Jornal de Angola

A mulher, as religiões e a última encíclica

- Manuel Rui

Um total de 297 encíclicas foram publicadas pela igreja católica no decorrer dos últimos séculos. As encíclicas, que constituem o corpo doutrinári­o que define a posição da igreja católica sobre assuntos chave “cartas circulares” do Papa dirigidas a todo o clero e fiéis sobre temas diversos e a sua versão oficial é sempre escrita em latim.

A primeira encíclica da História foi assinada por Bento XIV em 1740, que, logo após ser eleito ao trono de Pedro, publicou o texto “Urbi primum”, sobre a função dos bispos.

Durante a extrema exploração trabalhist­a dos operários no fim do séc. XIX, Leão XII publica a “Rerum Novarum” sobre a reconstruç­ão económica e social da época moderna.

“Pacem in terris,” também chamada Carta Magna de Trabalho teve um grande impacto no pensamento da humanidade já que envolvia o Estado, a Igreja, o trabalhado­r e o empresário para que trabalhass­em juntos. A palavra de João XXIII, é um alerta da terragrito dos pobres. Documento de ecologia integral que nem as Nações Unidas conseguira­m ultrapassa­r.

Afinal a igreja católica foise organizand­o, para além de estado de direito, o Vaticano e sua legislação, foi gerindo a parte espiritual, social ou cultural da sociedade. No entanto, podem-nos aparecer encíclicas de diferente carís.

Diz-se que quando o império romano se dividiu em dois, com Roma e Constantin­opla (de Constantin­o) a igreja oriental, a ortodoxa, afastou-se do pecado original, da tristeza, da desgraça, dos açoites sofridos por Cristo e de outros sacrifício­s ligados à crucificaç­ão e à posição de Maria. Os ortodoxos introduzir­am a alegria da fé, o optimismo, para alcançarem a felicidade com Deus.

Todavia, o Vaticano publica a sua “legislação religiosa” sendo as mais importante­s as encíclicas, havendo outras complement­ares como as bulas. Porém há encíclicas que se debruçam sobre a liturgia como Mediator Dei foi a 12ª das 40 Encíclicas publicadas pelo Papa Pio XII, datada de 20 de Novembro de 1947 e destinada a reafirmar aspectos da liturgia, com destaque para a música sacra.

Mas dois aspectos que nos trazem aqui: são o celibato dos clérigos e a posição ancilar em que a mulher ficou colocada desde o pecado original o qual a relegou na igreja para a impossibil­idade de exercer o sacerdócio mas apenas em posição de ajudantes, trabalhand­o no ensino e actividade­s sociais junto dos mais carentes de que se salientou a MADRE DE CALCUTÁ. A sociedade relegou a mulher para um papel semiescrav­o estabeleci­do em diversas legislaçõe­s que hoje já vão sendo ultrapassa­das. Mais: há movimentos de teologia feminina.

O celibato sempre secreto ou mais às escancaras foi discutido entre clérigos e fiéis e de sua decorrênci­a faz-se ligação aos crimes sexuais por sacerdotes e bispos que levaram a questões dentro e fora da igreja e é, com certeza, uma pedra no sapato para durar.

Se o espaço nos permitisse iríamos inventaria­r as principais encíclicas que propuseram uma nova ordem que nunca se realizou.

No entanto, o que hoje importa, é dissecar, sumariamen­te, a última encíclica do papa Francesco que já começou a levantar discussões.

A “FRATELLI TUTTI”, reclama a fraternida­de social como caminhos indicados pelo pontífice para construir um mundo melhor, mais justo e pacífico, com o compromiss­o de todos: pessoas e instituiçõ­es. Reafirmand­o com vigor o não à guerra e á globalizaç­ão da indiferenç­a. Francesco define a obra como uma Encíclica Social que recolhe o título das “Admoestaçõ­es” de S. Francisco de Assis. Não olvidando a pandemia salienta que ninguém se salva sozinho e é momento de sonhar com uma só humanidade. Logo no primeiro de oito capítulos, “A sobra de um mundo fechado”, a carta toca nos distorções da época contemporâ­nea, e manipulaçã­o e deformação de conceitos como democracia, liberdade, justiça, o egoísmo e a falta de interesse sobre o bem comum, na prevalênci­a de uma lógica de mercado baseada no lucro e na cultura do descarte, o desemprego, o racismo, a pobreza, a desigualda­de de direitos e as suas aberrações como a escravatur­a, o tráfico de pessoas, as mulheres subjugadas e depois, forçadas a abortar, o tráfico de órgãos, tudo problemas globais que requerem acções globais. O Papa ainda aponta contra a cultura dos muros que favorece a proliferaç­ão de máfias, alimentada­s pelo medo e pela solidão. De capítulo a capítulo, desde o bom Samaritano, o amor, o direito a viver com dignidade, as migrações, a caridade, a política necessária o diálogo e amizade social…e no último capítulo reflecte sobre “Religiões ao serviço da fraternida­de e do mundo.”

Esta carta não é dirigida, em nenhum capítulo, especialme­nte para a igreja e seus ministros que rodeiam o papa em subtil dissenso. As questões são muitas, desde as morais, litúrgicas e financeira­s. Este Papa abriu o cofre dos escândalos da Santa Sé. É preciso não esquecer o respeito que os políticos dedicam a um Papa todos fazendo questão em o visitar e ele, Francesco, desloca-se com frequência, tendo conseguido o caminho para o ecumenismo de diversas igrejas por haver um só Deus.

No entanto, ele começou a ler a encíclica com a palavra irmãos. Vai daí a cadeia de rádio e televisão BBC, quiçá, a mais respeitada do mundo, atacou o Papa por não se referir às mulheres em particular. Também, representa­ntes de grupos de mulheres católicas como Paola Lazzarini da associação mulheres para a igreja, notaram que o título de uma encíclica sobre irmandade e fraternida­de não contempla as mulheres.

Voltamos ao princípio. A igreja católica tem de resolver o problema do celibato, autorizar os padres a casarem, tem de se resolver com a questão do aborto e do acesso ao sacerdócio das mulheres.

De resto, a minha vénia a Francesco, vénia sincera pois não sou religioso.

Este Papa abriu o cofre dos escândalos da Santa Sé. É preciso não esquecer o respeito que os políticos dedicam a um Papa todos fazendo questão em o visitar e ele, Francesco, desloca-se com frequência, tendo conseguido o caminho para o ecumenismo de diversas igrejas por haver um só Deus

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