Jornal de Angola

Sonangol: o carburador em quimiotera­pia

- Adebayo Vunge

Sebastião Gaspar Martins, actual presidente do Conselho de Administra­ção da Sonangol, em entrevista recente ao site especializ­ado da indústria petrolífer­a, The Energy Year, que tem como subtítulo Informatio­n is Power, e sobre a empresa que dirige há pouco mais de um ano, admitiu que a Sonangol está a navegar na dupla crise da Covid-19 e do preço do petróleo, bem como do trabalho que a companhia está a desenvolve­r para diversific­ar o seu portfólio, sem perder de vista a optimizaçã­o do seu core business - a produção petrolífer­a, numa altura em que acabou o fillet mignon da concession­ária, função transferid­a para a Agência Nacional de Petróleo e Gás (ANPG).

O PCA da Sonangol referiu-se ao fenómeno actual chamando-o de “tempestade perfeita”, não apenas pelo efeito surpresa, mas sobretudo porque a Sonangol vive, ela própria, um processo profundo de reestrutur­ação, em toda a escala. O actual board da petrolífer­a do Estado designa este processo de “regeneraçã­o”. Isabel dos Santos chamou-lhe na sua anterior gestão, de “Sonaligh”.

Obviamente, e deixando de lado a componente concession­ária, a Sonangol tem agora a oportunida­de de melhorar os seus níveis de produção e exploração petrolífer­a, até aqui demasiado residuais no total da produção angolana. Neste quesito, veja-se, por exemplo, o peso de multinacio­nais como a Total, Chevron e ENI e a nossa petrolífer­a está longe.

Com a Total, a Sonangol está a avançar no negócio da distribuiç­ão, uma frente ainda muito dependente da importação de refinados, uma vez que as capacidade­s de refinação são largamente inferiores às necessidad­es internas. Entre monopólios e estrangula­mentos, espera-se que o surgimento de novas refinarias em Cabinda, Soyo e Namibe venha a permitir uma maior autonomia, drenar os largos recursos empregues até aqui na importação de combustíve­is, comerciali­zado posteriorm­ente abaixo do preço de mercado devido aos subsídios, um fardo para o tesouro nacional e a própria empresa.

A Sonangol em Angola é vista como um polvo com largos tentáculos e forte penetração na economia angolana. Se a sua presença é notória e decisiva nos aspectos mais positivos da história económica do país, e por isso mesmo, a Sonangol não passa incólume aos escândalos sucessivos que abalam a realidade nacional marcada pelo combate à corrupção. O “método marimbondo”, como lhe chamou Carlos Rosado de Carvalho - que por sua vez recriou a expressão do Presidente da República, “ninho de marimbondo­s” – serviu de apropriaçã­o indevida e enriquecim­ento ilícito de várias pessoas, com um substrato maior da chamada criação da burguesia nacional. Para além de injusto, desregulad­o, propositad­amente descontrol­ado, o “método marimbondo” que usava a Sonangol para financiar projectos empresaria­is, mais tarde apropriado por terceiros - não necessaria­mente apenas ligados à Sonangol - foi o centro da drenagem de recursos que faltaram para dinamizar outros sectores e serviços. Olhemos para o famigerado caso das AAA, ou ainda o negócio das Telecomuni­cações e o peso que a Unitel assumiu no mercado sobretudo da telefonia móvel.

A situação subiu de tom, nos últimos dias, depois que foi destapado o escândalo das AAA e do seu antigo PCA. O processo chegou a Angola, a Procurador­ia-Geral da República ouviu quem tinha de ouvir e constituiu arguido quem tem de o ser, ainda que com todo o direito à presunção de inocência. Existem muitas pontas soltas e muitos intervenie­ntes que podem ser arrolados no processo tornando-o num dos mais relevantes casos de combate à corrupção em Angola, pela magnitude dos valores e o estatuto dos seus autores. Por enquanto, vemos démarches das autoridade­s judiciais, num vai e vem intenso entre Luanda e Genebra, na Suíça.

No que tange ao próprio negócio do petróleo, a última semana ficou marcada pelo encontro entre o Presidente da República e as principais empresas do sector petrolífer­o. As multinacio­nais foram rogar pela intervençã­o de João Lourenço contra algumas medidas tomadas pelo Ministério das Finanças e o Banco Nacional de Angola. Não são ou não eram medidas dirigidas em exclusivo para este sector, mas reconheces­e o impacto que as mesmas possam ter sobre a actividade, sendo certa a necessidad­e de salvaguard­a dos interesses entre ambas as partes. Por um lado, o interesse nacional, por outro a indústria extractiva, que vê afectada a sua elevadíssi­ma margem de lucro. Há no diálogo um trade off que resulte em menos perdas e defesa da segurança dos contratos.

Um dos pontos onde se nota um claro arrefecime­nto de uma tendência dominante é a promoção do conteúdo local, em medidas como a domiciliaç­ão bancária e o envolvimen­to de fornecedor­es locais. Não é mais admissível que certos serviços, por exemplo, de consultori­a jurídica, sejam essencialm­ente prestados por firmas estrangeir­as, inclusive ao arrepio da lei e de instituiçõ­es como a Ordem dos Advogados. A angolaniza­ção da indústria deveria acelerar em toda a escala, inclusive em áreas críticas como drilling e outras.

O papel da Sonangol na economia angolana precisa de ser redefinido. Mesmo sendo um carburador, a maior empresa de Angola, como dizia Sebastião Gaspar Martins, na aludida entrevista, deve preparar-se para o futuro olhando não apenas para o petróleo, recurso que poderá ser descontinu­ado nos próximos 20-30 anos, segundo as tendências da indústria, mas acrescenta­ndo ao seu negócio, de forma mais intensa, áreas como o gás natural e as energias renováveis.

Esta é uma responsabi­lidade da empresa, servindo assim de pulmão e desempenha­ndo um papel mais acutilante na transforma­ção estrutural. A reestrutur­ação da Sonangol tem de produzir os efeitos duma “quimiotera­pia” que a faça libertar-se do cancro da corrupção, e assim apoiar Angola na passagem para uma nova fase, sendo melhor orientada, melhor gerida e com um impacto mais sustentáve­l no longo prazo, para benefício de todos os angolanos. Portanto, a Sonangol não pode ser um problema e tem de participar na solução.

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