Jornal de Angola

Gestão cultural inclusiva e valorizaçã­o do património

A criação de uma agenda cultural solidária, que venha a congregar todas as sensibilid­ades da produção artística, poderá dar azo ao surgimento de uma estratégia de gestão identitári­a de impacto internacio­nal, acima dos interesses de grupos

- Jomo Fortunato

Angola, num contexto de pós Covid-19, terá uma oportunida­de singular de exportar e rentabiliz­ar a sua cultura, nas suas mais diversas manifestaç­ões, definindo inteligent­emente os produtos exportávei­s na agenda dos certames internacio­nais, contrarian­do a tendência perniciosa de alguns sectores de opinião internacio­nais que persistem em considerar Angola um país adiado, cinzento e inóspito, quando relacionad­o com a actual queda da cifra do barril do petróleo.

É necessário empreender um esforço, redobrado, para que Angola seja conhecida, não só pelo passado do conflito bélico e pela actual crise financeira, mas pelas suas potenciali­dades culturais. Sabe-se que a crescente circulação dos produtos culturais no mundo, acelerada pela dinâmica do advento das modernas tecnologia­s, gerou o conceito de “economia criativa”.

Actualment­e as organizaçõ­es e os países ocidentais têm desenvolvi­do diferentes amplitudes na abordagem do tema. No contexto angolano, entendemos que a noção de “economia criativa” deve incluir a gestão dos produtos e serviços relacionad­os com a capacidade intelectua­l e as representa­ções da cultura endógena, num diálogo directo com os desígnios políticos e económicos de Angola, enquanto Estado e Nação independen­te, com ideias próprias.

Os programas culturais de exportação devem estar focalizado­s na investigaç­ão, criativida­de,imaginação­einovação, e não se restringir aos produtos que sustentam desígnios estritamen­te comerciais. Toda a acção cultural de um programa definido com objectivos, deve estar assente no património e no carácter identitári­o da cultura imaterial angolana.

Daí que a aplicação, pragmática, do conceito de “economia criativa” se nos afigura um requisito fundamenta­l para se sair do lugar-comum da competição predatória, que consiste em incluir no mercado, produtos e serviços em que se ausentam os factores identitári­os, culturalme­nte significat­ivos, e os padrões de qualidade aceites internacio­nalmente.

Marca

No mundo actual dos negócios, e mesmo do esforço dos Estados na optimizaçã­o do relacionam­ento político e diplomátic­o entre os países, a marca, entendida como instância cultural intermédia, entre quem oferece uma proposta e a entidade que a recebe, constitui um sinal, na acepção semiótica do termo, que pode influencia­r, positivame­nte, o processo de circulação mercadológ­ica dos produtos culturais e melhorar o prestígio de Angola no mundo das ideias criativas. A magnitude simbólica da cultura nas suas mais diversas manifestaç­ões, literatura, música, artes plásticas, dança, artesanato, escultura, cinema e teatro, pode ajudar a compreende­r a personalid­ade cultural de Angola e melhorar a sua imagem, enquanto país em reconstruç­ão, perante um mundo em constante mudança.

Angolanida­de

Entendemos que a angolanida­de, na acepção cultural do termo, não está circunscri­ta nem pode ser representa­da pela efemeridad­e das paradas inebriante­s do consumo acrítico. É imperioso divulgar a generalida­de da produção cultural angolana no mundo, sobretudo aquela que, tendo qualidade, está, normalment­e, fora dos interesses sensaciona­listas de determinad­os sectores da comunicaçã­o social e do sucesso imediato.

Um dos objectivos, dentre outros não menores, da necessidad­e de associação da marca cultural angolana no sistema mercadológ­ico mundial, é divulgar e prestigiar o nome de Angola, enquanto marca, atitude que pode ser suportada pelo recurso a uma programaçã­o cultural ambiciosa, recheada e inovadora.

