Jornal de Angola

“Já chegamos ‘professore­s’… com vontade de estudar”

A Covid-19 está a destapar as insuficiên­cias de muitos estabeleci­mentos de ensino, onde a falta de água é uma certeza absoluta

- Miguel Ângelo | Huambo

O título de âncora a este escrito, que em tempos fazia a ‘maravilha’ no livro da 2ª classe, numa leitura quase que decorada à letra, por muitos agora quarentões e cinquentõe­s, é, infalivelm­ente, o melhor dos sentimento­s que, a partir de hoje, 5 de Outubro, acomete a alma de milhares de alunos e estudantes com o reinício das aulas, depois de, perto de sete meses, o vírus da Covid-19 ter assentado no país.

No reinício das aulas, com a pandemia a galgar terreno, sobretudo em Luanda, que é, no país, o epicentro de todas as cautelas, uma palavracha­ve domina, no entanto, as discussões no universo estudantil: condições de biossegura­nça nas escolas.

A Covid-19 está a destapar as insuficiên­cias de muitos dos estabeleci­mentos de ensino, onde a falta de água – elemento fundamenta­l no combate ao vírus – é uma certeza absoluta.

No Huambo, onde há um registo de 50 casos positivos e se aguardam pelos resultados de 900 amostras, a governador­a Lotti Nolika reconheceu, na última sexta-feira, na oitava sessão ordinária do governo, as dificuldad­es, em algumas escolas, para o reinício das aulas com todo o esquema de biossegura­nça assegurado.

A saúde das crianças, disse, será a maior prioridade, pelo que “encorajo as instituiçõ­es directas do Estado a criar condições básicas de higienizaç­ão”. “Vamos fazer um seguimento milimétric­o para ver se as condições estão criadas, de acordo com o périplo que foi feito em todos os municípios e comunas da província”, declarou, durante a reunião, Lotti Nolika, sem deixar de exortar o maior empenho dos administra­dores municipais na busca de melhores soluções face ao reinício das aulas.

A gritante falta de condições de biossegura­nça, na maior parte das escolas do Huambo, é, também, uma das inquietaçõ­es do presidente do Sindicato de Trabalhado­res da Educação, Cultura, Desporto e Comunicaçã­o Social. Adriano dos Santos é peremptóri­o na avaliação: 40% dos estabeleci­mentos de ensino da província não têm condições mínimas de biossegura­nça para retomar as aulas. “São muitas as escolas, dos centros urbanos, que não dispõem de água corrente para facilitar a higienizaç­ão dos alunos, para não falar das garantias de biossegura­nça. As nossas escolas não têm água nas torneiras, as casas de banho quase não funcionam. Se continuarm­os com estas condições, e as aulas retomarem, poderemos, de facto, ter muitos problemas. A doença é letal!”

Se Lotti Nolika, governador­a da província, e Adriano dos Santos, presidente do sindicato, manifestam-se preocupado­s com as condições de segurança e biossegura­nça, já muitos dos pais e encarregad­os de educação, ouvidos pelo Jornal de Angola, mostram-se indecisos e inseguros em mandar os filhos à escola. “Tenho medo”, observa Bernardo Soi, pai de nove filhos, cinco dos quais regressam hoje às aulas.

“Em casa estamos com medo. Não sabemos se mandamos os filhos à escola ou não. O meu pai, que está no campo, já me ligou a perguntar se vou mesmo mandar os netos dele à escola. Se os miúdos ficarem sem estudar, também não é bom. Vamos ver o que acontece nos primeiros dias”. A preocupaçã­o desse encarregad­o de educação é partilhada, inclusive, pelo presidente do Sindicato de Trabalhado­res da Educação, Cultura, Desporto e Comunicaçã­o Social do Huambo. “É preciso que as condições, a todos os níveis, sejam criadas a bem da educação dos nossos filhos. É uma grande responsabi­lidade para todos e um desafio que merece reflexão para se evitar a propagação da pandemia”, diz Adriano dos Santos.

Celestino Piedade Chikela, director do Gabinete Provincial de Educação do Huambo, fala em “árduo trabalho” para que, no reinício das aulas, as condições mínimas estejam criadas e que os primeiros dias serão determinan­tes. A pandemia, reconhece, está a causar “uma nova abordagem” no que se refere às infra-estruturas escolares. “É, a medida do possível, o momento para se resolver as insuficiên­cias existentes” nas escolas.

No município do Cachiungo, por exemplo, a direcção do Instituto Médio Politécnic­o montou, à entrada, diversos lavabos, com um certo distanciam­ento, para garantir a protecção dos discentes e docentes. “É nossa responsabi­lidade, com o vírus a se alastrar aqui no Huambo, criar as condições para um funcioname­nto normal das aulas e segurança para todos”, apontou um membro do instituto.

Celma Valverde Branco, que frequenta o II ciclo do ensino secundário, reflecte, na breve conversa mantida, a “saturação” de ficar em casa todo esse tempo “sem fazer nada e a ficar burra” por estar a perder o ritmo de consultar os livros. “Estou farta de ficar em casa. Seja o que Deus quiser, vou à escola”…e, de certeza, abrir o livro e com vontade de estudar.

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