E as palavras também...
As imagens chocarem mais do que os números é algo sobre o que já estamos conversados. Mas também é de realçar o poder das palavras - nos editoriais, artigos, crónicas e outros textos, escritos ou lidos - pelo dom que têm de inspirar e mobilizar… podem servir igualmente para enganar, manipular e servir fins escusos. Disso estamos conscientes, mas julgamos existir uma clara evolução positiva da media pública angolana! Se há imensas razões para estarmos tristes, pessimistas e angustiados no contexto difícil que se arrasta no nosso país, a palavra, mesmo se indignada, pode ser por todos usada para encontrar soluções e alterar a realidade!
(Sob a influência do impulso dado por uma onda optimista, resultado de leituras recentes, até nos deixamos levar pela ideia segundo a qual, ao longo da evolução humana, a simpatia e a capacidade de cooperar foram marcantes para o sucesso da nossa espécie. Preocupados com as manifestações de egoísmo - geralmente considerado inato ao ser humano - até achamos revigorante esta nova perspectiva. Especialmente por vir de cientistas, indivíduos que buscam a verdade e testam a validade do que defendem).
Neste olhar positivo sobre a media pública nacional, ainda no (con)domínio das palavras, há quem diga que a abertura é apenas aparente. E muitos têm dúvidas sobre as suas reais motivações. Mas, mesmo não ignorando as possíveis reservas, antevemos nesta mudança um promissor embrião de transformações futuras. As transformações sempre ocorrem. Dar à sociedade ferramentas para as moldar, é a chave-mestra para se participar no jogo da influência e da negociação de interesses. O desafio, para todos nós, é aprendermos a usar esse espaço e assim garantir a transformação que melhorará o nosso futuro.
Estará a ocorrer uma primavera na nossa media pública. Os órgãos de informação antes dedicados ao louvor e à propaganda do governo e do partido no poder, passaram agora a apresentar, mais frequentemente, opiniões alternativas e a dar espaço à crítica. Será que estamos perante uma nova e consistente política para a comunicação social pública, que salvaguarde a diferença entre o espaço público e a acção governativa?
É agora bem mais comum ver (na TPA), ouvir (na RNA) e ler (no Jornal de Angola), opiniões mais livres, contraditórias e independentes do poder, debates em directo com a participação pública, visibilidade e espaço para os diferentes partidos, debates parlamentares, exposição de temas problemáticos, confrontando por vezes as posições oficiais. Ainda que seja muito importante - para consolidar a abertura - que maior atenção seja dada à qualidade e ao formato da prestação dos intervenientes, apresentadores e moderadores.
A confusão entre o “público” (o conjunto de cidadãos, independentemente da sua opinião política) e o “governamental” (os que, por via de eleições, ou outra, exercem o poder e defendem os interesses/visão do seu partido) é algo que tem de continuar a ser corrigido.
Cultivou-se a ideia - errada! - e durante muito tempo, que a media pública era propriedade do governo, em vez de ser vista como espaço a que todos devem ter acesso, e a todos deve tratar por igual.
Esta nova dinâmica na media pública, renova em nós a esperança de uma evolução positiva do processo político, com fortes elementos de dissuasão contra más práticas. Porque um processo democrático, comprometido com o bem público e a justiça social, é incompatível com manter os poderosos num pedestal, para serem adorados e ouvidos, ou por detrás de biombos, para ocultar as suas acções.
Quando as críticas, mesmo as hesitantes, só podem ser expressas em privado, sob risco de prejuízo grave para os críticos, cria-se um ambiente propício ao abuso por parte de quem tem poder. Quando as ideias alternativas são desencorajadas devido à “clarividência” do(s) chefe(s), distorce-se a capacidade de análise de quem manda e facilita-se o erro. Quando os erros e as acções nefastas - propositados ou não -, ou o que corre mal, podem ser ocultados por omissão ou desinformação, limita-se a capacidade de aprendizagem e remove-se o poder dissuasor que a exposição dos erros tem.
Este foco na media pública deve-se a só ela ter cobertura e alcance nacionais (geográfico e entre diferentes grupos sociais) e a ser propriedade de todos nós. A defesa, que ouvimos várias vezes, da necessidade de media privada só para “contrabalançar a propaganda governativa”, sempre nos pareceu errada.
A media privada é incontornável e, nesse sentido, é claramente positiva a remoção das barreiras, como a extensão do sinal de rádios privadas. É indesmentível que a media privada teve - e deverá continuar a ter - um papel importante na democratização do pensar, efoiestimulanteodinamismoqueestatrouxeaodebatedocidadão.
Temos consciência dos riscos da abertura na media pública poder ser intermitente, reversível, e até mero instrumento de uma eventual estratégia de consolidação de poder. Não ignoramos que o nível de carência da nossa população exige medidas urgentes que não podem esperar pelas melhorias de longo prazo do ambiente mediático nacional. Nem nos esquecemos do caminho queháaindaafazerparaumamediapúblicacontrolada socialmente, melhor protegida das pressões do poder, que são inevitáveis.
Mesmo vendo tudo isto, ousamos acreditar, que poderão estar a ocorrer mudanças estruturais que se reflectirão na qualidade da nossa governação, no combate à corrupção e no aumento da consciência pública sobre a complexidade dos dilemas que enfrentamos (e nas dificuldades da governação).
A palavra e a disponibilização dos espaços para as usarmos são como instrumentos musicais e os locais para tocar: sozinhos não fazem música! E o silêncio - no sentido de privação da palavra - é sempre castrador, não vindo dele nada de bom. Aproveitemos pois o espaço que agora temos, para construir, usar a palavra para influenciar positivamente e consolidar a abertura.