Olhem-me eu de sacerdote bispo!
A viatura ficou distante e eu fui indo trôpego na bengala até ao aeroporto. Entrei. Estava uma daquelas equipes que forram malas com plástico numa impressionante mestria de jovens biscateiros migrantes de África, Leste e Brasil.
Por mais de mil vezes, é logo depois das balanças, o certo é que não atino sempre com as casas de banho e, talvez, por isso, reflexamente me dê vontade de urinar. Eu estava vestido com uma vistosa camisa azul paquistanesa, casaco, calça e chapéu preto daqueles dos israelitas, um colar de prata mexicano e a minha sempre missanga de quijila. Ouvi um brasileiro falar, baixo, gorducho, tez parecia indiano e com ares daqueles micro ou empreendedores, de resto fez-me recordar um palhaço do circo da minha infância. Ei cara, por favor, onde fica o banheiro? Me desculpe, o senhor é um padre, um sacerdote ou um bispo? Bispo, falei. De que igreja? Da Universal. Deus é grande! Falou o homem de palmas das mãos coladas e postas no ar. Vamos em frente. Sou Gabriel. E fomos. E então o irmão vai para onde? Para Angola. E num instante dei pela gafe. Valhame o Senhor, em Angola desobedeceram a Deus. Tem lá bons santuários, parece aqui o Monumental, conhece? Ou os do Brasil. Vi na televisão na Comandante Giga. Mas vai para lá? Sim. Mas os templos estão fechados, os bispos angolanos desavindos com os brasileiros e então vai mesmo assim? Vou mandado pessoalmente pelo bispo Macedo para resolver a situação. O homem saltava. Eu, de repente, devia ter corrigido a gafe ainda pensei que podia ter dito que era um rabi do judaísmo, mas olha já estava, o homem acompanhou-me, o banheiro era ali bem perto. Ficou cá fora esperando como se fosse meu guarda-costas. Quando saí o homem ofereceu-se para me forrar as malas de graça, agradeci mas o protocolo da igreja já havia tratado de tudo. Gostaria de beber um copo de água consigo. Eu queria-me despachar. Olhe eu só bebo água nos cerimoniais dos templos. Fora é vinho tinto. Aquele copo de água dos milagres. Olhe, bispo, era de um milagre que eu precisava para mandar vir a minha mulher e montarmos uma roulotte com um feijão tropeiro e um torresmo daqueles. Também gosto e vou pedir em minhas orações para que aconteça a roulotte não mais me esqueço desse feijão e torresmo em Sorocaba. Não! É um milagre, eu sou de Sorocaba, que saudade e esta coincidência, logo vou dar uma ligada para minha mulher. Me dê um autógrafo nesta minha agenda, Bispo…Azevedo… de donde? Da Guiné Bissau. O homem abriu a agenda embaciada, botei lá o autógrafo e despedimo-nos com a cotovelada covirus- tuga.
Telefonei, o protocolo da embaixada estava com a Alice à minha procura enquanto fui Bispo por um instante.
Na hora do pesa malas, doutor, falou a diplomacia do chefe do protocolo da embaixada: tem aqui um livro seu para autografar e oferecer à chefe de escala que é sua leitora, outro para o piloto que é muito fixe tem aí o nome num autocolante e tem aqui um para mim com grande apreço.
Viajei deitando todo aquele tempo em que ficara retido em Portugal e, nos últimos dias, num corre-corre para regressar desta aventura com muitos efeitos colaterais, eu e a Alice fomos ao laboratório. Pensava que era o teste rápido com picada no dedo mas era o negócio da zaragatoa que aguentei na boca, depois a tortura na narina direita e, quando a zaragatoneira se preparava para me enfiar a lança na narina esquerda, segurei-lhe a mão explicando: nasci com essa narina obstruída não me toque no que está fechado. Está bem. Também já chega. Então para quê as duas? Tem razão…
A crónica para quinta-feira costumo escrever segunda. Eu, vai para mais de vinte anos, sou convidado para um evento literário em Portugal. Pagam executiva TAP para mim e a Alice que, faz muitos anos, é condição sine qua non, viajar acompanhado. Desta vez, quando era para regressar TAP não havia voos. Passei por expulsão de hotéis, habitei nas tais gaiolas para turistas ingleses, fartei-me da fast food, arranjei logo depressão e fui parar a um hospital para endoscopia e biopsia e saí feito num oito. Antes de entrar para a anestesia geral deixei um bilhete para Dino de Carvalho “se correr mal, incineração, cinzas para Luanda para serem deitadas ao mar com muita música.” Chegou uma altura em que desisti dos tratamentos, cansei e não queria morrer fora de Angola.
Estou dentro do avião a cogitar a razão porque os políticos não fazem reuniões ecuménicas como os religiosos, pergunto eu, o bispo Azevedo, a imaginar que se a dona do meu amigo tem a sorte de ganhar a lotaria, ela e o marido compram um grande hotel em Lisboa e um laboratório de análises para testes do covirus que isto dá dinheiro que chega como os fabricantes de máscaras e álcool gel. E ainda se metem num avião para Bissau à procura do bispo Azevedo para lhe oferecerem uma quota social que bem precisava desse milagre Azevedos fora.
No avião ia indisposto com os funcionários do aeroporto que não desperdiçam sorrisos. A TAAG impecável, um paraíso de afectos, serviço exemplar. E quando desembarquei, deslumbrou-me a educação dos funcionários e emocionou-me a sua postura. Temos um grande país e um povo que não merece a ausência de milagres, isto fala o bispo Azevedo, pois a vida é uma ficção a fingir realidade.
Olhe eu só bebo água nos cerimoniais dos templos. Fora é vinho tinto. Aquele copo de água dos milagres. Olhe, bispo, era de um milagre que eu precisava para mandar vir a minha mulher e montarmos uma roulotte com um feijão tropeiro e um torresmo daqueles. Também gosto e vou pedir em minhas orações para que aconteça a roulotte não mais me esqueço desse feijão e torresmo em Sorocaba