Lourenço Mussango e a nova geração de escritores
Ele é o escritor de quem se fala nos “novos meios literários caluanda”, nos lugares que só os jovens vão, naqueles encontros só entre eles ou, também, nas páginas das redes sociais que eles frequentam, mas, nós vamos lá espreitar. Não é o único da sua geração, eles despontam devagar e bem.
Como fez questão de sublinhar Dias Neto, um dos seus confrades, na rede social Facebook, ele apareceu com uma fotografia promocional com o “tronco desnudo” deixando a tez negra brilhar, cabelo entrançado nos seus caracóis, com “um grande sorriso” com o qual desfaz todas as teias de aranha do que ainda resta do mundo dos escritores funcionários ou no universo dos intelectuais orgânicos.
Lourenço Mussango é um dos escritores da nova geração: sabe que cada geração deve cumprir, necessariamente, as suas próprias responsabilidades e, para tal, é preciso antes tê-las identificado. É isso o que parece estar a acontecer, neste momento, no âmbito da literatura angolana: querem absorver o melhor e esfarelar o obsoleto.
Para além da tensão, do confronto e dos questionamentos é sempre uma grande responsabilidade apresentar um novel escritor: lendo a proposta estética e literária com a que venceu o Prémio Literário “António Jacinto”, edição 2020, organizado pelo Instituto Nacional de Indústrias Culturais e Criativas do Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente (MCTA) constataremos que “Mulher Infinita” é um livro surpreendente, atrevido, crítico e elegante.
Sete são os contos que compõem o livro, que se distinguem pelo tipo de histórias que contam, pelos lugares em que as histórias acontecem, pelas suas estruturas narrativas, pelo que dizem as suas personagens, pelas mensagens que querem transmitir, pelas memórias históricas que evocam, pelo presente que dissecam, pelos temas que tratam mas, sobretudo, pelas reflexões que suscitam.
Se o reconhecimento público que representa ganhar um prémio como o que ganhou não lhe turvar a disciplina, o foco, a sensibilidade e o gosto por cinzelar as palavras com ofício, o mais provável é que nos próximos livros, este novel escritor venha a confirmar que com a sua escrita poliédrica, com várias nuances, matizes e cores -, ocupará um lugar logo a seguir aos contistas angolanos mais reconhecidos.
Se outras razões não houvesse para escrever esta crónica, diria que, o facto de que Lourenço Mussango reivindique a liberdade de amar, de escrever e de criar como um valor inquestionável que, por exemplo, nos permite que lendo os seus contos possamos passar do Largo das Heroínas à Agnès, na Normândia francesa e daí para o Delta do Okavango e através deles de um modo tão preciso e elegante defender o respeito pelo homem, o cuidado da natureza, as possibilidades de termos as identidades que quisermos e, também, o apreço pela vida que são, no fim de contas, alguns dos principais temas da literatura universal, seria razão mais do que suficiente para fazê-lo.
Ele é um novel escritor, a quem devemos seguir os passos. “Mulher Infinita” de Lourenço Mussango faz-nos recordar que, sempre que uma nova geração chega, na verdade, as gerações anteriores já terão cumprido o essencial do que lhes correspondeu: é, claro, que um reduzido naipe de escritores que consegue transcendê-la vai mantendo o lume e o seu quê de persistente, disruptivo e inovador.
As gerações passadas - e alguns segmentos significativos da presente - podem até não querer admiti-lo: no essencial, quando não está já a entoar o seu réquiem, na verdade, elas estão demodé e ultrapassadas, percebem mal o que está a acontecer ao país, a si próprios e ao mundo. Estaríamos mais aliviados e nos sentiríamos muito melhor se admitissem, deixando que uma nova geração de artistas, escritores, investigadores e intelectuais assuma as suas próprias responsabilidades. Parafraseando Lourenço Mussango, eles dizem querer fazer “literatura angolana de qualquer parte”.
“Mulher Infinita” de Lourenço Mussango faz-nos recordar que, sempre que uma nova geração chega, na verdade, as gerações anteriores já terão cumprido o essencial do que lhes correspondeu: é, claro, que um reduzido naipe de escritores que consegue transcendê-la vai mantendo o lume e o seu quê de persistente, disruptivo e inovador