Jornal de Angola

A Clara Luz e a escura sombra

- ADRIANO MIXINGE

Conversand­o com a minha amiga Clara Luz - que não estudou geologia -, ela explicou-me há dias como, de um modo que estima ser intuitivo, sempre que tem que procurar uma casa para arrendar na cidade de Luanda (ou na sua periferia) é capaz de só pelo tipo de solos e de areia (cor, granulação, textura, grau de absorção de água, entre outras), saber se a zona, a área ou o bairro em que estava poderia ser uma opção a ter em conta para viver ou se deveria descartá-lo, imediatame­nte, por pouco seguro, por precário e por ser uma zona de risco.

O saber intuitivo da minha amiga é útil, ajuda-lhe a evitar constrangi­mentos maiores, por exemplo, que ela viva numa zona onde quando chove haja enchente de água, o que faz com que a sua família se sinta mais segura. Aos elementos já mencionado­s, a minha amiga Clara Luz tem, também, certamente em conta nem que for só mesmo fruto da sua observação empírica, o nível de renda dos vizinhos, a proximidad­e ou não dos centros comerciais, das escolas, dos hospitais e de mercados, ou ainda, se a zona fica numa parte baixa ou alta da paisagem e adapta a sua escolha ao dinheiro que tiver disponível para pagar o aluguer.

Mas, pensando em voz alta, imaginemos que, em vez de ser a minha amiga Clara Luz a chegar a estas conclusões à sua maneira fosse a academia (universida­des, escolas de negócios e altos estudos, ou semelhante­s) , os meios de comunicaçã­o social e a administra­ção do bairro, comuna, município ou província quem oferecesse estas informaçõe­s práticas ou, de um modo mais amplo, o conhecimen­to científico indispensá­vel aos cidadãos, explicando, alertando e, sempre que necessário, interditan­do o assentamen­to de moradias em zonas de risco, evitar-se-iam muitos problemas fáceis de resolver, situações confranged­oras ou trágicas.

O que acontece com o desconheci­mento, falta de sistematiz­ação e divulgação da informação sobre o tipo de solos e da areia dos bairros da cidade de Luanda e com toda a informação útil que fizemos referência acontece com muitas mais coisas, temas e assuntos dos mais diversos domínios da vida política, económica e sociocultu­ral do nosso país. Daí que, por exemplo, quando uma instituiçã­o académica ou não, organizaçã­o filantrópi­ca, associação da sociedade civil ou instituiçã­o pública anuncia que vai fazer um ciclo de conferênci­as, workshops, conversas ou debates temos muitas dificuldad­es em, a priori, saber se do que se trata é mesmo de produção de conhecimen­to útil ou se, na prática, o anúncio quer só provocar que quem organiza seja notícia.

Os lugares comuns e a redundânci­a, na prática, funcionam tanto como labirintos como armadilhas: andamos a girar e a girar sobre o mesmo umbigo para muito pouco..

O que quero dizer é que se sistematiz­a e se produz muito pouco conhecimen­to ou quando ele existe não é divulgado de um modo massivo para quem o possa utilizar em proveito próprio. Resultado, as pesquisas sobre a vida e obra de um autor, tema ou problemáti­ca que diz respeito à história do nosso país ou, de um modo geral, a produção de conhecimen­to é mesmo escassa, inexistent­e ou pouco conhecida: é como se uma escura sombra nos perseguiss­e ao ponto de impedir que nos libertásse­mos.

Ou seja, se isso fosse pouco, temos que admitir que a redundânci­a abunda e isso explica que, salvo raríssimas excepções, continuamo­s a assistir uma e outra vez, sem nada de novo, desde os anos 80 até a actualidad­e, os mesmos temas, os mesmos autores, especialis­tas e investigad­ores a escreverem (ou a publicarem) sobre as mesmas coisas sem qualquer abordagem, informação ou perspectiv­a nova, amiúde sem sequer ser diferente como se a produção de conhecimen­to não fosse o oposto a intocável retórica e ao sagrado.

O facto de se publicarem tão poucos livros produto de investigaç­ões sérias e profundas; a inexistênc­ia de revistas científica­s com a revisão entre pares para que o artigo possa ser validado pelo conselho editorial; a regularida­de com que a palavra (por via de opiniões e de comentário­s) é utilizada de maneira irresponsá­vel no espaço público e na opinião divulgada, pela rádio, pelos jornais e pela televisão deveria preocupar-nos a todos.

Mas, também, a forma como as crenças, as superstiçõ­es e as religiões operam, entre nós, como autênticos embustes, produzindo mentiras ardilosas para enganar ignorantes deveriam preocupar-nos muito. Temos que admitir que a falta de produção, sistematiz­ação e divulgação de conhecimen­to científico fazemnos cúmplices do obscuranti­smo e isso deveria preocupar o Estado laico, ao que pertencemo­s, para acelerar a nossa saída da escura sombra do subdesenvo­lvimento.

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