Jornal de Angola

Olhem-me eu de sacerdote bispo!

- Manuel Rui

A viatura ficou distante e eu fui indo trôpego na bengala até ao aeroporto. Entrei. Estava uma daquelas equipes que forram malas com plástico numa impression­ante mestria de jovens biscateiro­s migrantes de África, Leste e Brasil.

Por mais de mil vezes, é logo depois das balanças, o certo é que não atino sempre com as casas de banho e, talvez, por isso, reflexamen­te me dê vontade de urinar. Eu estava vestido com uma vistosa camisa azul paquistane­sa, casaco, calça e chapéu preto daqueles dos israelitas, um colar de prata mexicano e a minha sempre missanga de quijila. Ouvi um brasileiro falar, baixo, gorducho, tez parecia indiano e com ares daqueles micro ou empreended­ores, de resto fez-me recordar um palhaço do circo da minha infância. Ei cara, por favor, onde fica o banheiro? Me desculpe, o senhor é um padre, um sacerdote ou um bispo? Bispo, falei. De que igreja? Da Universal. Deus é grande! Falou o homem de palmas das mãos coladas e postas no ar. Vamos em frente. Sou Gabriel. E fomos. E então o irmão vai para onde? Para Angola. E num instante dei pela gafe. Valhame o Senhor, em Angola desobedece­ram a Deus. Tem lá bons santuários, parece aqui o Monumental, conhece? Ou os do Brasil. Vi na televisão na Comandante Giga. Mas vai para lá? Sim. Mas os templos estão fechados, os bispos angolanos desavindos com os brasileiro­s e então vai mesmo assim? Vou mandado pessoalmen­te pelo bispo Macedo para resolver a situação. O homem saltava. Eu, de repente, devia ter corrigido a gafe ainda pensei que podia ter dito que era um rabi do judaísmo, mas olha já estava, o homem acompanhou-me, o banheiro era ali bem perto. Ficou cá fora esperando como se fosse meu guarda-costas. Quando saí o homem ofereceu-se para me forrar as malas de graça, agradeci mas o protocolo da igreja já havia tratado de tudo. Gostaria de beber um copo de água consigo. Eu queria-me despachar. Olhe eu só bebo água nos cerimoniai­s dos templos. Fora é vinho tinto. Aquele copo de água dos milagres. Olhe, bispo, era de um milagre que eu precisava para mandar vir a minha mulher e montarmos uma roulotte com um feijão tropeiro e um torresmo daqueles. Também gosto e vou pedir em minhas orações para que aconteça a roulotte não mais me esqueço desse feijão e torresmo em Sorocaba. Não! É um milagre, eu sou de Sorocaba, que saudade e esta coincidênc­ia, logo vou dar uma ligada para minha mulher. Me dê um autógrafo nesta minha agenda, Bispo…Azevedo… de donde? Da Guiné Bissau. O homem abriu a agenda embaciada, botei lá o autógrafo e despedimo-nos com a cotovelada covirus- tuga.

Telefonei, o protocolo da embaixada estava com a Alice à minha procura enquanto fui Bispo por um instante.

Na hora do pesa malas, doutor, falou a diplomacia do chefe do protocolo da embaixada: tem aqui um livro seu para autografar e oferecer à chefe de escala que é sua leitora, outro para o piloto que é muito fixe tem aí o nome num autocolant­e e tem aqui um para mim com grande apreço.

Viajei deitando todo aquele tempo em que ficara retido em Portugal e, nos últimos dias, num corre-corre para regressar desta aventura com muitos efeitos colaterais, eu e a Alice fomos ao laboratóri­o. Pensava que era o teste rápido com picada no dedo mas era o negócio da zaragatoa que aguentei na boca, depois a tortura na narina direita e, quando a zaragatone­ira se preparava para me enfiar a lança na narina esquerda, segurei-lhe a mão explicando: nasci com essa narina obstruída não me toque no que está fechado. Está bem. Também já chega. Então para quê as duas? Tem razão…

A crónica para quinta-feira costumo escrever segunda. Eu, vai para mais de vinte anos, sou convidado para um evento literário em Portugal. Pagam executiva TAP para mim e a Alice que, faz muitos anos, é condição sine qua non, viajar acompanhad­o. Desta vez, quando era para regressar TAP não havia voos. Passei por expulsão de hotéis, habitei nas tais gaiolas para turistas ingleses, fartei-me da fast food, arranjei logo depressão e fui parar a um hospital para endoscopia e biopsia e saí feito num oito. Antes de entrar para a anestesia geral deixei um bilhete para Dino de Carvalho “se correr mal, incineraçã­o, cinzas para Luanda para serem deitadas ao mar com muita música.” Chegou uma altura em que desisti dos tratamento­s, cansei e não queria morrer fora de Angola.

Estou dentro do avião a cogitar a razão porque os políticos não fazem reuniões ecuménicas como os religiosos, pergunto eu, o bispo Azevedo, a imaginar que se a dona do meu amigo tem a sorte de ganhar a lotaria, ela e o marido compram um grande hotel em Lisboa e um laboratóri­o de análises para testes do covirus que isto dá dinheiro que chega como os fabricante­s de máscaras e álcool gel. E ainda se metem num avião para Bissau à procura do bispo Azevedo para lhe oferecerem uma quota social que bem precisava desse milagre Azevedos fora.

No avião ia indisposto com os funcionári­os do aeroporto que não desperdiça­m sorrisos. A TAAG impecável, um paraíso de afectos, serviço exemplar. E quando desembarqu­ei, deslumbrou-me a educação dos funcionári­os e emocionou-me a sua postura. Temos um grande país e um povo que não merece a ausência de milagres, isto fala o bispo Azevedo, pois a vida é uma ficção a fingir realidade.

Olhe eu só bebo água nos cerimoniai­s dos templos. Fora é vinho tinto. Aquele copo de água dos milagres. Olhe, bispo, era de um milagre que eu precisava para mandar vir a minha mulher e montarmos uma roulotte com um feijão tropeiro e um torresmo daqueles. Também gosto e vou pedir em minhas orações para que aconteça a roulotte não mais me esqueço desse feijão e torresmo em Sorocaba

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