Basquetebol angolano diz adeus ao “Guarda de Honra”
Antigo atleta do 1º de Agosto e da Selecção Nacional vai a enterrar na quarta-feira no cemitério de Benfica em Luanda
“Fui um dos homens escolhidos para fazer a guarnição do local, onde estavam a preparar os restos mortais de Agostinho Neto, em Moscovo, na Rússia, para ser transladado para Luanda”. As palavras do antigo poste do 1º de Agosto e da Selecção Nacional, Sidrack Correia José Gunza, ficam para a eternidade. O menino nascido aos 18 de Dezembro de 1953 em Gunza, província de Malanje, vai a enterrar na quarta-feira, às 10h00, no cemitério do Benfica.
Sidrack marcou a história do basquetebol angolano. Na sua época, era o jogador mais alto de Angola. A posição dominante debaixo do garrafão fê-lo temível. Os dois metros de altura impunham ordem. Por isso, “foi sem dúvidas um momento especial para mim ter sido escolhido para fazer parte daquela unidade de guarda de honra”. Com a sua partida, os angolanos carregam “lembranças de um homem” dedicado e que “ninguém acreditou”, pois “foi um choque terrível”.
O “gigante” era polido com elevada capacidade de humor. A opção do treinador para integrar a comitiva para a Bulgária lhe deixou surpreso: “A escolha foi extremamente motivadora para um indivíduo do gueto que nunca pensou tratar passaporte”. Depois, as deslocações para os “países socialistas tornaram-se como água”, contou, na altura.
Após a primeira viagem, Sidrack impôs-se entre os “reis” de basquetebol. António Guimarães, do Ferroviário de Luanda, era “grande jogador e zombava dos paraquedistas”. Depois de acertar o passo, “o homem (Gui) começou a ver fumo”. São palavras de um homem de família humilde.
Ao lado de Gustavo da Conceição, Carlos Cunha, Boneco, Warese e outros, Sidrack ergueu o troféu do primeiro título de campeão nacional sénior masculino em 1981. A consagração deu-lhe notoriedade. Mais dois títulos conquistou nos anos subsequentes.
A força foi a técnica usada para “mutilar” os adversários. Em 1984, transferiu-se para o Desportivo da Huíla. Ao lado de José Fucato, a equipa “batiase de peito aberto” com as demais. No ano seguinte, pendurou as chuteiras com as cores dos Leões de Luanda.
Em tempo de crise da selecção nacional dizia: “Angola vai ter de trabalhar muito para voltar a ganhar um título africano”. Um recado para os novos gestores dos clubes e federação.
Da baliza para o garrafão
Sidrack transferiu-se das balizas de futebol para garrafões de basquetebol. Jogou no Clube Brincalhões da Samba e Ambaca Futebol Clube. Carlos Alves e General Ndalu foram dois dos muitos nomes com quem partilhou a bola entre 1970 e 1974.
Ingressou nas FAPLA (Forças Armadas Popular de Libertação de Angola) após as convulsões políticas e treinou no Centro de Instrução Revolucionário (CIR) de Cazage, Moxico, ao lado dos músicos David Zé e Urbano de Castro. Era o “disparador principal” de uma das baterias anti-aéreas.
Em 1978, quando gozava férias em Luanda, num encontro casual com José Romero, irmão do malogrado Wlademiro Romero, então treinador do 1º de Agosto, a vida de Sidrack ganha novo rumo: “Disse-me: 'estou à tua procura rapaz. Sobe já no carro”. Assim, foi parar no Rio Seco, onde encontrou Barbosinha, Hipólito, Dr. Gika, depois Gustavo da Conceição, Carlos Cunha e outros. Não entendia “patavina alguma de basquetebol”, era um “autêntico chumbo” e começou como “apanha bola” e apoiava o roupeiro. Era “muito nabo”, mas “faziam aquilo para gozar comigo”.
Apoio de amigos
Na recta final da sua vida, Sidrack deparou-se com dificuldades económicas e financeiras. O porte físico permitiu-lhe a vaga de segurança na Discoteca Xavaroti, frequentada por pessoas de classe alta. Convidava a sair do espaço qualquer cliente que arranjasse problemas. Na maioria das vezes, cooperavam e ainda davam gorjetas. A sorte saiu certo dia: 200 dólares norte-americanos.
Compadecido com o amigo, Carlos Cunha ofereceu-lhe uma consulta médica em Portugal para fazer a cirurgia ao joelho. Foi graças a esse gesto que “voltou a andar” sem o apoio de muletas. O ex-atleta morreu sempre a agradecer “de coração” o antigo director da TPA, os políticos Dino Ma-trosse e Bento Kangamba por ajudarem-no a constar dos beneficiários da Caixa Social das Forças Armadas Angolanas e ao ex-PCA do BPC, Paixão Júnior, pela viatura oferecida.
Quanto ao 1º de Agosto, lamentou a postura: “O meu clube do coração só me convida para encher a barriga, quando há festas. Sinto-me desiludido com esta atitude”.