A crónica que não quis ser escrita ADRIANO MIXINGE
Tive muitas dificuldades em escrever esta crónica: não sei se isso é bom ou é mau, mas tive a sensação de estar dentro de um filme que não sei como interpretá-lo. Há muita confusão. Quando comecei, eu tinha muita vontade de escrever esta crónica, mas, ela não estava nem aí: fechou-se em si mesma, decidiu que não saía e, segundo as horas iam passando, eu ia ficando desesperado, com medo de perdê-la para sempre. Não é que não houvesse tema, nem assunto, nem um ponto de vista interessante para abordar: toda crónica digna de ser escrita é como uma Rosa, um amor verdadeiro, que não consegues reprimí-lo, que não podes substituí-lo.
Este tipo de crónica como as que, normalmente, escrevo passa pelas fendas de qualquer porta, consegue ter a forma mais inesperada: são tantos os factos da realidade política, social, económica e cultural que nos interessam que, de tanto serem, temos cada vez mais dificuldades de hierarquizá-los, dando o protagonismo certo ao assunto certo.
Com a revolução da mídia e das redes sociais são vários os assuntos que mereceriam mais atenção, para além de que muitos amigos, familiares e colegas quando podem não perdem a oportunidade de fazer uma ou outra indicação e, neste sentido, recebemos as propostas mais variadas, as insinuações mais diversas e até mesmo algumas sugestões concretas, que muito agradecemos.
Porém, sendo muito sincero, quando isso acontece, o efeito que tem em mim é o mesmo como quando alguém pensa que poderia me satisfazer se me apresentasse alguém com quem eu deveria ter uma relação íntima ou até mesmo casar-me: o gesto, a priori, me desestimula, faz diminuir o meu interesse. Por isso, as crónicas que não são fáceis de escrever, aquelas que temos de ponderar melhor o ângulo a partir do qual abordar são as que mais me interessam. O desafio de conquistar e de manter uma conquista é sempre muito mais estimulante.
Nestes últimos dias, não é que não esteja inspirado, o que acontece é que, também, estou um pouco melancólico: agora que o recordo, creio que é um misto de friozinho e calor, chuvisco e Sol próprio do período em que, já tendo acabado o cacimbo, o novo tempo parece ainda não se ter instalado, nem sabe nem está convencido que tem de impôr-se, que a estação é outra: as chuvas se irão tornando menos tímidas. Já estou à espera de crónicas com lama, águas estagnadas, mosquito e fé.
Quando pus os meus dedos sobre o teclado, eu tinha vontade de escrever uma crónica, mas ela não estava nem aí: quando tinha a sensação de que já sabia bem sobre o que queria escrever, ela mudava, não se deixava abraçar e fugia, vias mesmo que ela era fruto de uma simpatia mínima e fugaz como aquelas criaturas de cores que chamamos de arco-íris.
Não é que eu não esteja atento à actualidade política, social, económica e cultural do momento, de Angola e do mundo: inúmeras são as lives que se vão fazendo e que são de interesse público e até mesmo alguns eventos presenciais à moda antiga (e por convite) bem justificariam uma boa crónica-relato e análise das reflexões. Ou dito de outra maneira: estou a começar a ter muitas dúvidas se o formato das crónicas tal e como as escrevemos e as publicamos agora sejam mesmo o veículo ideal para retratar a realidade tão célere e veloz como a que vivemos.
Para escrever esta crónica decidi passear num vasto quintal que frequento: de repente, um bando de garças sobrevoou a minha cabeça e, por um momento, pensei que todas elas fossem pousar sobre mim como se a minha cabeça fosse uma colher larga e extensa como uma lagoa, onde elas pudessem estar e dançar. Mas, isso, por si só, não podia ser o tema de uma crónica que não quer ser escrita: a crónica que não quer ter corpo, nem forma, nem voz é como o vizinho que não quer ser nosso amigo e prefere olhar para o lado como cruzamos. A crónica continuou a fazer resistência.
Só já mais tarde, no início da noite, é que, finalmente, atravessando a cidade de Luanda ouvindo a banda sonora de filmes de vários géneros é que decidi escrever esta crónica que não quiz ser escrita. Como acontece com a realidade, as imagens foram desfilando: não sei muito bem se elas são de um filme de terror, de uma comédia, de um drama, de uma tragédia, ou se elas correspondem a todos estes géneros, ao mesmo tempo.
Não é que eu não esteja atento à actualidade política, social, económica e cultural do momento, de Angola e do mundo: inúmeras são as lives que se vão fazendo e que são de interesse público e até mesmo alguns eventos presenciais à moda antiga (e por convite) bem justificariam uma boa crónica-relato e análise das reflexões