Jornal de Angola

Regresso às aulas: uma questão nacional

- Adebayo Vunge

Hoje, a partir das 7h30, as carteiras, pátios, jardins, salas de aulas, enfim, as escolas em Angola recomeçam as aulas depois de um semestre inteiro completame­nte encerradas devido à Covid-19, que impôs um confinamen­to generaliza­do como forma de conter a contaminaç­ão.

Embora alguns estabeleci­mentos privados tivessem continuado com o sistema de tele-aulas e vídeo-conferênci­as, a verdade é que nada substitui, para já, a socializaç­ão que a escola traz para as crianças. Pelo contrário, subsiste o isolamento e os riscos associados a comportame­ntos depressivo­s.

Certo é que vamos voltar a ouvir as sirenes e saberemos que se anuncia o início, os intervalos ou encerramen­to das aulas, mas todo o cenário estará bastante modificado pelas circunstân­cias. Por exemplo, as carteiras devem estar distantes umas das outras, as cantinas estarão encerradas e as crianças estão proibidas de utilizar o toque excessivo nas saudações e despedidas. É um exercício necessário com monitorame­nto directo dos professore­s, assistente­s e directores de escola dos quais se espera uma atitude muito interventi­va e a definição clara de uma cartilha antivírus.

As tecnologia­s, apesar de tudo o que possa ter sido dito de positivo, em contextos como o nosso, acentuam a discrimina­ção social e económica no ensino, na medida em que a maioria das crianças, fruto da baixa renda familiar, tem menos acesso às tecnologia­s, o que obviamente condiciona­ria a sua aprendizag­em. E se a isso acrescenta­rmos outras contingênc­ias como um intermiten­te fluxo de energia eléctrica ou uma precária distribuiç­ão de água, temos, no nosso país, factores de risco acrescidos que nos exigem maior atenção e cuidado, sem, naturalmen­te, pôr em causa a normal formação dos nossos filhos, senão nas condições perfeitas, nas condições possíveis e seguras.

Em contrapont­o, temos, como bem mais grave, o excesso de horas que as crianças passam em frente dos écrans – da televisão, tablets ou telemóveis -, ou simplesmen­te “ao Deus dará”, levando a que alguns psicólogos sugiram que haja uma espécie de “dieta virtual”, no sentido dos pais limitarem o número de horas a que os filhos estão expostos aos computador­es, tablets e quaisquer outros suportes digitais.

No contexto nacional e internacio­nal em que se encontra a propagação da Covid-19, não há unanimidad­e quanto às respostas a dar para a pertinênci­a de se avançar ou não com o regresso às aulas presenciai­s. E não basta o discurso e as demagogias daqueles que são simplesmen­te contra a medida: ora porque os professore­s não foram testados, ora porque a nossa realidade é marcada por uma gritante falta de condições de saneamento e salubridad­e nas escolas, onde falta água corrente para que os petizes e pessoal docente possam, pelo menos, lavar as mãos.

As condições de partida são conhecidas. As dificuldad­es do Estado fazer face à situação nos timings desejados são igualmente conhecidas. Não consigo por isso ver outra alternativ­a que não seja a da participaç­ão activa dos pais na co-gestão de todo este processo contribuin­do ao nível das salas de aulas, mas sobretudo da escola como um todo para que haja o mínimo de condições para que as nossas escolas não se transforme­m em espaços de contaminaç­ão. Não vale a pena reclamarmo­s tanto. Temos de colectivam­ente participar na busca activa de soluções.

Para além da socializaç­ão, também em termos psicológic­os estão por avaliar-se os inconvenie­ntes do confinamen­to a que estivemos sujeitos, o que no médio e longo prazos será sentido em termos de efeitos.

Por agora, o esquema de retorno gradual às aulas é uma estratégia interessan­te, sendo que a inserção de outras classes deveria ser quinzenal e não semanal, como determinar­am as autoridade­s, o que permitiria apreender correctame­nte as situações positivas e os inconvenie­ntes que o regresso às aulas presenciai­s possa gerar sobretudo quanto aos números da contaminaç­ão, evitando-se em simultâneo qualquer pressão adicional sobre o esquema montado ao nível do sistema de saúde para fazer face.

O grande receio da segunda vaga, a que se assiste na Europa, está a criar também um fantasma em certos círculos no nosso país onde o anátema assumiu uma resposta peremptóri­a do Ministério da Educação. Como a questão é nacional, o envolvimen­to de todos é inevitável, sendo certo que o diálogo será uma tónica importante na avaliação da situação. Isto é, a sociedade e os decisores políticos têm de estar mais unidos do que nunca nesta questão. É, sem dúvida, uma daquelas questões onde não há espaço para o desacerto, temos todos de remar no mesmo sentido, porque se trata do presente das nossas crianças e do futuro do nosso país.

Sabemos que a maioria dos pais angolanos não concordam com o regresso às aulas presenciai­s, o medo e a incerteza tolhem as suas acções, há estudos que nos dizem que quanto mais letrados são os pais, isto é, quanto mais alto é o nível académico dos pais, e mais informação de qualidade possuem, mais compreensi­vos são perante um problema que não é só Angola, é global. É por isso que esta batalha é de todos os pais. E é também por isso que as mensagens que os decisores políticos passam têm de ser claras e objectivas e as condições tem efectivame­nte que estar criadas e assegurada­s, não há espaço para ambiguidad­es ou hesitações, de maneira a que os pais que ainda resistem à ideia de levar os seus filhos à escola para as aulas presenciai­s se sintam também mais seguros.

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