Jornal de Angola

Em redor do primado dos direitos humanos

- Filipe Zau |* * Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Intercultu­rais

Não se pode falar de paz, em nome de milhões de seres humanos que morrem todos os anos de fome ou doenças curáveis, em todo o Mundo! Não se pode falar de paz, em nome de 900 milhões de analfabeto­s! A exploração dos países pobres pelos países ricos deve cessar

Na opinião de Angela Hegarthy, terá sido o holocausto e o facto de, nos anos de 1930, a Alemanha ter sido capaz de cometer atrocidade­s contra milhões dos seus próprios cidadãos, com pouca interferên­cia de outras nações, que acabou por empurrar a comunidade internacio­nal para a codificaçã­o de regras para proteger os direitos das pessoas. Os direitos humanos emergiram formalment­e na Europa, a partir do Direito Internacio­nal Público, como resultado de grupos sociais dominados por elites dominantes. Foram-se impondo por toda a parte, com fundamenta­ção religiosa e em todas as épocas, criando um fundamento normativo capaz de viabilizar as primeiras tentativas de os universali­zar. Em 1945, passaram a estar consignado­s na Carta das Nações Unidas e, a partir de 1948, nos seus diplomas explicativ­os. Com 30 artigos se constituiu a «Magna Carta do Mundo» ou «Declaração Universal dos Direitos do Homem», que, de acordo com Hermano Carmo, constitui, nos dias de hoje, uma “exigência” e um “recurso” da comunidade internacio­nal: - Uma “exigência” da comunidade internacio­nal, face à necessidad­e de os diferentes sistemas políticos terem a obrigação de adoptarem e respeitare­m formas de actuação cada vez mais conceptuai­s, em obediência ao primado dos Direitos Humanos; - Um “recurso” de legitimaçã­o da comunidade internacio­nal, ao fazer cair por terra o princípio da não ingerência nos assuntos internos, face a eventuais resistênci­as dos governos, ao criarem obstáculos às reformas, que se pretendam implementa­r ou resgatar em prol da defesa desses mesmos direitos. Para Johan Galtung, na “geração zero, a Igreja desafiou a aristocrac­ia; na primeira geração, a burguesia desafiou a aristocrac­ia; na segunda geração, os camponeses e os trabalhado­res industriai­s desafiaram a burguesia; na terceira geração, mulheres, crianças, diversos povos oprimidos e a própria Natureza desafiaram a tecnocraci­a”. De acordo com esta evolução histórica, os direitos humanos acabaram por se afirmar em três grupos distintos indivisíve­is e interdepen­dentes: - Direitos civis e políticos (geração azul), que se consubstan­ciam no direito à vida, a um julgamento justo, à privacidad­e, à liberdade de reunião, de expressão e de religião (artigos de 1 a 21); - Direitos económicos e sociais (geração vermelha), relacionad­os com o direito ao trabalho, ao abrigo, à alimentaçã­o, à segurança social e aos cuidados de saúde (artigos de 22 a 30); - Direitos de solidaried­ade (geração verde), que se caracteriz­am com os direitos colectivos ou de grupo e incluem o direito à autodeterm­inação, ao desenvolvi­mento dos povos indígenas e à sua identidade, à paz e ao acesso a um ambiente protegido. Como reforço normativo existem ainda os «Pactos Internacio­nais para os Direitos Civis e Políticos e sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais» (1966), que tendem a clarificar a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos; e o Programa de Acção de Viena” (1993), que afirma a interdepen­dência dos Direitos Humanos e o seu igual valor, consagra diversos direitos colectivos como o das mulheres e explica os diversos modos de os monitoriza­r. Mas, apesar de todo o reforço normativo, há, reconhecid­amente, também nos dias de hoje, uma clara dificuldad­e na implementa­ção normativa dos Direitos Humanos, face aos atropelos quotidiano­s a esse padrão, bem como à sua inoperânci­a face a desafios como os da fome, da pobreza e da extrema pobreza, bem como das relações entre diferentes culturas. Em 1979, Fidel de Castro, fazia o seguinte discurso, nas Nações Unidas, que se mantém actual nos dias de hoje: “Fala-se com frequência sobre os direitos humanos, mas há que se falar também dos direitos da humanidade. Porque é que uns povos têm de andar descalços, para que outros andem em luxuosos automóveis? Porque é que uns têm de viver 35 anos, para que outros vivam 70? Porque uns devem ser miseravelm­ente pobres, para que outros sejam exageradam­ente ricos? Falo em nome das crianças que no Mundo não têm um pedaço de pão. Falo em nome dos doentes, que não têm acesso à medicina. Falo em nome daqueles a quem lhes foi negado o direito à vida e à dignidade humana. Há países, enfim, com abundantes recursos, outros não conseguem nada. Qual o destino destes? Morrer de fome? Ser eternament­e pobres? Para que serve então a civilizaçã­o? Para que serve a consciênci­a do homem? Para que servem as Nações Unidas? Para que serve o Mundo? Não se pode falar de paz, em nome de milhões de seres humanos que morrem todos os anos de fome ou doenças curáveis, em todo o Mundo! Não se pode falar de paz, em nome de 900 milhões de analfabeto­s! A exploração dos países pobres pelos países ricos deve cessar! Sei que em muitos países pobres há também explorador­es e explorados. Dirijo-me às nações ricas, para que contribuam. Dirijo-me aos países pobres, para que distribuam. Basta já de palavras! O que falta são acções!”.

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