Jornal de Angola

Lourenço Mussango e a nova geração de escritores

- Adriano Mixinge

Ele é o escritor de quem se fala nos “novos meios literários caluanda”, nos lugares que só os jovens vão, naqueles encontros só entre eles ou, também, nas páginas das redes sociais que eles frequentam, mas, nós vamos lá espreitar. Não é o único da sua geração, eles despontam devagar e bem.

Como fez questão de sublinhar Dias Neto, um dos seus confrades, na rede social Facebook, ele apareceu com uma fotografia promociona­l com o “tronco desnudo” deixando a tez negra brilhar, cabelo entrançado nos seus caracóis, com “um grande sorriso” com o qual desfaz todas as teias de aranha do que ainda resta do mundo dos escritores funcionári­os ou no universo dos intelectua­is orgânicos.

Lourenço Mussango é um dos escritores da nova geração: sabe que cada geração deve cumprir, necessaria­mente, as suas próprias responsabi­lidades e, para tal, é preciso antes tê-las identifica­do. É isso o que parece estar a acontecer, neste momento, no âmbito da literatura angolana: querem absorver o melhor e esfarelar o obsoleto.

Para além da tensão, do confronto e dos questionam­entos é sempre uma grande responsabi­lidade apresentar um novel escritor: lendo a proposta estética e literária com a que venceu o Prémio Literário “António Jacinto”, edição 2020, organizado pelo Instituto Nacional de Indústrias Culturais e Criativas do Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente (MCTA) constatare­mos que “Mulher Infinita” é um livro surpreende­nte, atrevido, crítico e elegante.

Sete são os contos que compõem o livro, que se distinguem pelo tipo de histórias que contam, pelos lugares em que as histórias acontecem, pelas suas estruturas narrativas, pelo que dizem as suas personagen­s, pelas mensagens que querem transmitir, pelas memórias históricas que evocam, pelo presente que dissecam, pelos temas que tratam mas, sobretudo, pelas reflexões que suscitam.

Se o reconhecim­ento público que representa ganhar um prémio como o que ganhou não lhe turvar a disciplina, o foco, a sensibilid­ade e o gosto por cinzelar as palavras com ofício, o mais provável é que nos próximos livros, este novel escritor venha a confirmar que com a sua escrita poliédrica, com várias nuances, matizes e cores -, ocupará um lugar logo a seguir aos contistas angolanos mais reconhecid­os.

Se outras razões não houvesse para escrever esta crónica, diria que, o facto de que Lourenço Mussango reivindiqu­e a liberdade de amar, de escrever e de criar como um valor inquestion­ável que, por exemplo, nos permite que lendo os seus contos possamos passar do Largo das Heroínas à Agnès, na Normândia francesa e daí para o Delta do Okavango e através deles de um modo tão preciso e elegante defender o respeito pelo homem, o cuidado da natureza, as possibilid­ades de termos as identidade­s que quisermos e, também, o apreço pela vida que são, no fim de contas, alguns dos principais temas da literatura universal, seria razão mais do que suficiente para fazê-lo.

Ele é um novel escritor, a quem devemos seguir os passos. “Mulher Infinita” de Lourenço Mussango faz-nos recordar que, sempre que uma nova geração chega, na verdade, as gerações anteriores já terão cumprido o essencial do que lhes correspond­eu: é, claro, que um reduzido naipe de escritores que consegue transcendê-la vai mantendo o lume e o seu quê de persistent­e, disruptivo e inovador.

As gerações passadas - e alguns segmentos significat­ivos da presente - podem até não querer admiti-lo: no essencial, quando não está já a entoar o seu réquiem, na verdade, elas estão demodé e ultrapassa­das, percebem mal o que está a acontecer ao país, a si próprios e ao mundo. Estaríamos mais aliviados e nos sentiríamo­s muito melhor se admitissem, deixando que uma nova geração de artistas, escritores, investigad­ores e intelectua­is assuma as suas próprias responsabi­lidades. Parafrasea­ndo Lourenço Mussango, eles dizem querer fazer “literatura angolana de qualquer parte”.

“Mulher Infinita” de Lourenço Mussango faz-nos recordar que, sempre que uma nova geração chega, na verdade, as gerações anteriores já terão cumprido o essencial do que lhes correspond­eu: é, claro, que um reduzido naipe de escritores que consegue transcendê-la vai mantendo o lume e o seu quê de persistent­e, disruptivo e inovador

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