“Já chegamos ‘professores’… com vontade de estudar”
A Covid-19 está a destapar as insuficiências de muitos estabelecimentos de ensino, onde a falta de água é uma certeza absoluta
O título de âncora a este escrito, que em tempos fazia a ‘maravilha’ no livro da 2ª classe, numa leitura quase que decorada à letra, por muitos agora quarentões e cinquentões, é, infalivelmente, o melhor dos sentimentos que, a partir de hoje, 5 de Outubro, acomete a alma de milhares de alunos e estudantes com o reinício das aulas, depois de, perto de sete meses, o vírus da Covid-19 ter assentado no país.
No reinício das aulas, com a pandemia a galgar terreno, sobretudo em Luanda, que é, no país, o epicentro de todas as cautelas, uma palavrachave domina, no entanto, as discussões no universo estudantil: condições de biossegurança nas escolas.
A Covid-19 está a destapar as insuficiências de muitos dos estabelecimentos de ensino, onde a falta de água – elemento fundamental no combate ao vírus – é uma certeza absoluta.
No Huambo, onde há um registo de 50 casos positivos e se aguardam pelos resultados de 900 amostras, a governadora Lotti Nolika reconheceu, na última sexta-feira, na oitava sessão ordinária do governo, as dificuldades, em algumas escolas, para o reinício das aulas com todo o esquema de biossegurança assegurado.
A saúde das crianças, disse, será a maior prioridade, pelo que “encorajo as instituições directas do Estado a criar condições básicas de higienização”. “Vamos fazer um seguimento milimétrico para ver se as condições estão criadas, de acordo com o périplo que foi feito em todos os municípios e comunas da província”, declarou, durante a reunião, Lotti Nolika, sem deixar de exortar o maior empenho dos administradores municipais na busca de melhores soluções face ao reinício das aulas.
A gritante falta de condições de biossegurança, na maior parte das escolas do Huambo, é, também, uma das inquietações do presidente do Sindicato de Trabalhadores da Educação, Cultura, Desporto e Comunicação Social. Adriano dos Santos é peremptório na avaliação: 40% dos estabelecimentos de ensino da província não têm condições mínimas de biossegurança para retomar as aulas. “São muitas as escolas, dos centros urbanos, que não dispõem de água corrente para facilitar a higienização dos alunos, para não falar das garantias de biossegurança. As nossas escolas não têm água nas torneiras, as casas de banho quase não funcionam. Se continuarmos com estas condições, e as aulas retomarem, poderemos, de facto, ter muitos problemas. A doença é letal!”
Se Lotti Nolika, governadora da província, e Adriano dos Santos, presidente do sindicato, manifestam-se preocupados com as condições de segurança e biossegurança, já muitos dos pais e encarregados de educação, ouvidos pelo Jornal de Angola, mostram-se indecisos e inseguros em mandar os filhos à escola. “Tenho medo”, observa Bernardo Soi, pai de nove filhos, cinco dos quais regressam hoje às aulas.
“Em casa estamos com medo. Não sabemos se mandamos os filhos à escola ou não. O meu pai, que está no campo, já me ligou a perguntar se vou mesmo mandar os netos dele à escola. Se os miúdos ficarem sem estudar, também não é bom. Vamos ver o que acontece nos primeiros dias”. A preocupação desse encarregado de educação é partilhada, inclusive, pelo presidente do Sindicato de Trabalhadores da Educação, Cultura, Desporto e Comunicação Social do Huambo. “É preciso que as condições, a todos os níveis, sejam criadas a bem da educação dos nossos filhos. É uma grande responsabilidade para todos e um desafio que merece reflexão para se evitar a propagação da pandemia”, diz Adriano dos Santos.
Celestino Piedade Chikela, director do Gabinete Provincial de Educação do Huambo, fala em “árduo trabalho” para que, no reinício das aulas, as condições mínimas estejam criadas e que os primeiros dias serão determinantes. A pandemia, reconhece, está a causar “uma nova abordagem” no que se refere às infra-estruturas escolares. “É, a medida do possível, o momento para se resolver as insuficiências existentes” nas escolas.
No município do Cachiungo, por exemplo, a direcção do Instituto Médio Politécnico montou, à entrada, diversos lavabos, com um certo distanciamento, para garantir a protecção dos discentes e docentes. “É nossa responsabilidade, com o vírus a se alastrar aqui no Huambo, criar as condições para um funcionamento normal das aulas e segurança para todos”, apontou um membro do instituto.
Celma Valverde Branco, que frequenta o II ciclo do ensino secundário, reflecte, na breve conversa mantida, a “saturação” de ficar em casa todo esse tempo “sem fazer nada e a ficar burra” por estar a perder o ritmo de consultar os livros. “Estou farta de ficar em casa. Seja o que Deus quiser, vou à escola”…e, de certeza, abrir o livro e com vontade de estudar.