“Vejo com apreensão o possível regresso das eleições nas universidades públicas”
Como vê o possível regresso das eleições nas universidades públicas?
Vejo isso com muita apreensão… Para precisar o meu raciocínio talvez seja melhor historiar. Como sabe, no passado, durante a nossa primeira fase pós-independente, a fase de Democracia Popular com Agostinho Neto, a forma de encontrar os dirigentes para gerir a única instituição de ensino superior no país foi efectuada através de indicação e nomeação. Depois, numa segunda fase, passou-se para o exercício de “eleições livres”. Não possuo informação, nem há qualquer documento que me assegure que esta fase tenha sido melhor que a anterior; antes pelo contrário, observador que fui das eleições na Universidade Agostinho Neto (UAN), tenho para mim que a gestão dessa fase não correspondeu ao que se esperava dela. Entretanto, em determinado momento, por qualquer razão que por ora me escapa, essa forma de agir foi suprimida e voltou-se à primeira fase: prover os quadros a partir da nomeação directa. Finalmente, hoje falase novamente em eleições…
E como vê isso?
Dir-se-ia que andamos constantemente a tactear na busca de um ordenamento correcto para as nossas acções… mas sem se perceber qual é o fio condutor dos seus promotores. Vejamos dois exemplos: em instituições de ensino superior e de investigação científica em países como os Estados Unidos da América ou a França, a direcção dessas instituições é feita geralmente por indicação, seguido de nomeação; em instituições privadas, mesmo aqui em Angola, os seus proprietários não correm jamais o risco de submetê-las a quem quer que seja; são eles próprios que escolhem e nomeiam os quadros de direcção. E isso nos parece muito simples de perceber, pois, naquelas como nestas, não se corre o risco de submeter as suas instituições ao sabor de intrigas domésticas, de incremento do populismo, de divisão ou segmentação política, ou até mesmo, muitas vezes, o risco de submetê-las ao espírito do “deixa andar” e da incompetência. Pois, afinal, em instituições como estas o que conta sobretudo não é necessariamente a organização de eleições, mas sim a forma como essas instituições podem, ou tendem a evoluir, através da criatividade e da produtividade dos seus membros, do estabelecimento da democracia interna, criativa e obviamente crítica.
E como avalia o financiamento à investigação científica nas universidades angolanas, tanto públicas quanto privadas?
Não estou muito certo se já temos aprovada uma Lei de Financiamento à Investigação Científica para as universidades e instituições públicas de investigação científica em Angola. Como sabe, existe uma instituição pública conhecida como Centro Nacional de Investigação Científica (CNIC), que é uma herança da estrutura colonial: o então Instituto de Investigação Científica de Angola (IICA), em cuja estrutura, aliás, está hoje instalado. Trata-se hoje de um organismo abrangente, que engloba as principais áreas do conhecimento e que foi remodelado e pensado para agir em conformidade com a nossa política de investigação, dependendo por isso do Ministério do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação (MESCTI). Ademais, que eu saiba, as instituições públicas em Angola para funcionarem minimamente, dependem dos seus orçamentos, pelo que, o desempenho dos investigadores e respectivas equipas têm dependido geralmente disso. Como sabe também, nas universidades públicas os professores e investigadores, estando reunidos à volta de um Conselho Científico-Pedagógico, vêm-se na obrigação de desenvolver estudos e pesquisas sobre as suas disciplinas de ensino, de modo a melhorar os seus desempenhos. Nestas instituições, foram criados, entretanto, alguns centros de investigação específicos. Tanto num quadro como noutro está-se dependente do orçamento de cada instituição principal. O que julgo saber também é que os orçamentos que têm sido disponibilizados para estas só cobrem um pouco mais do que verbas para o custeamento dos salários dos seus quadros e funcionários. Assim, ainda que precários, estudos e publicações colocados nos mercados para os múltiplos usuários, poderiam ajudar a perceber sobre o aproveitamento desses orçamentos.
Falta legislação?
Se nós temos hoje legislação que define o enquadramento e a trajectória do pessoal Investigador Científico, de um Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, instituições como o já citado CNIC, e a de um Fundo Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico, contudo, ao que julgo saber, não temos ainda legislação apropriada acerca do modo de financiamento à investigação. Países de língua portuguesa como Portugal ou o Brasil estão já dotados desse importante instrumento e nós temos observado que não só são estruturas que funcionam admiravelmente, mas também constituem importantes instrumentos de política, uma vez que contribuem para o desenvolvimento desses países em todas as áreas fundamentais. Quanto ao financiamento da investigação científica no seio das instituições de ensino privadas não tenho muita informação, mas o meu entendimento sobre o assunto vai direccionado para o que, em termos de produção escrita, estas oferecem ou disponibilizam à sociedade. Neste sentido, não obstante os problemas que têm sido encontrados nos últimos tempos em relação aos financiamentos, vejo, por exemplo, com muito bons olhos, as publicações que o Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola (UCAN), tem pontualmente posto à disposição dos seus professores, estudantes e dos leitores em geral, que têm acorrido àquela instituição.
