As livrarias e os escritores
O calor e as chuvas começaram a empurrar o Cacimbo quando, sábado último, fui fazer uma visita secreta a www.livrariaKiela.com, uma iniciativa privada do escritor Ondjaki, que, no fim de semana, numa espécie de mini-feira ambulante, ele instalou algures na cidade de Luanda.
Não é que não interesse a livraria Kiela ter um endereço fixo, mas, neste momento tê-la online é prático, funcional e faz-lhe contribuir para o desenvolvimento da economia digital, que sempre é, simultaneamente, no nosso país e no mundo: é como se a livraria quisesse sair de lugar em lugar ou de buraco em buraco como as pedrinhas ou as sementes do jogo que lhe dá nome, mantendo a sua matriz no mundo virtual.
Depois de ter postado, no Facebook, imagens do sítio em que ela esteve no fim de semana passado, as pessoas manifestaram interesse em ter um lugar fixo ao que ir e ficar um momento vendo, lendo e comprando livros.
Assim que, esperemos pelo dia em que o escritor nos comunicará a abertura oficial da www.livrariaKiela.com e nos mostre, também, o seu interessante modelo de negócio: o seu bom catálogo de livros, inclui a presença de literatura infanto-juvenil e a venda de jogos didácticos para este segmento do público.
Mas, para já saiba que, de segunda à sexta-feira, pode comprar os livros consultando a página da livraria online e, se vive no centro da cidade de Luanda, solicitar a entrega ao domicílio. É, pois, visitando essa iniciativa do escritor que pus-me a pensar em quais são as livrarias que eu conhecia e que têm uma relação com um escritor, em particular? Ou, vendo a questão de outro modo: é possível fazer um mapa da cidade através das suas livrarias?
Conversando ao telefone com Isaquiel Cori, Luís Kandjimbo e Kandindi e António Fonseca – ele que foi uma figura central em todo este processo - deu para perceber que já estivemos bem melhor. Houve um tempo, nos anos 80 do século passado, em que por via da Empresa Nacional de Distribuição de Publicações (ENDIPU) , - em cuja fábrica houve um quiosque de livros -, ou da Empresa Distribuidora e Livreira (EDIL), pertencente ao partido MPLA, tivemos uma rede de livrarias em Luanda e nas províncias.
No centro desta operação para além do escritor António Fonseca, - que, em 1981, substitui Carlos Pimentel na ENDIPU - e na EDIL, Ernesto Escórcio: um olhar ao percurso deles associado ao livro, a política do livro e da leitura ajudaria a revisitar a história do lugar das livrarias, desde a época de partido único até ao passado recente.
As livrarias “Mensagem”, “Miruim”, “4 de Fevereiro”, a “11 de Novembro”, - no Hotel Globo-, que mais tarde passou a chamar-se “Ler e Escrever”, a “São Luís”, - na Sagrada Família -, a “Kitanda das Letras”, a “Bonzão”,- frente ao Hotel Alameda- a “Som e Letras” e a rede de livrarias da ENDIPU que estava em, pelo menos, sete províncias, nomeadamente, na Huíla, Huambo, Bengo, CuanzaSul, Malanje, Cuando Cubango e Bié faziam parte da rede de livrarias que existiu antes da entrada da economia de mercado e a instauração do multipartidarismo, em Angola, entre finais dos anos 80 e princípios dos anos 90 do século passado.
Entretanto, sem ser rigoroso, - seguramente existiram outros que não citaremos aqui-, vários outros escritores angolanos já estiveram ou estão associados a livrarias: é o caso de Luandino Vieira com a livraria e editora “Ler e Escrever”, que estava situada no Hotel Globo (1989); Luís Kandjimbo e Kandindi esteve associado à livraria da União dos Escritores Angolanos, em Benguela (nos anos 80/90) e Jacques Arlindo dos Santos está associado à livraria e editora Chá de Caxinde (dos anos 90 em diante).
Curioso foi o que me narrou Luís Kandjimbo sobre a existência de livros proibidos, - que basicamente eram os que faziam referência à arte e cultura dos países capitalistas-, no fundo de uma das livrarias que existia em Luanda, no período de partido único. Imagino o sufoco!
Nos próximos dias, o calor e as chuvas empurrarão ainda mais o Cacimbo até fazê-lo desaparecer e eu, sempre que for possível, voltarei a www.livrariaKiela.com, mas também, no Nova Vida, o bairro em que moro a www.komutu.com: já pedi a dona da livraria para instalar um sofá, em que possa sentar-me calmamente e ler sobre a vida e sobre o mundo.
Curioso foi o que me narrou Luís Kandjimbo sobre a existência de livros proibidos, - que basicamente eram os que faziam referência à arte e cultura dos países capitalistas-, no fundo de uma das livrarias que existia em Luanda, no período de partido único. Imagino o sufoco!