O craque que foi treinar para ocupar os tempos livres
O atleta que foi treinar para ocupar os tempos livres notabilizou-se como atacante de referência nacional
Quando começou a despontar nos trumunus do bairro, lá para as bandas da C7 de Cima e C6 de Baixo, a posição de guarda-redes foi a que mais o cativou, embora alternasse, às vezes, com as de atacante. Foi como ponta-de-lança, que acabou por se notabilizar ao longo da sua carreira, não como um exímio homem-golo, mas um atacante de apurado faro pela baliza.
Vieira Dias para muitos, e VD para outros, deixou a sua marca no Progresso Sambizanga e Mambrôa do Huambo. Mas foi no 1º de Agosto, o seu clube do coração, onde se notabilizou. Pesa sobre si o feito de ser o recordista de golos num só jogo no Girabola, seis no total, na recepção ao Sassamba da Lunda-Sul, no Estádio dos Coqueiros, na época 1989, com a camisola rubro-negra.
“Não devemos retirar este mérito pelo facto de ter sido frente a um adversário inferior. Para mim, continua a ser sempre um orgulho e satisfação. Do ponto de vista desportivo é sempre motivo para elevarmos a nossa autoestima”, reconheceu com o semblante emocionado.
“A regularidade e o número de golos em dois jogos consecutivos, três frente ao Grupo Desportivo da Eka e seis diante do Sassamba, foi a demonstração da nossa evolução, capacidade técnica e táctica de estarmos bem quer contra as grandes equipas, quer contra as pequenas”, sublinhou.
A sua entrada para o 1º de Agosto, clube onde começou a sua aventura futebolística, pode não ter sido amor à primeira vista, mas a concretização do destino que estava traçado. Tudo aconteceu na maior normalidade.
“Numa bela manhã, o meu contemporâneo Julião Dias (Tio Julião para os mais próximos) à espera do autocarro, os famosos Autosan, para ir aos treinos, disse-me “oh
Vieira, como estás de férias e para não ficares sozinho no bairro, vamos ao 1º de Agosto e aproveita treinares connosco”, contou.
Depois de uma breve reflexão “aceitei o convite e fui com ele sem ter a noção do que poderia acontecer no futuro. Pois, aguardava o fim das minhas férias para regressar ao Huambo, onde estava colocado como professor na Escola de Oficiais Nicolau Gomes Spencer, nas extintas FAPLA, após o meu regresso de Cuba”, recordou
“Fui apresentado ao técnico Nicola Berardineli, comecei a treinar, mas sem compromisso. De guarda-redes, fui testado em várias posições, porque na baliza ‘os donos’ na altura eram Napoleão Brandão e Ângelo Silva. 'Tens boa altura e elevação. Passa ainda aqui para frente. Ao longo dos treinos, foi vendo os meus movimentos tecnicamente razoáveis e ficou impressionado”, lembrou.
VD disse que num belo dia “chamou-me e disse, “você ainda pode me fazer muita confusão aqui à frente, no bom sentido”, o que me motivou bastante. Como naquela altura havia os campeonatos de reserva, comecei a ser lançado e a dada altura cheguei à conclusão que era importante também utilizar a inteligência, pondo a cabeça a funcionar, além das habilidades que a gente possa ter”, destacou.
Confiante na margem de progressão de VD, o treinador aconselhou-o a ver jogos na televisão para melhorar as suas performances. “Aconselhou-me a ver os jogos do campeonato brasileiro que a TPA transmitia na altura. Agora é preciso dizer que há quem vê e consegue aplicar, mas há quem não consegue. E aí as habilidades começaram a vir ao de cima e muito facilmente a gente consegue engrenar naquilo que pretende”.
O 1º de Agosto, na pessoa de Nicola Berardineli, um técnico que era extremamente exigente, deu-lhe os primeiros passos e no Progresso aconteceu aquilo que foi o empurrão para afirmação.
“Laurindo era o treinador na altura e fazia treinos específicos comigo. Lembro-me, como se fosse hoje, ele chamou-me e disse, tens potencial e pela tua idade, não significa que não podes atingir patamares mais altos, porque tens capacidade. Foi assim que ele apostou em mim”, assinalou.
Santos da “Virilha”
A posição de atacante é talvez a mais prestigiante em campo, mas de pouco conforto. Quanto mais a sua equipa estiver a atacar a pressão dos avançados pelo sector defensivo contrário é maior, e daí surgirem as constantes lesões. Um defesa marcou a carreira de Vieira Dias nos despiques directos.
“O Santo António foi o defesa que mais me marcou pela sua forma de encarar os jogos. A sua seriedade em campo começava no treino e terminava nos jogos oficiais. O Totonho, para os mais próximos, fortificou-me bastante assim como eu o fortifiquei também”, reconheceu.
Referiu que as dificuldades forjam os homens. “Pois, onde você encontra dificuldade , procuras sempre formas para o seu fortalecimento. As dificuldades forjam os homens. O Santo António foi um atleta que em termos de treino e jogos ajudou-me a melhor alguns aspectos, assim como eu o ajudei”, revelou.
Continuando: “ele fez parte da minha maturidade em termos desportivos. Era tão duro, no bom sentido, e por vezes a virilidade dele era confundida. As dificuldades que encontrava acabaram por me fortalecer. Ele fez parte do meu crescimento desportivo. Quer como colega, quer como adversário. Coabitei com o SA dois anos, um no Progresso Sambizanga e outro no Mambrôa”.