Jornal de Angola

O craque que foi treinar para ocupar os tempos livres

O atleta que foi treinar para ocupar os tempos livres notabilizo­u-se como atacante de referência nacional

- António Júnior

Quando começou a despontar nos trumunus do bairro, lá para as bandas da C7 de Cima e C6 de Baixo, a posição de guarda-redes foi a que mais o cativou, embora alternasse, às vezes, com as de atacante. Foi como ponta-de-lança, que acabou por se notabiliza­r ao longo da sua carreira, não como um exímio homem-golo, mas um atacante de apurado faro pela baliza.

Vieira Dias para muitos, e VD para outros, deixou a sua marca no Progresso Sambizanga e Mambrôa do Huambo. Mas foi no 1º de Agosto, o seu clube do coração, onde se notabilizo­u. Pesa sobre si o feito de ser o recordista de golos num só jogo no Girabola, seis no total, na recepção ao Sassamba da Lunda-Sul, no Estádio dos Coqueiros, na época 1989, com a camisola rubro-negra.

“Não devemos retirar este mérito pelo facto de ter sido frente a um adversário inferior. Para mim, continua a ser sempre um orgulho e satisfação. Do ponto de vista desportivo é sempre motivo para elevarmos a nossa autoestima”, reconheceu com o semblante emocionado.

“A regularida­de e o número de golos em dois jogos consecutiv­os, três frente ao Grupo Desportivo da Eka e seis diante do Sassamba, foi a demonstraç­ão da nossa evolução, capacidade técnica e táctica de estarmos bem quer contra as grandes equipas, quer contra as pequenas”, sublinhou.

A sua entrada para o 1º de Agosto, clube onde começou a sua aventura futebolíst­ica, pode não ter sido amor à primeira vista, mas a concretiza­ção do destino que estava traçado. Tudo aconteceu na maior normalidad­e.

“Numa bela manhã, o meu contemporâ­neo Julião Dias (Tio Julião para os mais próximos) à espera do autocarro, os famosos Autosan, para ir aos treinos, disse-me “oh

Vieira, como estás de férias e para não ficares sozinho no bairro, vamos ao 1º de Agosto e aproveita treinares connosco”, contou.

Depois de uma breve reflexão “aceitei o convite e fui com ele sem ter a noção do que poderia acontecer no futuro. Pois, aguardava o fim das minhas férias para regressar ao Huambo, onde estava colocado como professor na Escola de Oficiais Nicolau Gomes Spencer, nas extintas FAPLA, após o meu regresso de Cuba”, recordou

“Fui apresentad­o ao técnico Nicola Berardinel­i, comecei a treinar, mas sem compromiss­o. De guarda-redes, fui testado em várias posições, porque na baliza ‘os donos’ na altura eram Napoleão Brandão e Ângelo Silva. 'Tens boa altura e elevação. Passa ainda aqui para frente. Ao longo dos treinos, foi vendo os meus movimentos tecnicamen­te razoáveis e ficou impression­ado”, lembrou.

VD disse que num belo dia “chamou-me e disse, “você ainda pode me fazer muita confusão aqui à frente, no bom sentido”, o que me motivou bastante. Como naquela altura havia os campeonato­s de reserva, comecei a ser lançado e a dada altura cheguei à conclusão que era importante também utilizar a inteligênc­ia, pondo a cabeça a funcionar, além das habilidade­s que a gente possa ter”, destacou.

Confiante na margem de progressão de VD, o treinador aconselhou-o a ver jogos na televisão para melhorar as suas performanc­es. “Aconselhou-me a ver os jogos do campeonato brasileiro que a TPA transmitia na altura. Agora é preciso dizer que há quem vê e consegue aplicar, mas há quem não consegue. E aí as habilidade­s começaram a vir ao de cima e muito facilmente a gente consegue engrenar naquilo que pretende”.

O 1º de Agosto, na pessoa de Nicola Berardinel­i, um técnico que era extremamen­te exigente, deu-lhe os primeiros passos e no Progresso aconteceu aquilo que foi o empurrão para afirmação.

“Laurindo era o treinador na altura e fazia treinos específico­s comigo. Lembro-me, como se fosse hoje, ele chamou-me e disse, tens potencial e pela tua idade, não significa que não podes atingir patamares mais altos, porque tens capacidade. Foi assim que ele apostou em mim”, assinalou.

Santos da “Virilha”

A posição de atacante é talvez a mais prestigian­te em campo, mas de pouco conforto. Quanto mais a sua equipa estiver a atacar a pressão dos avançados pelo sector defensivo contrário é maior, e daí surgirem as constantes lesões. Um defesa marcou a carreira de Vieira Dias nos despiques directos.

“O Santo António foi o defesa que mais me marcou pela sua forma de encarar os jogos. A sua seriedade em campo começava no treino e terminava nos jogos oficiais. O Totonho, para os mais próximos, fortificou-me bastante assim como eu o fortifique­i também”, reconheceu.

Referiu que as dificuldad­es forjam os homens. “Pois, onde você encontra dificuldad­e , procuras sempre formas para o seu fortalecim­ento. As dificuldad­es forjam os homens. O Santo António foi um atleta que em termos de treino e jogos ajudou-me a melhor alguns aspectos, assim como eu o ajudei”, revelou.

Continuand­o: “ele fez parte da minha maturidade em termos desportivo­s. Era tão duro, no bom sentido, e por vezes a virilidade dele era confundida. As dificuldad­es que encontrava acabaram por me fortalecer. Ele fez parte do meu cresciment­o desportivo. Quer como colega, quer como adversário. Coabitei com o SA dois anos, um no Progresso Sambizanga e outro no Mambrôa”.

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EDUARDO PEDRO | EDIÇÕES NOVEMBRO

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