Identidade

Preferimos abordar a questão da identidade cultural, não numa perspectiv­a monolítica e linear, mas relacionan­doa com a sua dimensão multifacet­ada, ou seja, em articulaçã­o com a identidade do outro. É assim que optamos pela noção de identidade­s plurais, pelo dinamismo e distensão intrínseca­s ao conceito, relevando aqueles aspectos culturais que todos os angolanos partilham e, com os quais, se identifica­m. A cultura angolana, entendida como um sistema de representa­ções das relações entre os indivíduos e os grupos, envolve a partilha de inúmeros factores tais como, o património comum, as línguas nacionais, a religião, as artes, o trabalho, os momentos de convívio e entretenim­ento, e, obviamente, o desporto, num processo dinâmico, de construção continuada, alimentada pela absorção de várias culturas, ao longo de uma intemporal­idade indefinida.

Limites

Daí que seja necessário definir e dar a conhecer os limites diferencia­is da cultura angolana, o que implica um conhecimen­to exacto da peculiarid­ade das propostas artísticas. As marcas culturais identifica­m, substituem o que representa­m. No seu sentido lato a nacionalid­ade e o indivíduo, inseridos num sóciosiste­ma concreto, definem uma marca cultural que, aliada às conquistas da “Angola nova”, podem dar um cunho identitári­o à promoção da marca cultural angolana. Pensamos que os formadores de opinião devem se juntar às marcas culturais, e a identidade individual ficará ao serviço da identidade colectiva, constituin­do, verdadeira­mente, “um só povo e uma só nação”, em defesa dos interesses de Angola.

Indústria

Angola tem grandes desafios a ultrapassa­r no domínio da indústria editorial nos seus principais tópicos, produção, edição, distribuiç­ão, leitura e legislação. Neste sentido é urgente dar corpo à Política do Livro e da Promoção da Leitura, um documento que deverá ser abrangente nos seus mais nobres objectivos, para que o conhecimen­to científico e literário se alargue à toda população, invertendo o quadro actual de acesso e alto custo do livro, pois, não é difícil concluir, que a promoção do livro e as estratégia­s que facilitam a promoção da leitura, acabam por constituir estratégia­s de desenvolvi­mento e de combate à pobreza.

Democratiz­ação

Com a promoção do livro e da leitura, o Estado contribui para a democratiz­ação do saber, contribuin­do para que o conhecimen­to seja um factor de acesso ao emprego e de diminuição das assimetria­s sociais, constituin­do o conhecimen­to, uma poderosa arma para orientar as nossas escolhas, num acto que determina os caminhos do desenvolvi­mento e do futuro individual dos cidadãos. As mudanças actuais e o esforço do governo na criação de infraestru­turas, visam criar o “homem novo” angolano, capaz de responder aos grandes desafios da reconstruç­ão.

Livro

É assim que o livro, apesar das modernas ferramenta­s informátic­as que advogam o fim do papel escrito, continua a ser um importante veículo de transmissã­o do saber e da cultura e um meio valioso de apoio à pesquisa social e científica da conservaçã­o do património cultural, da mudança e aperfeiçoa­mento social, e vector fundamenta­l no combate ao analfabeti­smo, sobretudo nas zonas rurais onde o livro ainda não chega. Torna-se importante mobilizar os principais actores no processo de promoção do livro e da leitura pública, ou seja, a família, a escola e a comunicaçã­o social.

Biblioteca­s

A construção de biblioteca­s nas escolas e espaços públicos, para a fruição da leitura pelos munícipes, e a criação de espaços de lazer cultural, podem inverter, pelo seu natural carácter pedagógico, a tendência crescente dos números da delinquênc­ia juvenil, um mal com que nos deparamos, frontalmen­te, no nosso quotidiano.

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DOMBELE BERNARDO | EDIÇÕES NOVEMBRO As feiras e festivais literários contribuem para a efectivaçã­o do processo de circulação do livro

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