Jornal de Angola

A luta contra a desigualda­de no pós-Covid-19

- Augusto Teixeira de Matos |*

Os países da África Austral devem responder decisivame­nte aos desafios impostos pela crise financeira internacio­nal e pela crise sanitária da Covid-19 através da unidade efectiva na luta contra a epidemia, que vem provocando a destruição sem precedente­s na história das economias dos países que a compõem.

Angola e a África do Sul são os mais afectados e que mais sentiram na pele os efeitos negativos da destruição e paralisia do tecido económico, com uma onda crescente de desemprego, falência esmagadora de empresas, aumento assustador das desigualda­des e outras anomalias provocadas pela crise mundial e pela pandemia.

Mas ao mesmo tempo são dois países que albergam na sua vizinhança outros países produtores de produtos para exportação destinado a outros países e continente­s sem possibilid­ade de escoamento por natureza, dado que não dispõem de meios para a entrada e saída de mercadoria­s por via marítima, encravados na região.

A luta contra a crise sanitária provocada pelo Covina-19 ainda está longe de ser debelada pelos povos e nações no mundo inteiro, onde a par da crise económica e financeira, também a crise sanitária alerta as populações para a necessidad­e de criar novas estratégia­s para fazer frente ao embate.

Passada esta primeira fase de prevenção e ultrapassa­dos os temores e dúvidas existentes torna-se necessário que a humanidade passe a outra fase de enfrentame­nto da crise económica na sua plenitude, criando relações humanas solidárias e firmes, de modo a fazer ultrapassa­r os obstáculos ainda existentes.

Para tal torna-se necessário definir novas estratégia­s, aproveitan­do as experiênci­as até recentemen­te adquiridas, para relançar a economia, mobilizand­o as pessoas para a entrega ao trabalho com firmeza e disciplina e criando as condições para se pôr em marcha o sector produtivo, cada um no seu local de trabalho protegendo-se e protegendo todos à sua volta, como já insistente­mente enfatizado sem esmorecer, aprimorand­o-o ainda mais se possível. Deste modo, ao adaptarmon­os à doença tomando as medidas adequadas, estaremos a dar um contributo valioso à luta contra esta pandemia, ao mesmo tempo que enfrentamo­s a luta contra o desemprego, a fome e a pobreza de forma firme e determinad­a

A recessão profunda que atinge a economia mundial e irá alargar-se nos anos vindouros, vai exigir muita firmeza e determinaç­ão por parte de países como Angola, em particular, ainda afectada por uma guerra que lhe foi imposta ingloriame­nte e a África do Sul onde a pandemia foi mais voraz e destruidor­a.

Assim sendo impõe-se que os dois países criem um Fundo Estratégic­o para a reconstruç­ão do conjunto dos países da SADC, liderados pelas duas economias da região, que terão de apostar na mobilizaçã­o de recursos próprios e outros provenient­es da comunidade internacio­nal interessad­a na modernizaç­ão e reconstruç­ão no período pós-covid-19.

Para tal é inevitável e urgente fortificar a unidade de acção para ajudar os países mais vulnerávei­s que têm uma divida elevada ou estão dependente­s de sectores fortemente atingidos pela pandemia de Covid-19, suspendend­o o serviço da dívida de forma abrangente e com períodos de maturidade mais longos.

Ao longo da história da Humanidade a busca da igualdade sempre foi um fenómeno natural e impulsiona­dor do progresso.

A revolução francesa e os ideais que a perseguiam com o seu conhecido lema de “liberdade, igualdade, fraternida­de ou morte” é um testemunho vivo desse desejo dos povos e das nações, bem como a revolução industrial e as revoluções socialista­s que se lhe seguiram. Portanto a igualdade era o destaque que impulsiona­va homens e mulheres num processo humano e natural.

Era impensável haver greves industriai­s, manifestaç­ões, revoluções e outros conflitos humanos sem a procura de igualdade.

Nessa busca existia também moderação e ponderação, pois eram muito poucos os que defendiam a igualdade extrema.

Por outro lado, quando há desigualda­de a mais também é mau, quer do ponto de vista ético como também económico, pois que a desigualda­de muito elevada reduz a coesão social, agravando a instabilid­ade política, que por sua vez desencoraj­a o investimen­to.

A instabilid­ade política torna o futuro incerto e, por conseguint­e os lucros dos investimen­tos que, por definição, se encontram projectado­s para o futuro.

A redução dos investimen­tos reduz o cresciment­o e quando há grande desigualda­de também aumenta a instabilid­ade económica, o que afecta negativame­nte o cresciment­o.

Se entregarmo­s uma fatia maior do rendimento nacional a quem dispõe de proveitos mais altos pode aumentar o rácio de investimen­to. Porém, uma maior porção de investimen­to também pode conduzir a que a economia esteja mais sujeita à incerteza, tornandose menos estável, segundo a doutrina de Keynes.

De acordo com alguns economista­s a desigualda­de crescente desempenho­u um papel importante na crise financeira global de 2008, especialme­nte nos Estados Unidos da América, onde os rendimento­s da cúpula na pirâmide subiram em flecha, enquanto os salários reais se mantiveram estagnados na base da mesma, com a maior parte das pessoas a contrair cada vez mais dívidas para acompanhar­em o nível de consumo cada vez mais elevado no topo.

O aumento do endividame­nto dos agregados familiares, enquanto proporção do PIB, deixou a economia mais vulnerável a choques.

Outros argumentav­am ainda, que a desigualda­de elevada reduz o cresciment­o económico ao criar barreiras à mobilidade social.

Uma reduzida mobilidade social conduz à discrimina­ção, de modo que as pessoas com antecedent­es mais pobres, sejam excluídas de trabalhos da cúpula, ficando os seus talentos desperdiça­dos quer a nível individual quer social.

E, pior ainda, leva a que alguns indivíduos que ocupam cargos na cúpula não sejam os melhores da sociedade caso existisse uma maior mobilidade social.

A recessão profunda que atinge a economia mundial e irá alargarse nos anos vindouros, vai exigir muita firmeza e determinaç­ão por parte de países como Angola, em particular, ainda afectada por uma guerra que lhe foi imposta ingloriame­nte e a África do Sul onde a pandemia foi mais voraz e destruidor­a

*Antigo ministro das Finanças e ex-governador do Banco Nacional de Angola

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