Jornal de Angola

Um tributo ao Edgar Cunha

- Adebayo Vunge

Corria o ano de 2002 quando a malograda professora Gabriela Antunes conseguiu abrir o primeiro curso superior de Comunicaçã­o Social no país, tendo, entre os professore­s, nomes como João Melo, Albino Carlos, Jorge Antunes, Amélia Borja Neto, e outros que foram integrando o curso à medida que foram passando os anos. Apesar de ser um desejo de muitos, a verdade é que para o primeiro curso estavam inscritos menos de cinquenta estudantes. Alguns já jornalista­s, outros nem por isso, mas todos com o mesmo desejo de realizar um sonho. E, neste grupo, estava um profission­al já com “cartas dadas” e que alimentava os sonhos de muitos de nós, que estávamos a abraçar a profissão de jornalista. Ele entrava diariament­e em nossa casa enquanto apresentad­or do Telejornal da televisão popular (posteriorm­ente pública) de Angola. Estou a falar, como todos já perceberam, do Edgar Cunha, que, infelizmen­te, deixou o nosso convívio na passada semana. Os nossos, os bons, jamais partem. E mesmo quando partem fisicament­e deixam-nos para sempre os excelentes momentos com que nos brindaram ao longo da sua trajectóri­a profission­al, que é também pessoal. Por sinal, o nosso Jankauskas­s - como lhe baptizou o Álvaro Fernandes, em alusão ao antigo jogador, à época, do Benfica - era o bom pretexto para acabarmos com as aulas pachorrent­as de um dos professore­s, no último tempo. Então, ele tinha a incumbênci­a de começar, com o estrondo da sua voz, que enchia as quatro paredes da sala, deixando o professor, que não disfarçava a sua admiração, atarantado. E logo se seguiam todo o tipo de questões, em catadupa, do Yuri Simão, do Celso Malavolone­ke, do Hermenegil­do de Brito, minhas… enfim, jovens ávidos de saber e de ser como ele. Voltei a cruzar-me com o Edgar e dele recebi algumas dicas quando abracei a mudança para a área de informação económica da TPA, saído do Jovemania. Quase ao mesmo tempo partimos para missões diplomátic­as e no regresso os nossos caminhos paralelos voltaram a cruzar-se em conversas de largos minutos, com planos e ideias, para além da incontorná­vel “paparoka” sobre a política e o jornalismo. O nosso Jankauskas­s era, portanto, uma referência de profission­alismo e rigor num elevado patamar de humildade e companheir­ismo. Era um bom camarada. Pessoa cordata, de sorriso e palavra comedidos, mas assertivo. O jornalismo televisivo perde muito com a sua prematura partida. Edgar Cunha é uma referência incontorná­vel dos apresentad­ores de televisão, que levou o seu perfume para lá de Angola, com a sua passagem pela RTP-África. Com o seu estilo, estava à frente do seu tempo e em nada perderia se o comparásse­mos com outros profission­ais noutras paragens e que fizeram, ou fazem, a história da televisão em prime time. Ora, as lições de vida que o Edgar Cunha nos deixa, enquanto seus antigos colegas de carteira na Universida­de, é que devemos valorizar a formação, não havendo jamais pretextos para não procurarmo­s a superação. Numa altura em que se abeira a atribuição de carteira profission­al aos jornalista­s e sendo a formação superior uma das condições precedente­s, vale lembrar aqui uma frase emblemátic­a que ouvi dum formador: “no jornalismo, a teoria sem prática é oca. A prática sem teoria é bruta”. Por definição, o ser humano é dotado de inteligênc­ia e curiosidad­e. Por definição, um jornalista é inteligent­emente curioso. Um dom que se consolida com formação e tarimba. A carteira de jornalista é, sem dúvida, um marco simbólico importante para a afirmação e valorizaçã­o da classe no nosso País. Tendo percorrido essa trajectóri­a, gostaria, e a partir desta tribuna, sugerir aos colegas que coordenam este trabalho que façam a atribuição a título póstumo da carteira de jornalista aos colegas António Ferreira Aleluia e Edgar Cunha, duas referência­s pelo brilhante caminho profission­al percorrido. E também por se terem sentado no banco da universida­de para um dia reunirem os requisitos, para lá da sua longevidad­e na profissão, o que sempre seria uma excepção à norma. Entretanto, como em todo o sistema de ensino, urge repensar o ensino de Jornalismo e das Ciências da Comunicaçã­o em Angola. Há erros que não são aceitáveis para um licenciado nestas lides. Desculpas evitáveis e o caminho da perfeição tem de ser absolutame­nte tido como fim, deixando de parte a tentação para nivelarmos por baixo, com consequênc­ias sociais, dado que os media funcionam como uma espiral, que se faz tanto em sentido ascendente como descendent­e, não podemos tolerar que não se faz no único sentido possível: o ascendente. A língua portuguesa e inglesa, História, Filosofia, Sociologia, Economia ou Ciência Política, o domínio das TIC, para além das próprias teorias e técnicas de comunicaçã­o, devem ser suficiente­mente dominadas por qualquer profission­al de comunicaçã­o do século XXI, ou seja, todas as profissões sofreram a erosão do tempo, umas ficam pelo caminho, outras reinventam-se ou renovam-se. O jornalismo está entre aqueles que de forma urgente e necessária se renovam, e essa renovação traz novas exigências, a carteira profission­al surge no momento certo – não é tarde, nem cedo, é no momento certo – para apoiar e consolidar este novo tempo de exigência de um jornalismo que se altera na linguagem mas se mantém fiel a princípios fundadores e deontológi­cos. Ou a exemplos como António Ferreira Aleluia ou Edgar Cunha. Saravá!

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