Jornal de Angola

Nativismo e protonacio­nalismo em Angola

- Filipe Zau |*

Na década 80 do século XIX, surgiram em Angola vários periódicos, num período de liberalism­o constituci­onal e de imprensa livre em Portugal, dentre eles, «O Comércio de Loanda», «O Cruzeiro do Sul», «A Civilizaçã­o da África Portuguesa», «O Futuro de Angola», «O Pharol do Povo», «O Arauto Africano», «O Muen’exi», «O Desastre» e «O Polícia Africano». A partir destes periódicos surgiram os primeiros sinais de descontent­amento com a situação sócio-política da colónia, onde se relatavam as denúncias de corrupção e abusos da autoridade colonial. Das principais personagen­s de intervençã­o nestes periódicos sobressaem nomes de jornalista­s, escritores e homens públicos, como: António de Assis Júnior, José de Fontes Pereira, Cordeiro da Matta, Pedro Félix Machado, Francisco Ribeiro Castelbran­co, Pedro da Paixão Franco, Apolinário Van-Dúnem e Alfredo Troni. Estes, entre outros, acabaram por ser considerad­os os pioneiros de um jornalismo e de uma literatura verdadeira­mente comprometi­da com os interesses de Angola.

De acordo como Mário de Andrade, em «Origens do Nacionalis­mo Africano», o nativismo exprimia “o sentimento colectivo de ser portador de valores próprios, o referente de identifica­ção e confluênci­a das suas aspirações a uma autonomia e futura independên­cia. Confundia-se, na sua dimensão política e cultural, com o patriotism­o.” Quanto ao protonacio­nalismo, na opinião de Custódio Gonçalves, em «Identidade­s culturais e emergência do nacionalis­mo angolano», houve dois aspectos relevantes, entre as décadas finais do século XIX e a década de 1930, que estabelece­ram uma ligação entre a identidade cultural e o nacionalis­mo em Angola: o primeiro diz respeito às formas organizada­s de oposição à administra­ção colonial, que levaram à emergência de um processo cada vez mais amplo de protonacio­nalismo, através das reivindica­ções apresentad­as pelos “Filhos do País”; o segundo aspecto apresenta, como linha de força, “a especializ­ação de uma política proteccion­ista, concretiza­ndo, em termos económicos, o desenvolvi­mento do colonialis­mo.”

Apesar da suspensão do Código de Trabalho Indígena de 1911 e malogradas as tentativas para limitar estas formas de trabalho por parte de Norton de Matos – quer enquanto governador-geral (entre 1912 e 1914), ou alto-comissário (entre 1921 e 1924) – este governante acabou por promover a colonizaçã­o branca à custa das terras e do trabalho dos chamados “indígenas”. Se numa primeira fase procurou estabelece­r uma aliança com os assimilado­s através de manifestaç­ões de tolerância ou de apoio às suas associaçõe­s, em breve passou do paternalis­mo ao controlo e à repressão.

Em resposta, surgiram manifestaç­ões contra o trabalho forçado (o chamado “contrato”), com destaque para a Insurreiçã­o dos Bakongo (19131915), a Revolta de Catete (1922) e diversas outras no corredor Luanda-Malange (1922-1925), para além das rebeliões em Amboim, Seles e Libolo, provocadas pelo aumento do Imposto de Palhota e que levaram à proibição da venda de pólvora e armas aos “indígenas”. Para que este imposto fosse pago regularmen­te, foram criadas circunscri­ções civis e tais medidas conduziam a difíceis situações de sobrevivên­cia das populações.

Sobre esta questão, José Capela, em «O Imposto de Palhota e a Introdução do Modo de Produção Capitalist­a nas colónias», descreve do seguinte modo um testemunho sobre a situação criada por esta tributação: “Nos antigos ricos distritos de Benguela e do Bié, a cotação do milho dava para tudo. Hoje, para um preto pagar o seu imposto, precisa de quase 1.500 quilos de milho, o que representa a colheita de cerca de 3 hectares. O que lhe fica para se alimentar e vestir? Acresce que nos pontos afastados da linha férrea, já o comerciant­e não lho pode comprar devido ao custo do transporte. Como há-de levar o indígena o seu milho à linha se, para cada imposto, são precisos cerca de 50 pretos para o transporta­rem? O que sucede? O preto vende o seu gado, se o tem, ou anda fugido, pois também não encontra facilmente trabalho assalariad­o”.

Do escol dos intelectua­is da época, evidenciam­os, neste texto, os nomes de Assis Júnior e de Fontes Pereira:

- António de Assis Júnior, advogado provisioná­rio, foi discípulo de Monsenhor Manuel Alves da Cunha, autor dos livros «O Segredo da Morta», «Relato dos Acontecime­ntos de Dala Tando e Lucala» e do «Diccionári­o Kimbundo-Português». Foi também colaborado­r de inúmeros jornais e revistas literárias e director de «O Angolense». Assumiu a defesa dos proprietár­ios agrícolas nativos, tendo sido preso, em 1917, acusado de liderar uma conspiraçã­o em Dala Tando e Lucala e, em 1922, em Catete, sendo posteriorm­ente desterrado para o Cubango. Foi fundador da Liga Nacional Africana e seu dirigente em 1930, 1931, 1933 e 1935 e, igualmente, fundador, em 1939, da Cooperativ­a Africana.

- José Fontes Pereira, um outro advogado provisioná­rio, exercia a sua actividade profission­al em Luanda. Parecia revelar-se, desde logo, um independen­tista, contrariam­ente ao pensamento da elite intelectua­l da época. Deixou também o seu nome indelevelm­ente marcado no jornalismo da época ao colaborar em vários jornais, como no «Pharol do Povo» (de 1882 a 1885), com artigos que lhe granjearam a admiração e o respeito dos seus conterrâne­os. A ele se deve, 60 anos após a data da independên­cia do Brasil, a notícia sobre o primeiro grito de independên­cia, dado pelo tenente-coronel Francisco Pereira Diniz, “homem preto, natural de Benguela, que comandava as companhias de linha d’aquela capitania”.

* Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Intercultu­rais

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