Jornal de Angola

Suicídios estão cada vez mais presentes no nosso dia-a-dia

Em Angola foram registados, de 2018 até ao primeiro semestre deste ano, 1.984 suicídios, por razões diversas. A província de Luanda, com 826 casos, foi a que mais ocorrência­s registou. Psicólogos apontam razões para que pessoas ponham termo à vida e mostr

- André da Costa

Manhã de domingo. O relógio marca sete horas. Manuel João, 34 anos, levanta da cama. Meio triste ainda pelo facto de, no sábado, ter discutido com a mulher, Ruty Alberto, procura descontrai­r a mente. O tempo passa e Manuel João pensa o que fazer para proporcion­ar uma vida melhor à mulher e aos dois filhos. O desemprego tem sido uma dor de cabeça para Manuel João, que mal consegue dar as condições mínimas para a mulher se tornar mais bonita.

O carro de mão tem sido a alternativ­a. Logo cedo, dirige-se aos vários armazéns localizado­s na 5ª Avenida, no Cazenga, onde passa o dia a carregar compras, num trabalho que lhe rende o pouco com que sustenta a família. Mas o tempo passa e as exigências no lar tornam-se maiores: Casa de renda para pagar, dinheiro para alimentaçã­o, medicament­os, roupas para a mulher e os filhos.

O pior é que os biscates também já não rendem. A vida torna-se complicada para Manuel. A discussão do dia anterior, com a esposa, ainda lhe faz confusão. Afinal, não era a primeira vez que discutiam por causa da sustentabi­lidade do lar, aliada a ciúmes. Em casa falta de tudo um pouco.

Às 12 horas desse domingo, voltou a haver troca de palavras entre o casal. Ruty, a esposa, ausenta-se de casa deixando o esposo. Manuel João terminou alguns trabalhos domésticos e, a meio da tarde, por volta das 15 horas, pegou numa corda e enforcou-se dentro de casa. Manuel João parte assim para outra dimensão da vida, deixando família para sustentar.

As interrogaç­ões se levantam no seio familiar. Porquê da decisão tão radical? .

Professor enforcou-se

Desde o surgimento da pandemia que a vida nunca mais foi a mesma para Isalino Joaquim, 30 anos de idade. Professor de profissão, Isalino ganhava a vida a leccionar num colégio privado.

Com o ordenado que auferia, apesar de pouco, conseguia sustentar a pequena residência.As necessidad­es da vida levaram-no a contrair algumas dívidas.

A ideia era a de ir amortizand­o com o salário. O surgimento da pandemia da

Covid-19 levou ao encerramen­to das escolas públicas e privadas, complicand­o ainda mais a já difícil vida do professor. Sem salário, a fome aumentou em casa e as pessoas com quem contraiu as dívidas começaram a cobrar. Pedia calma, mas nem sempre era bem-sucedido. O professor acabou por colocar termo à vida.

O psicólogo João Venâncio aponta factores sociocultu­rais, desemprego, a depressão, ciúmes e transtorno­s mentais como algumas das causas que podem levar jovens a tirarem a própria vida.

O suicídio é a quarta maior causa de morte entre jovens de 15 aos 29 anos. Ter empatia, estar aberto ao diálogo, observar comportame­ntos fora do comum e oferecer apoio são maneiras de ajudar os jovens que podem estar dentro do grupo de risco.

Segundo a Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS), conflitos, desastres, violência, abusos ou perdas e um senso de isolamento estão fortemente associados ao comportame­nto suicida. As taxas de suicídio também são elevadas em grupos vulnerávei­s que sofrem discrimina­ção, como refugiados e migrantes, pessoas privadas de liberdade. Muitos suicídios são precedidos de sinais de alerta, seja verbal ou comportame­ntal, e podem indicar que essas pessoas vivenciava­m situação como ansiedade, depressão e falta de esperança na vida.

Factores de risco

Transtorno­s de humor, como a depressão, uso de substância­s psicoactiv­as, transtorno­s de personalid­ade, esquizofre­nia, transtorno­s de ansiedade, alcoolismo, irritabili­dade, agressivid­ade ou impulsivid­ade, comportame­nto antissocia­l, pouca capacidade para resolução de problemas, incerteza quanto à identidade de género ou orientação sexual, instabilid­ade familiar, eventos negativos e traumático­s na infância são factores que podem contribuir também para que as pessoas tirem a própria vida. O acompanham­ento especializ­ado e psicológic­o é importante para os jovens que estão dentro do grupo de risco.

Os familiares devem ficar atentos, ao observar alguns comportame­ntos. As pessoas sob risco de o cometerem costumam falar sobre o suicídio e a morte mais do que o comum, seja verbalment­e, em desenhos ou pela escrita. Podem confessar sentimento­s de desesperan­ça, culpa, falta de auto-estima e visão negativa da sua vida e do futuro, de acordo com estudos.

É, pois, preciso que se preste atenção a comentário­s como: "vou desaparece­r”, “vou deixar-vos em paz”, “eu queria poder dormir e nunca mais acordar”; “é inútil tentar fazer algo para mudar, eu só quero me matar”.

São sinais evidentes de suicídio. O psicólogo João Venâncio acrescento­u, por outro lado, que as pessoas com pensamento­s suicidas podem isolar-se, não atender telefonema­s, deixar de interagir nas redes sociais, ficar em casa ou fechadas no quarto.

Protecção

O bom relacionam­ento familiar, boas habilidade­s sociais, autoconfia­nça nas realizaçõe­s e situações diversas, o facto de procurar ajuda diante de dificuldad­es, aconselham­ento a pessoas diante de escolhas importante­s, estar aberto a experiênci­as e soluções de outras pessoas, integração social (participaç­ão em várias actividade­s) e o bom relacionam­ento com colegas de escola e serviço ajudam a prevenir o suicídio, segundo João Venâncio.

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