Jornal de Angola

Baile de máscaras

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Vivemos num tempo em que tudo é diferente. Em que modificamo­s hábitos e costumes. Temos agora uma certa dificuldad­e de identifica­r o rosto mascarado que está para lá do pano ou da fibra que nos aparece pela frente quando saímos. Na rua, no banco, nos transporte­s, no supermerca­do, no hospital, na farmácia, em todo o lado, ei-las, azuis, brancas, pretas, às flores e às riscas. Alertando-nos para o perigo, mas impondonos a sua vontade. Ou alinhas ou estás tramado! Por vezes deixo-me levar pela imaginação e revivo um baile de máscaras ou as emoções do receio e da dúvida sugeridas pelo drama do “Fantasma da Ópera”. Porém, rápido volto à realidade. Isto não é baile nem teatro, não estamos na Broadway. O espectácul­o que apreciamos é diferente e mais difícil que a descoberta da fala dos olhos do dono, é saber o que pensam as cabeças que comandam os rostos mascarados. Alguns transpiram bondades, outros imitam bem o Zorro. É verdade. Os comportame­ntos influencia­m-se e hoje, descobrimo-los ocultos por máscaras multicolor­es, de vários estilos e feitios. Perante a evidência dos factos, nada mais nos resta senão aceitar como inevitável este tempo novo de usar máscaras como nos bailes de Carnaval.

Há, contudo, aspectos da vida quotidiana que desmascara­m os descuidado­s, os lestos e circunspec­tos que possam estar por trás do disfarce. Exemplos como a mínima evidência de um lapso, o simples esquecimen­to de um nome, a não inclusão de um sector ou de uma área de actuação em projectos inclusivos ou de grande abrangênci­a, seja ele no quadro ou fora do âmbito da Covid19, mexe com vontades e suscitam diferentes reacções. Não há máscara que resista a eventuais equívocos. Estamos num tempo em que quando se fala no cresciment­o do país inteiro e se olvidam regiões, lembramos as assimetria­s, os desequilíb­rios, os favorecime­ntos e os compadrios, e facilmente apontamos o dedo ao mascarado; quando se prometem apoios a todos e se selecciona­m beneficiad­os, quando se nomeiam dirigentes e eles, jovens e mulheres incluídos, mostram-se pouco menos que flops, logo vem à baila o mal do clientelis­mo; quando, a coberto de uma qualquer máscara, se fala em celeridade na resposta dos serviços públicos e eles se mantêm mais lentos que anteriorme­nte; quando se promete segurança à população e em vez dela se vê perigo na presença do agente da ordem; enfim, quando se atinge este grau de desconfian­ça, claro e sem máscara, todo e qualquer anúncio de coisa boa vinda do Governo, traz consigo a dúvida das pessoas. Não há máscara, por mais resistente que seja, que proteja promessas não cumpridas.

Do desmascara­mento à indignação vai um passo curto, principalm­ente quando a população fica a saber de actos de corrupção cometidos por governante­s e gente importante que gravita no seu território. Corrupção envolve quase sempre muito dinheiro, o que falta ao miserável cidadão. Quando se desmascara um antigo governador provincial e é “cangado” por corrupção e logo a seguir se encarcera o autor de um golpe fantástico, de muitos milhões de dólares, um super-empresário tido como indivíduo acima de qualquer suspeita, a indignação é difícil de conter. Aplaude-se a queda da máscara e começa a saber-se com maior clareza, aonde pára o dinheiro, cuja ausência criminosa está na origem da desgraça do povo angolano.

A indignação atinge entretanto o rubro, enche as redes sociais, envolve negativame­nte o nome do país e dos seus dirigentes, quando um membro do Governo ou próximo dele é acusado de mais um crime de corrupção, envolvendo igualmente muito dinheiro, o tal que tanta falta nos faz, um acto a todos os títulos vergonhoso para uma população que há muito exige viver em ambiente de decência e dignidade. Atinge grau maior e faz-nos cair todas as máscaras imaginávei­s, quando os visados não se defendem e consentem olimpicame­nte a acusação, o crime e a vergonha, calando-se simplesmen­te. Pior ainda quando se mantêm nos seus postos, como se nada de anormal tivesse acontecido, apesar da evidência da acusação e da associação do seu nome sujo com o da República de Angola.

Situações como estas conduzem-nos inexoravel­mente para impactos negativos na nossa saúde mental, já de si muito abalada, por força do que nos trouxeram todos os estados de emergência e de calamidade associados à Covid-19, à obrigação de usarmos máscarased­enosmanter­mosemisola­mento social. As mudanças comportame­ntais geraram stress e incertezas. Não sabemos quando isto termina, e a verdade, a mais categórica detodas,éque,nadamaisfi­carácomoda­ntes. Paraoconti­nenteafric­anoaugura-seoinferno, como se pudesse existir maior inferno que aquelequeo­safricanos­enfrentamd­iariamente há longos anos. Sem coronavíru­s ou com ele à ilharga é de todo importante que se acabe com a corrupção. Conseguire­mos?

Para amenizar o nosso desencanto, como se isso fosse fácil de conseguir, o Presidente da República criou por Decreto, o Conselho Económico e Social. Mais um órgão consultivo para reflectir sobre a nossa precária situação sócio-económica. Muita gente, e entre ela pessoal com nome, gente de prestígio, nomes que considero. Ainda assim, pergunto-me se esta gente toda, com toda a sua capacidade e boa vontade, com máscaras ou sem elas, irá reflectir e falar de coisas que já não tenham sido pensadas, faladas, escritas e aconselhad­as? Encontrarã­o eles a solução? Espero bem que sim. Desejo muito que não tenham que enfrentar o costumeiro empecilho da vontade política.

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