Nativismo e protonacionalismo em Angola
Na década 80 do século XIX, surgiram em Angola vários periódicos, num período de liberalismo constitucional e de imprensa livre em Portugal, dentre eles, «O Comércio de Loanda», «O Cruzeiro do Sul», «A Civilização da África Portuguesa», «O Futuro de Angola», «O Pharol do Povo», «O Arauto Africano», «O Muen’exi», «O Desastre» e «O Polícia Africano». A partir destes periódicos surgiram os primeiros sinais de descontentamento com a situação sócio-política da colónia, onde se relatavam as denúncias de corrupção e abusos da autoridade colonial. Das principais personagens de intervenção nestes periódicos sobressaem nomes de jornalistas, escritores e homens públicos, como: António de Assis Júnior, José de Fontes Pereira, Cordeiro da Matta, Pedro Félix Machado, Francisco Ribeiro Castelbranco, Pedro da Paixão Franco, Apolinário Van-Dúnem e Alfredo Troni. Estes, entre outros, acabaram por ser considerados os pioneiros de um jornalismo e de uma literatura verdadeiramente comprometida com os interesses de Angola.
De acordo como Mário de Andrade, em «Origens do Nacionalismo Africano», o nativismo exprimia “o sentimento colectivo de ser portador de valores próprios, o referente de identificação e confluência das suas aspirações a uma autonomia e futura independência. Confundia-se, na sua dimensão política e cultural, com o patriotismo.” Quanto ao protonacionalismo, na opinião de Custódio Gonçalves, em «Identidades culturais e emergência do nacionalismo angolano», houve dois aspectos relevantes, entre as décadas finais do século XIX e a década de 1930, que estabeleceram uma ligação entre a identidade cultural e o nacionalismo em Angola: o primeiro diz respeito às formas organizadas de oposição à administração colonial, que levaram à emergência de um processo cada vez mais amplo de protonacionalismo, através das reivindicações apresentadas pelos “Filhos do País”; o segundo aspecto apresenta, como linha de força, “a especialização de uma política proteccionista, concretizando, em termos económicos, o desenvolvimento do colonialismo.”
Apesar da suspensão do Código de Trabalho Indígena de 1911 e malogradas as tentativas para limitar estas formas de trabalho por parte de Norton de Matos – quer enquanto governador-geral (entre 1912 e 1914), ou alto-comissário (entre 1921 e 1924) – este governante acabou por promover a colonização branca à custa das terras e do trabalho dos chamados “indígenas”. Se numa primeira fase procurou estabelecer uma aliança com os assimilados através de manifestações de tolerância ou de apoio às suas associações, em breve passou do paternalismo ao controlo e à repressão.
Em resposta, surgiram manifestações contra o trabalho forçado (o chamado “contrato”), com destaque para a Insurreição dos Bakongo (19131915), a Revolta de Catete (1922) e diversas outras no corredor Luanda-Malange (1922-1925), para além das rebeliões em Amboim, Seles e Libolo, provocadas pelo aumento do Imposto de Palhota e que levaram à proibição da venda de pólvora e armas aos “indígenas”. Para que este imposto fosse pago regularmente, foram criadas circunscrições civis e tais medidas conduziam a difíceis situações de sobrevivência das populações.
Sobre esta questão, José Capela, em «O Imposto de Palhota e a Introdução do Modo de Produção Capitalista nas colónias», descreve do seguinte modo um testemunho sobre a situação criada por esta tributação: “Nos antigos ricos distritos de Benguela e do Bié, a cotação do milho dava para tudo. Hoje, para um preto pagar o seu imposto, precisa de quase 1.500 quilos de milho, o que representa a colheita de cerca de 3 hectares. O que lhe fica para se alimentar e vestir? Acresce que nos pontos afastados da linha férrea, já o comerciante não lho pode comprar devido ao custo do transporte. Como há-de levar o indígena o seu milho à linha se, para cada imposto, são precisos cerca de 50 pretos para o transportarem? O que sucede? O preto vende o seu gado, se o tem, ou anda fugido, pois também não encontra facilmente trabalho assalariado”.
Do escol dos intelectuais da época, evidenciamos, neste texto, os nomes de Assis Júnior e de Fontes Pereira:
- António de Assis Júnior, advogado provisionário, foi discípulo de Monsenhor Manuel Alves da Cunha, autor dos livros «O Segredo da Morta», «Relato dos Acontecimentos de Dala Tando e Lucala» e do «Diccionário Kimbundo-Português». Foi também colaborador de inúmeros jornais e revistas literárias e director de «O Angolense». Assumiu a defesa dos proprietários agrícolas nativos, tendo sido preso, em 1917, acusado de liderar uma conspiração em Dala Tando e Lucala e, em 1922, em Catete, sendo posteriormente desterrado para o Cubango. Foi fundador da Liga Nacional Africana e seu dirigente em 1930, 1931, 1933 e 1935 e, igualmente, fundador, em 1939, da Cooperativa Africana.
- José Fontes Pereira, um outro advogado provisionário, exercia a sua actividade profissional em Luanda. Parecia revelar-se, desde logo, um independentista, contrariamente ao pensamento da elite intelectual da época. Deixou também o seu nome indelevelmente marcado no jornalismo da época ao colaborar em vários jornais, como no «Pharol do Povo» (de 1882 a 1885), com artigos que lhe granjearam a admiração e o respeito dos seus conterrâneos. A ele se deve, 60 anos após a data da independência do Brasil, a notícia sobre o primeiro grito de independência, dado pelo tenente-coronel Francisco Pereira Diniz, “homem preto, natural de Benguela, que comandava as companhias de linha d’aquela capitania”.
* Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Interculturais