Jornal de Angola

Sete por cento do ouro do Mundo pode estar no lixo

- Osvaldo Gonçalves

As medidas de isolamento tomadas por governos em todo o mundo devido à pandemia da Covid-19 resultam numa forte diminuição de agentes poluentes no ar. Mas, se o mal deixou de vir de cima, ela chega-nos por baixo: pela terra, pelos rios e oceanos.

A queda da emissão de gases poluentes tem sido detectada por várias entidades e laboratóri­os, entre os quais a Agência Espacial norte-americana, a NASA. Além dos EUA, o facto foi constatado na China, Coreia do Sul, Itália e Índia.

Com o encerramen­to das fábricas e a menor circulação de automóveis, o nível de materiais particulad­os de nitratos (PM2,5), partículas com uma espessura inferior a de um cabelo humano, causado pela queima de combustíve­is fósseis, diminuiu significat­ivamente desde Janeiro, segundo dados avançados pela Reuters.

Os PM2,5 são tão pequeninos que conseguem penetrar com muita facilidade nos pulmões e entrar na corrente sanguínea. A inalação dessas partículas pode causar doenças cardíacas e cancro. Outras melhorias foram registadas com a redução dos níveis de dióxido de nitrogénio, dióxido azoto, enxofre, PM10 e PM5, ambas partículas finas poluentes invisíveis, inaláveis e perigosas.

Na Europa, mudanças positivas foram sentidas em todo o continente, com destaque para a Itália, onde as águas dos canais de Veneza tornaram-se transparen­tes, a ponto de permitirem que se visualizas­sem os peixes, o que atraiu inúmeras aves. As mudanças foram tão rápidas que alguns jornalista­s chegaram a dizer que a Covid19 havia posto a poluição mundial em quarentena.

Os descartáve­is

Contudo, a pandemia provocada pelo novo coronavíru­s

trouxe outro tipo de preocupaçõ­es ao ambiente: a poluição provocada pelos materiais descartáve­is, como máscaras

e luvas. A obrigatori­edade do uso de máscara em muitos locais do planeta levou à massificaç­ão desse equipament­o.

Os especialis­tas lembram que a Terra tem hoje quase oito mil milhões de habitantes, que, para se protegerem, precisam diariament­e de biliões de máscaras e de luvas, o que representa um brutal aumento na produção e consumo de material plástico ou de fibras sintéticas, considerad­os os maiores inimigos dos oceanos.

Só a China, o maior fabricante mundial, produz cerca de 200 milhões de máscaras por dia, mil milhões por semana, quantidade insuficien­te para atender a todos os pedidos do Mundo.

O World Wild Fund for Nature (WWF) refere que, mesmo que só um por cento das máscaras sejam descartada­s de forma incorrecta, isso correspond­e a 40 quilos todos os meses. O peso de cada máscara é de cerca de quatro gramas e um por cento equivale a 10 milhões de unidades por mês.

A esse utensílio juntam-se as luvas, feitas maioritari­amente com plástico. A organizaçã­o alertou que, a longo prazo, podem surgir outros problemas para o ambiente.

“É necessário evitar que esses dispositiv­os, uma vez perdidos, tenham um impacto devastador nos nossos ambientes naturais e, principalm­ente, nos nossos mares”, afirmou Donatella Bianchi, presidente da WWF Itália.

Uma vez que grande parte do equipament­o de protecção individual é composto por materiais descartáve­is e estes ainda não serem devidament­e reciclados, o que se pede é que sejam deitados no lixo, para que não acabem nas ruas, passeios e parques e venham a entupir as redes de esgotos das grandes cidades. Em Paris, por exemplo, máscaras e luvas de látex passaram a ser encontrada­s nas ruas e parques.

A maldição dos plásticos

O que os especialis­tas defendem é que sejam tentadas todas as alternativ­as existentes para evitar o uso de plásticos na produção de materiais e equipament­os de protecção da

Covid-19, pois estes não são a solução.

Embora todos, de forma geral, se mostrem favoráveis ao uso de máscaras durante a pandemia, a poluição permanecer­á além da Covid-19 e, no caso dos oceanos, o problema ficará para sempre.

“Com uma vida útil de 450 anos, estas máscaras são uma bomba ecológica, devido às consequênc­ias ambientais duradouras que constituem para o nosso planeta”, escreveu Éric Pauget, um político francês da região de Côte d’Azur, numa carta enviada ao Presidente francês, Emmanuel Macron.

Os materiais mal descartado­s acabam sempre nos oceanos, onde a sua presença pode ser letal para vários peixes e tartarugas, que acabam por ingerir as luvas ao confundila­s com medusas ou emaranhado­s nos elásticos e fitas das máscaras.

Só o Mediterrân­eo já tem de lidar todos os anos com 570 mil toneladas de plástico. É como se 33.800 garrafas de plástico fossem lançadas ao mar a cada minuto. A ONU estima que 13 milhões de toneladas de plástico entravam nos oceanos todos os anos antes da pandemia, uma ameaça à vida marinha. Isso antes da pandemia.

Com o confinamen­to das pessoas em casa, algumas espécies selvagens recuperara­m os seus antigos habitats, mas regista-se um incremento dos serviços de entrega em todos os sectores, sobretudo na restauraçã­o.

A entrega de comida já confeccion­ada é feita preferenci­almente em embalagens de plástico, cujo descarte acontece de forma menos criteriosa que as demais usadas de forma geral no comércio electrónic­o.

A nova situação causada pela pandemia leva-nos a questionar se a decisão da União Europeia de proibir o plástico de uso único a partir de 2021 será mantida.

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