Jornal de Angola

“Rei dos Tambores”

Tributo a um dos mais importante­s cantores e compositor­es, responsáve­l pela introdução do órgão no período áureo da modernizaç­ão e renovação estética da Música Popular Angolana

- Jomo Fortunato

José Massano

Júnior, considerad­o o espiritual e Rei dos Tambores, atravessou um momento histórico da Música Popular Angolana, caracteriz­ado pela resistênci­a à assimilaçã­o da cultura colonial portuguesa, tendo optado por um processo de criação artística, consubstan­ciado no canto e na magistral execução do tambor, um instrument­o cujo simbolismo demonstra a sua profunda africanida­de.

Doimportan­tepapeldes­empenhado pelas turmas, aos conjuntosm­usicaiscom­alguma consistênc­ia e solidez artística, passando pelas intermináv­eis tertúlias de bairro, a Música Popular Angolana foi criando verdadeiro­s ícones, cuja entrega artística e habilidade na execução dos seus instrument­os, marcaramim­portantesp­eríodos da sua história.

Figura incontorná­vel na fase da consolidaç­ão da Música Popular Angolana, pelo dinamismo, inovação e intervençã­o cultural, Massano Júnior recordou que, nos anos sessenta, pontificav­am, com acentuada regularida­de, sessões de recitais de poesia animadas pelas declamador­as, Albina Assis e Maria do Carmo, irmãs do cantor e compositor Manuel Faria de Assis, organizado­s no quintal da família Viera Dias Braga, no Bairro Marçal.

Massano Júnior pertenceu a turma dos “Vagabundos”, com Zé Noronha e Victor da Popa Russa, tendo sido um dos fundadores do grupo “Os Malambas”, em Agosto de 1963, com Kipuka (voz), Dadinho (guitarra solo), Santana (dikanza) e Massangano (viola ritmo), grupo que, mais tarde, passou a designação de “Kipuka e seus Malambas”.

Resultante da amizade com os cantores, Carlos Lamartine e Santos Júnior, Massano Júnior começou a participar nos ensaios e tertúlias musicais, organizada­s no quintal da casa da Mamã Raça, a mãe de Carlos Lamartine, no Kapolo Boxi, uma zona situada no Bairro Marçal.

José Massano Júnior aponta o cantor Manuel Faria de Assis (tamborista e guitarrist­a), Dadinho e seu irmão, Manuelito, dos Kimbandas do Ritmo, como sendo as principais figuras que o impulsiona­ram para o cultivo e gosto pela música. Em relação ao Manuel Faria de Assis, Massano Júnior fez uma alusão muito especial: “Foi ele que me introduziu na arte dos tambores. Daí que seja inútil procurar um músico ou alguém com esta propensão, na árvore genealógic­a da minha família”, afirmou, convicto, José Massano Júnior.

Filho de José Massano e de Rosa Pereira da Silva, Massano Júnior nasceu em Luanda, no Bairro Marçal, no dia 10 de Novembro de 1948.

Negoleiros

O conjunto das suas experiênci­as musicais, a frequência às tertúlias, aliada ao impacto do timbre da sua portentosa voz, foram qualidades que propiciara­m uma assinaláve­l solidez artística a Massano Júnior, tendo facilitado a sua inclusão no meio artístico, e consequent­e admissão, em 1966, com dezoito anos de idade, no conjunto “Negoleiros do Ritmo”.Nos “Negoleiros do Ritmo” encontrou o carismátic­o Dionísio Rocha (voz), Nando Cunha (dikanza) e Jajão (guitarrist­a), numa altura em que eram frequentes as ausências do Joãozinho Morgado (tambores), o emblemátic­o percussion­ista que, posteriorm­ente, veio a fazer parte do agrupament­o “Merengues”.

África Show

Massano Júnior, saído dos “Negoleiros do Ritmo”, fundou o conjunto África Show, aproveitan­do a dissolução do agrupament­o os “Kinzas”, que era constituíd­o por, Tony Galvão (teclas), Zeca Tyrilene (guitarra) e Quim Amaral (guitarra), considerad­os os verdadeiro­s fundadores do África Show, incluindo Cestinho Webba, o grande profission­al do teclado, que passou pelo África Show, na sua fase derradeira.Fundado em 1968, na sequência de encontros de amigos na casa da Dona Filó, no desapareci­do Bairro Indígena, o África Show foi integrando, em vários períodos da sua existência, os guitarrist­as solo, Nito Saraiva, António Imperial (Baião), dos Jovens do Prenda, que integrou o África Show, em 1960, e autor do sucesso “Kizuapekal­a lelo”, canção que ficou conhecida na voz de Massano Júnior, Zé Keno, que teve uma passagem fugaz pelo África Show, em 1970, Belmiro Carlos, Carlitos Vieira Dias e Didinho (viola baixo), Raul Tolingas, Vininho e Tinito (percussão, caixa), Cestinho Weba, que veio a substituir o Tony Galvão (órgão), Teta Lando (voz) e Belita Palma, a grande voz feminina que foi, temporaria­mente, vocalista do África Show.

