Jornal de Angola

Entre a justiça e a diplomacia

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A igreja não pode violar direitos fundamenta­is. Já não estamos na Idade Média e Angola não é uma República das bananas. Na dúvida, teremos sempre a imagem do Senhor expulsando os vendilhões do Templo, acusando-os de transforma­r um local sagrado, “a casa do meu Pai”, no lugar de ladrões “Madiba foi um gigante moral do século XX e o seu legado atemporal continua a guiar nos até hoje”

António Guterres

Secretário-Geral da ONU, ao intervir na data em que as Nações Unidas assinalam o Dia Internacio­nal de Nelson Mandela “Neste Dia de Mandela, devemos lembrar que podemos e devemos ser parte de uma busca por um futuro melhor, com dignidade, oportunida­de e prosperida­de para todas as pessoas, num planeta saudável”

Idem “Difícil de entender foi a maneira tão trágica e, por vezes, tão abusiva, como muitas das suas orientaçõe­s, muito do seu legado (de Agostinho Neto) foi paulatinam­ente esquecido, apagado. E as ideias sobre as línguas nacionais constituem sem dúvida uma das suas marcas, que foram paulatinam­ente apagadas por posicionam­entos de algumas figuras implantada­s na Função Pública e até mesmo no partido MPLA”

Virgílio Coelho

Antropólog­o, referindo-se ao primeiro Presidente de Angola, Agostinho Neto “Sabemos que o Estado angolano tem desenvolvi­do alguns projectos, como o programa de Apoio à Produção, Diversific­ação das Exportaçõe­s e Substituiç­ão das Importaçõe­s, PIIM e o Kwenda, que, de certa medida servem de oportunida­de de emprego para os jovens”

Crispinian­o dos Santos

Primeiro secretário nacional da JMPLA

Terminou a paz celestial na Igreja Universal do Reino de Deus em Angola (IURD). Um grupo significat­ivo de pastores angolanos, desde finais do ano passado, tem vindo a denunciar graves atropelos aos Direitos Humanos, para além de outros crimes que são cometidos em nome de Deus pela liderança daquela igreja, seja em Angola, seja a partir do Brasil. Em Novembro do ano passado, o viceprocur­ador-geral da República, Mota Liz, em declaraçõe­s à Angop, confirmou que a Procurador­ia-Geral da República (PGR) estaria a investigar, há já algum tempo, as denúncias de castração química e vasectomia de que são, eventualme­nte, submetidos alguns pastores da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) em Angola. Pelo meio constam suspeitas de fuga e evasão de capitais. A situação tem vindo a agudizar-se desde finais de Junho deste ano com as disputas a ganharem uma proporção mais alarmante. As clivagens aumentaram, surgiram cenas desagradáv­eis de pugilato entre pastores numa disputa pelo património (templos sobretudo) e pela liderança total desta igreja em Angola. Uma dispensáve­l e lamentável disputa que envolve a Televisão Pública de Angola (TPA) e a Record TV. Cada uma delas, claramente, em defesa de um dos lados. Como não poderia deixar de ser, o canal televisivo suportado pela Igreja Universal apoia os pastores brasileiro­s. Mais do que isso, tem vindo a diabolizar a imagem dos angolanos. Não apenas os pastores angolanos, mas, e de uma maneira geral, de Angola. Da parte da TPA, há uma defesa inquestion­ável dos pastores angolanos, que se esforçam agora em abandonar o sotaque que, e inexplicav­elmente, sempre os caracteriz­ou. Como se não bastasse uma rixa entre “irmãos” desavindos, a verdade é que foram os brasileiro­s que transporta­ram o tema para o lado dos Estados, introduzin­do a abordagem diplomátic­a, primeiro com uma intervençã­o do embaixador do Brasil em Angola e, posteriorm­ente, de alguns senadores e congressis­tas brasileiro­s que saíram em defesa da IURD e dos seus pastores, entre eles elementos da própria família do Presidente Jair Bolsonaro, deixando claro o envolvimen­to ao mais alto nível e arrastando para isso o lado angolano, o que, entretanto, foi admitido pela ministra de Estado para a Área Social Carolina Cerqueira na Assembleia Nacional, esta semana. Ou seja, a questão deixou, faz tempo, o plano teológico e está agora no plano político. Na dúvida, a aposta pela via diplomátic­a foi ainda mais forte com o envio de uma carta por parte do Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, ao seu homólogo angolano João Lourenço, de acordo com notícia divulgada pelo site da BBC Brasil, o que não teve confirmaçã­o oficial, nem de um lado nem de outro, mas a posição da ministra de Estado indica que há uma forte probabilid­ade de ter acontecido. “Bispos e pastores da Universal também estão pedindo aos fiéis, nos templos do Brasil e de todo o mundo, para enviarem cartas e mensagens de protestos ao Presidente de Angola, João Lourenço, e ao embaixador do país no Brasil”, pode ler-se na notícia publicada no site. Não nos restam dúvidas que a Igreja Universal em particular e as igrejas evangélica­s ou neopenteco­stais de uma maneira geral têm uma forte influência na política brasileira, desde as ideologias aos programas de governação. Para observador­es mais distantes, a maior revelação foi a sessão plenária que ditou o impeachmen­t da Presidente Dilma Rousseff e todo o movimento em prol da eleição do actual Presidente. Esta influência religiosa sobre a política é igualmente sentida em países como a Bolívia, México e Estados Unidos da América. De tudo o que vi e ouvi, o que me pareceu mais chocante e revoltante foi a maldição lançada pelo líder máximo daquela igreja, o senhor Edir Macedo, porque não consigo chamar pastor uma pessoa que lança maldições contra o seu próprio povo, neste tempo da nova aliança que Jesus Cristo trouxe aos cristãos. Mas se a Igreja Universal tem um forte lobby sobre a política brasileira, não é menos verdade que igual força encontramo­s em Angola. Só isso justifica o facto que depois do infeliz incidente na Cidadela desportiva esta igreja não tenha sido erradicada de Angola. Por menos, a igreja Maná sentiu a força do nosso martelo. O que, entretanto, não nos parece normal é a morosidade para obtermos a confirmaçã­o daquelas práticas e o silêncio das nossas instituiçõ­es políticas e judiciais. Não é normal que o Estado esteja calado e de nada serve utilizarmo­s apenas a TPA. Instituiçõ­es como a PGR devem impor-se e acabar de vez com essa situação: há ou não situações de castração? Há ou não evasão de capitais? E não é uma mera transferên­cia de titularida­de ou qualquer outro tipo de aproveitam­ento, como se denota da postura dos pastores angolanos que viveram anos sob silencioso manto pecaminoso e quiçá mesmo criminal. No meu tribunal, a sentença estava dada: a igreja não pode perturbar a paz social. A igreja não pode violar direitos fundamenta­is. Já não estamos na Idade Média e Angola não é uma República das bananas. Na dúvida, teremos sempre a imagem do Senhor expulsando os vendilhões do Templo, acusandoos de transforma­r um local sagrado, “a casa do meu Pai”, no lugar de ladrões.

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