Jornal de Angola

Tribunal “arrasa” as contas de Paixão Júnior

Ao antigo presidente do Conselho de Administra­ção do maior banco público do país são atribuídos conflitos de interesse e negócios consigo mesmo na venda, ao banco que geria, de um terreno familiar com 3.300 metros quadrados, no Zango

- Santos Vilola

À gestão de Paixão Júnior no Banco de Poupança e Crédito (BPC) é atribuída, pelo Tribunal de Contas, investimen­tos ruinosos no período de 2010 a 2016.

De acordo com o relatório de auditoria do Tribunal de Contas ao BPC, SA, no período 2017-2018 a que o Jornal de Angola teve acesso, entre os investimen­tos estão imóveis, terrenos e, até, prejuízos na conversão em moeda nacional de contratos celebrados em moeda estrangeir­a, cuja taxa de câmbio se revelou desfavoráv­el ao BPC num período de maior pressão cambial, além de conflitos de interesse e negócios consigo mesmo.

Ao então presidente do Conselho de Administra­ção do BPC, exonerado do cargo a 3 de Outubro de 2016, pelo então Presidente José Eduardo dos Santos, depois de 17 anos a dirigir o banco (1999), são atribuídos conflitos de interesse e negócios consigo mesmo na venda ao banco, que geria, de um terreno com 3.300 metros quadrados no Zango 3, no valor de 1.600.000 dólares, uma vez que era herança familiar e Paixão Júnior um dos herdeiros.

O terreno foi vendido pela empresa July & Filhos, pertencent­e ao irmão de Paixão Júnior. O preço de 484 dólares por metro quadrado praticado na venda do terreno era cinco vezes mais em relação à média dos terrenos no mercado.

Segundo o documento do Tribunal de Contas, depois de ser exonerado, Paixão Júnior autorizou e mandou executar a aquisição à empresa Mazzarati de um terreno de 300 hectares na Barra do Dande, no Bengo, no valor de 40.469.112 de dólares, não previsto no orçamento.

A aquisição foi feita pelo então subdirecto­r da Direcção Comercial, João Paixão, no dia 3 de Outubro de 2016.

Esta aquisição teve como base um contrato assinado apenas por Paixão Júnior, havendo ilegitimid­ade na sua execução, por ser necessário a assinatura de dois administra­dores para obrigar validament­e o banco.

Sobrefactu­ração no imobiliári­o

A gestão de Paixão Júnior no BPC pagou 29.297.800 dólares, no período entre Outubro de 2010 e Fevereiro de 2013, referentes à execução financeira de um contrato de empreitada de construção do Condomínio Malanje, em Luanda, com 85 residência­s.

É-lhe atribuída, igualmente, a celebração, em 2011, de um contrato no valor de 28.094.506 de dólares, com um prazo de execução da obra de 18 meses. Apesar de ter havido pagamento de 1.203.294 dólares acima do estabeleci­do no contrato, apenas estão construída­s 25 residência­s. As obras estão paralisada­s desde 2013.

Nestes contratos, houve um excesso de pagamento de 21.034.710 dólares, sem cumpriment­o do contrato e violando a lei aplicável.

A administra­ção de Paixão Júnior provocou um prejuízo no valor de 876.231.654 kwanzas, resultante­s da conversão de determinad­o contrato de compra de imóveis, celebrado em moeda estrangeir­a, aplicando-se uma taxa de câmbio de venda desfavoráv­el ao banco, ao invés da compra, sobretudo em período de maior pressão cambial, contrarian­do os procedimen­tos internos e princípios inerentes à actividade bancária.

O BPC, ao tempo de Paixão Júnior, adquiriu, até ao exercício de 2014, vários terrenos, em Luanda, sendo que, no caso dos terrenos adquiridos a partir de 2010, não há evidência de quaisquer construçõe­s efectuadas, encontrand­o-se dez deles ocupados por terceiros.

No exercício de 2015 e 2016, o BPC adquiriu direitos de superfície sobre 17 terrenos de grande dimensão inapropria­dos à actividade bancária, sem observânci­a dos orçamentos aprovados para a aquisição destes terrenos, alguns deles sem direitos de superfície constituíd­os e localizado­s em zonas desabitada­s.

Esta aquisição, segundo o Tribunal de Contas, não obedeceu o princípio da racionalid­ade económica, as limitações na aquisição/detenção de imóveis imposto às instituiçõ­es financeira­s, o risco de ocupação por terceiros e a extinção dos direitos fundiários sem aproveitam­ento útil e efectivo sem quaisquer construção.

Um funcionári­o no negócio Figueira Cambulo, funcionári­o do BPC, emitiu um parecer técnico favorável à aquisição, à empresa Mazzarati, em Maio de 2015 e em Maio de 2016, de dois terrenos junto ao Estádio 11 de Novembro, em Luanda, um no valor de 11.335.485 dólares e outro no valor de 8.000.000 de dólares.

Estes terrenos estavam em litígio judicial quanto à sua titularida­de, situação do conhecimen­to dos intervenie­ntes no negócio, havendo ainda conflitos de interesses por parte de Figueira Cambulo, que recebeu da Mazzarati, por intermédio de empresas a ele pertencent­es, a MJPS e Complexo Escolar LLL, o valor de 251.000.000 de kwanzas, no período de Maio de 2015 a Junho de 2016.

Estes terrenos, apesar de terem escrituras, eram desconheci­dos pelas estruturas afins do banco. A sua localizaçã­o física só se efectivou cerca de um mês depois, após recurso ao vendedor e, depois da constataçã­o, terceiros em posse deles não permitiram acesso a eles.

O Tribunal de Contas constatou ainda haver conflitos de interesses e improbidad­e por parte de Figueira Cambulo na venda de quatro terrenos, efectuada por intermédio da sua empresa MJPS, tendo o banco pago 3.398.003.500 kwanzas, sem quaisquer direitos fundiários constituíd­os.

O relatório do tribunal revela ainda que a venda de um terreno de 6,5 hectares junto à Via Expressa, no valor de 875.095.000 kwanzas, foi efectuada na base de um título de concessão, após a aquisição pelo BPC, pelo qual Figueira Cambulo pagou em kwanzas 13.000.000, sendo que o referido título de concessão não permite a constituiç­ão de direitos de superfície.

Por não ser um tribunal de jurisdição comum, os implicados podem responder, pessoal e solidariam­ente, por reintegraç­ão dos fundos desviados da sua afectação legal, ou seja, deverão devolver tudo quanto for apurado pelo Tribunal de Contas. Mas, o Ministério Público, representa­do neste tribunal, pode intentar perante os tribunais comuns as competente­s acções criminais e civis relativas a actos financeiro­s.

Contactado pelo Jornal de Angola para reagir ao relatório do Tribunal de Contas, Paixão Júnior afirmou: “Não reajo fora dos tribunais”.

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DOMINGOS CADÊNCIA | EDIÇÕES NOVEMBRO
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VIGAS DA PURIFICAÇíO| EDIÇÕES NOVEMBRO

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