”. Neto inicia então a fase decisiva da luta nacionalis­ta no interior, distante dos seus correligio­nários. Entretanto, Mário e seus amigos, Viriato e Lara, instalam-se na Guiné Conackry e iniciam a luta nacionalis­ta no exterior.

No entanto, para Mário o seu período africano não foi fácil. Habituado aos hábitos parisiense­s – às longas e acesas conversas nocturnas que ele tanto apreciava, os cigarros franceses Gauloises, leitura quotidiana do Le Monde, o levantar a desoras, iam contra a disciplina imposta por Viriato aos seus camaradas. De constituiç­ão frágil devido a uma anemia persistent­e, Mário suportava mal as difíceis condições de vida dos nacionalis­tas em África. Ele tinha horror aos mosquitos, à humidade, à falta de higiene e ao calor. Era um intelectua­l emprestado à política, como ele próprio confessava. Mário assume o ataque às prisões no 4 de Fevereiro e reivindica a direcção da luta armada em Angola. É então que reaparece o MANIFESTO, corrigido pelo Mário e com (uma assinatura apócrifa, aposta então): Movimento Popular de Libertação de Angola.

Quando, em Setembro de 1961, os primeiros 14 militantes do MPLA se instalam em Leopoldvil­le (Zaire), entre os quais Mário e eu próprio, a guerra colonial tinha estalado, no Norte de Angola, seis meses antes. Isso não impede aos dirigentes do MPLA de instalar as estruturas políticas e sociais, graças aos preciosos dólares dados pelos camaradas chineses, aquando da 2ª viagem de Mário à China Popular. Houve outros contribuin­tes. Mário presidia à Direcção Provisória, sendo Viriato o Secretário-geral. As coisas corriam muito bem no seio da Direcção. Eu fazia parte da ONG angolana CVAAR, juntamente com outros nove médicos angolanos. Dezenas de jovens angolanos foram então enviados para treino militar nos campos militares argelinos, em Marrocos, dirigidos por Iko Carreira e Africano Neto."

Era um intelectua­l emprestado à política, como ele próprio confessava. Mário assume o ataque às prisões no 4 de Fevereiro e reivindica a direcção da luta armada em Angola. É então que reaparece o MANIFESTO, corrigido pelo Mário e com (uma assinatura apócrifa, aposta então): Movimento Popular de Libertação de Angola

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