A Editorial Kilombelombe é uma editora privada que editou obras importantes sobre vários aspectos da nossa realidade (história, sociologia, antropologia, ciência política, tradição oral, literatura, etc., etc.). Porque sabemos que
dirigiu a área da edição da mesma, gostaríamos de saber se essas obras serviram mesmo para enriquecer as nossas bibliotecas ou foram todas para o estrangeiro?
É sem dúvida uma boa pergunta. Não lhe poderei responder cabalmente acerca da mesma, mas tanto quanto sei, as principais obras que editamos são muito procuradas por pessoas interessadas, além dos leitores angolanos, geralmente professores e pesquisadores estrangeiros, que trabalham em Angola e sobre Angola. Não sei se representam as bibliotecas das instituições onde trabalham, mas em virtude da necessidade intrínseca ao seu trabalho, procuram os nossos livros. Os estudantes do ensino superior e médio têm procurado as nossas obras para se documentarem, já que, geralmente, não encontram nas bibliotecas onde estudam, o que é uma pena. Já relativamente às nossas bibliotecas, eu tenho mais ou menos algum conhecimento sobre o que desde sempre vem ocorrendo no nosso país. As nossas instituições não têm por hábito comprar livros, para o enriquecimento paulatino das suas colecções e o interesse dos seus leitores. Tanto a Biblioteca Nacional quanto a Biblioteca Histórica do Arquivo Nacional de Angola, ou mesmo a Biblioteca do Governo Provincial de Luanda (antiga Biblioteca da Câmara Municipal de Luanda), estas estão incluídas na asserção que fizemos antes. Mas o pior ocorre com a Biblioteca Nacional que deveria ter um orçamento que, em virtude das suas responsabilidades e funções, lhe fosse permitido comprar tudo o que no estrangeiro seja escrito sobre Angola. Amarrada que está ao orçamento do Ministério, infelizmente não lhe sobra verba para tal. Quanto às bibliotecas das instituições universitárias, tanto públicas quanto privadas, aqui as coisas parecem ser um pouquinho melhores, sobretudo nas bibliotecas universitárias privadas, mas, mesmo assim, nem tanto!
As bibliotecas das nossas universidades públicas possuem muito poucas obras recentes publicadas, por exemplo, no Brasil, Estados Unidos da América ou em alguns dos principais países da União Europeia (Grã-Bretanha, França, Espanha ou Portugal), ou mesmo aqui em alguns dos países nossos vizinhos, sobre a nossa realidade. É tão difícil assim perceber que o nosso acervo bibliográfico precisa de ser constantemente actualizado?
Tal como disse anteriormente, a questão se resume à inexistência de orçamento apropriado necessário para dar solução ao assunto. É verdade o que diz, muito dificilmente se encontra em Angola uma biblioteca pública que tenha os seus stocks actualizados. Muitas vezes, os livros mais recentes datam de há meses, senão mesmo anos. Não se trata aqui de saber se há ou não consciência ou percepção sobre a necessidade de actualizar constantemente o acervo das bibliotecas. O país, desde 11 de Novembro de 1975, que não atende a uma tal veleidade, tratandose de algo que não entra no esquema de quem seja responsável pela solução do problema. Não poderei dizer que o passado foi melhor do que é actualmente. Uma das áreas por onde passei quando iniciei funções na área da Cultura foi a Biblioteca Nacional. Desde muito cedo verifiquei que esta vivia ainda de uma velha legislação portuguesa, que a levava a usufruir de tudo quanto era publicado em Portugal. Isso contribuía para aumentar o seu acervo e a mantê-la actualizada. Mas quando terminou essa legislação e paulatinamente deixamos de receber do velho “fundo bibliográfico luso”, não houve maneira de o substituir senão passar a fazê-lo através de aquisição; assim, desde o passado ao presente as nossas principais instituições culturais e de património deixaram de ter verbas necessárias para importar livros ou outros suportes de conhecimento e isso continuou a ser assim até hoje.
Há cada vez menos recursos...
Felizmente, a Biblioteca Nacional tem-se valido do muito pouco que tem sido produzido a nível nacional, graças ao que está estipulado para o Depósito Legal. Finalmente, não posso deixar de chamar a sua atenção para dois factos. Primeiro: todos os países que citou, sem excepção, são grandes centros de investigação e ensino, que incluem Angola. Em todos eles temos registos que nos garantem que cidadãos angolanos aí estudaram e concluíram formação superior. Ainda hoje há cidadãos angolanos matriculados no doutoramento nesses países, mas, geralmente, as nossas instituições de ensino superior não têm acordos nem estabelecem qualquer intercâmbio e cooperação com as instituições de ensino superior desses países.
Em face dessa experiência, ou melhor, dessa prática, nesses países têm sido constantemente publicados trabalhos sobre Angola em múltiplos domínios do conhecimento: será que Angola tem beneficiado desses saberes?...
Segundo: no decorrer do mês passado você publicou a entrevista que lhe foi concedida por Linda Marinda Heywood e John Thornton, dois grandes docentes e pesquisadores norte-americanos, meus amigos, que há mais de quatro décadas trabalham sobre África e especialmente sobre Angola. Durante esse período ambos foram trabalhando e publicando livros que constituem avanços visíveis sobre o conhecimento da nossa história e cultura. Veja na nossa Biblioteca Nacional quantos livros destes dois autores ela alberga no seu espólio…