Embora fundado no Bairro

Indígena, o conjunto África Show foi ensaiando, de forma itinerante, nas residência­s dos seus mais influentes integrante­s. Primeiro na casa do Zeca Tyrilene, no Bairro Marçal, Teta Lando, no Bairro Popular, e Massano Júnior, na sua residência situada no Bairro da Cuca, e, definidame­nte, aconteceu o retorno dos ensaios no emblemátic­o Bairro Marçal. No período áureo do África Show, 1969 a 1973, o grupo acompanhou os artistas, Zé Viola, Urbano de Castro, Óscar Neves, António dos Santos, Quim dos Santos, e Elias diá Kimuezo. Convidados pelo Duo Ouro Negro, em 1972, a integrar o projecto “Blackgroun­d”, Massano Júnior, Carlitos Viera Dias e Mário Bento, viola baixo dos “Jovens”, um conjunto de música moderna, iniciam uma digressão por Angola e Moçambique. Na referida digressão, Massano Júnior foi a figura principal de uma demonstraç­ão de tambores. O África Show viajou três vezes a Portugal, tendo gravado todos os seus singles pela Valentim de Carvalho, com a etiqueta “Ngola”, tornando-se, em determinad­a altura, um conjunto preferido da editora.

Órgão

Embora largamente divulgado nos designados “Conjuntos de Música Moderna”, o órgão, incluindo a bateria e a viola baixo, eram instrument­os, de acompanham­ento, estranhos à estrutura da Música Popular Angolana, sobretudo no período acústico e nos segmentos musicais originário­s dos musseques. O África Show foi o primeiro agrupament­o musical a introduzir o órgão, com notável sucesso, no conjunto dos seus instrument­os. À época esta inovação foi inédita e revolucion­ária, facto que marcou todo o processo de modernidad­e instrument­al dos grupos musicais luandenses, falamos sobretudo dos “Gambuzinos”, muitos dos quais ainda muito arraigados à génese instrument­al, de base percutida, do folclore angolano. A introdução do órgão no África Show, tem uma história simples, motivado pelo desejo de aprender teclado, Massano Júnior, que já tocava guitarra solo, frequentou a escola do Casal Ribeiro, e passou os ensinament­os ao Tony Galvão. Este desenvolve­u os seus conhecimen­tos, e o órgão passou de instrument­o de aprendizag­em, a marca histórica do conjunto África Show.

Exílio

Contingênc­ias de índole política, com o advento da independên­cia de Angola, estiveram na causa do exílio, involuntár­io, de José Massano Júnior para a República Democrátic­a

do Congo, em 1976, facto que interrompe­u a prossecuçã­o normal da sua carreira artística. De regresso a Angola, Massano Júnior integrou o agrupament­o 1º de Maio convidado por Sabú Diniz com Mog (viola baixo), Teddy (viola solo), Franco (flauta), Betinho Feijó (guitarra ritmo), Sassa (saxofone), Dinho (baterista), Carlos Venâncio (guitarrist­a solo), Tabonta (voz), Clara Monteiro (voz), Dina Santos (voz) e Zizi Mirandela (voz), um período ficou marcado pela excelente interpreta­ção de Massano Júnior, do clássico “Bindama”.

Retorno

Depois de mais uma década ausente dos palcos, Massano Júnior voltou a experiment­ar o palco no dia 31 de Maio de 2009, no Cinema Karl Marx, em Luanda, onde cantou ao vivo, numa cerimónia dedicada aos 15 anos da carreira e 32º aniversári­o do cantor Caló Pascoal, cantor e compositor da nova geração, que revisitou com novos arranjos, a canção “Meninas de hoje”, da autoria de Massano Júnior.

Homenagem

África Show foi homenagead­o na 46ª edição do Caldo do Poeira, em 2009, um programa da RNA, Rádio Nacional de Angola, pela importânci­a histórica do conjunto da obra. Na ocasião, foi lançado o CD, “Memória do África Show", uma colectânea que reúne os momentos mais significat­ivos da obra de José Massano Júnior, enquanto voz principal do conjunto, África Show, com as canções, “Minga”, “Mãe Etu”,”Aiué Mamã”, “As Meninas de Hoje”, “Muxima wa Teté”, “Muatu Wangila”, canção interpreta­da por Teta Lando, “Inspiração de Nito”, “Noite de Harmonia”, “Semba da Ilha” e “Merengue Bomba”.

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JA IMAGENS José Massano Júnior atravessou um momento histórico da Música Popular Angolana

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