“O futebol do meu tempo não adormecia os adeptos”
Antigo camisola 7 do FC de Luanda recorda com nostalgia a carreira e o espectáculo que marcaram as épocas 1950/70
Daniel Cata é um exímio conversador. Apesar dos seus 79 anos, o ex-futebolista e treinador da primeira Selecção de Angola, ainda guarda na memória, épocas em que ao serviço do FC de Luanda e sempre ao lado de Domingos Inguila, fazia a maravilha dos adeptos, com exibições de luxo, de ‘encher os olhos’.
“Naquele tempo jogávamos futebol de ‘primeira água’ e até as senhoras enchiam os estádios. Iam aos campos para nos ver. Os jogadores eram habilidosos. Tínhamos uma habilidade-nata e que hoje não se vê praticamente em nenhum destes jogadores. Hoje vamos ao futebol para ver quem? Já não existem jogadores como o Dinis, Chico Negrita, Jacinto João, Alves, Gomes e outros. Estes davam espectáculo e levantavam o público das bancadas”, disse Daniel Cata, deixando transparecer saudades do seu tempo.
E prossegue a sua argumentação: “não há referências
mostra-se, hoje, extremamente descontente com a qualidade do futebol nacional. Afirma que os níveis de qualidade já não são os mesmos, “porque não foi dada a atenção necessária” à formação. Considera ter havido um retrocesso depois da independência, porque tudo parou no tempo.
“A era do Ndunguidi, Mendinho, Jesus e outros, não tiveram ninguém para os substituir. Chegou uma altura em que tudo parou e não teve jogadores para a altura. São atletas que foram criados por nós, pois, fomos os treinadores deles. O Petro tinha uma equipa fora de série, com Lufemba, Rasgado e Nejó. No 1º de Agosto havia também outros craques. Mas, depois destes jogadores acabou o futebol em Angola”, afirmou.
Congratula-se com o facto de, no seu tempo, o futebol ser mais atractivo, movido por espectáculo, apesar de que ganhava-se quase nada. “Nós jogávamos por amor à camisola e hoje joga-se por amor ao dinheiro. No meu tempo não ganhávamos absolutamente nada. Os prémios de jogo, em alguns clubes, como o FC Luanda, era um ‘prego no prato’ com batatas fritas e ovos estrelados e uma no futebol de hoje. Antes íamos ao campo e dizíamos às pessoas que vamos ver o Dinis, o Chico Negrita, Alves, Gomes e uma série de jogadores bons. Mas hoje não temos condições para nos orgulhar do futebol que vemos”, lamentou.
Mas não ficou por ai: “é muito fraco o futebol de hoje. A última vez que estive no estádio, fui ver o 1º de Agosto e o Santos FC. Só sei que adormeci. Fui acordado pelo Inguila, mas já com o jogo a acabar. E ainda lembro das palavras dele: ‘compadre, compadre, já acabou o jogo (risos)’. Isso é brincadeira. O futebol do meu tempo não adormecia os adeptos”.
Mas, foi com a camisola da Escola da Missão Evangélica que Daniel Cata começou a dar os primeiros passos no futebol. Corria o ano de 1952 e, nessa altura, no percurso da carreira já tinha a companhia de nomes que viriam a revelar-se, depois, como ‘gigantes’ do futebol angolano. “Estava lá com os meus gasosa, ou apenas 100 escudos. A quantia mais alta que cheguei a receber foi de 500 escudos, por ter feito golos”, disse.
Daniel Cata fala de uma lista quase interminável de craques da sua época, muitos dos quais já falecidos, que alimentavam a paixão dos adeptos. “Era um abono de família e marcava quase todos os golos da equipa. Marcava tantos golos, que chegava uma altura, nos Coqueiros, que os adeptos brancos que ficavam nas bancadas do estádio dos Coqueiros, no princípio de cada jogo, sempre que passássemos junto às bancadas, eles diziam: Oh Cata! se marcares um golo tens 100 escudos! Marcava dois a três golos e tinham as mãos estendidas para mim a oferecerem-me dinheiro das bancadas”, contou, sorridente.
“Em 1969, altura que o Dinis e o Inguila estavam a embarcar para Portugal, fizemos um jogo com o ASA, nos Coqueiros, e empatamos a uma bola. E o dirigente do FC Luanda, na altura feliz com o resultado, disse-nos: empatar com o ASA não é qualquer resultado, por isso, estão aqui 500 escudos, para cada um. Foi o maior prémio de jogo que recebi, na época”, confessou.
Nas incontornáveis referências de Daniel Cata sobrariam páginas extensas para descrever todos. Fala do Valente, Chico Negrita, Pinga, Paulo, Zito, Inácio, David, colegas de equipa, Domingos Inguila, Mariano Amaro, Muginga, Mukuna, Domingos Capenguissa, Lolota, Brito Sozinho, etc. Não havia futebol federado e os campeonatos eram entre bairros”, recorda.
A brilhante carreira ao serviço da Missão Evangélica serviu de trampolim para a transferência de Daniel Cata para o Sporting de Pales e, posteriormente, para o FC Porto do Prenda, equipa de bairro fundada pelos irmãos Cafita, antes de representar os Operários. “Lembro-me, nos Operários, do maisvelho Adão Cavezita, que era o presidente do clube. Mais tarde, ainda fui jogar nos Onze Bravos de Kizau e Sporting de Musserra, onde cruzei com Vieira, Barbosa, Fafa e, novamente o Inguila. Depois passei pela equipa do Las Palmas do Prenda, formada por intelectuais do Liceu Salvador Correia, entre os quais Henriques, Garcês, Inácio do Liceu Paulo Dias de Novais, Ângelo Nunes da Escola Comercial e o Gomes do Benfica de Luanda”, frisou. comandante Prata, Leite, Antas, Norberto, Gomes, Lorota, Ângelo, Celson, Caximinha, Tudio, Inguila, Dinis, José Eduardo dos Santos (ex-presidente), Loy, Inácio, Zito, Santinho, Justino Fernandes, Justino Fernandes, Paizinho, Paulino, Veloso, Cadete, João Pequeno, Vieira, Samurai, Veloso, Abreu, Laurindo, João Machado, Abreu, Matateu, Quartela, Pontes, Beja e tantos outros.
“Em 1958, cruzo-me com o ex-presidente José Eduardo dos Santos, no FC Luanda. Na altura, eu vinha do Atlético e o meu treinador era Aníbal de Melo”.
De resto, Daniel Cata reserva, igualmente, espaço para referência a alguns clubes que marcaram positivamente a sua carreira, além do FC Luanda, com realce para Ferrovia de Angola, Portugal de Benguela, Mambrôa, Onze Bravos do Prenda, Las Palmas, Bravistas, Juventude do Prenda, Benfica da Gabela, Sporting da Kibala e Ambaca FC.
“Quando deixo de jogar, em 1971, na equipa do FC Luanda, numa altura em que ainda não tínhamos conquistado a independência, e como os dirigentes do clube gostavam muito de mim, pois, tratavam-me como filho, colocaram-me como director para o futebol de formação”.