Bolsonaro pode ser destituído do cargo
Numa semana, o presidente da Câmara dos Deputados tocou no assunto. A oposição também. E a imprensa idem. O presidente da entidade que pode desencadeá-lo, a Ordem dos Advogados, disse ao DN que "esse é um debate de toda a sociedade"
Tema na agenda política do Brasil praticamente desde o dia seguinte à tomada de posse de Jair Bolsonaro, o impeachment (destituição) voltou às manchetes na última semana, após o ainda presidente da Câmara dos Deputados dizer que a gestão do Chefe de Estado no caso da vacina contra o coronavírus ser passível de impedimento e de a oposição voltar a carregar na tecla e de a imprensa o defender em editoriais.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pelo peso jurídico que conferiria, é considerada peça chave num eventual pontapé de saída no processo.
“Nós já colocamos em andamento o debate sobre o impedimento, que vai para a nossa Comissão de Estudos Constitucionais”, disse ao DN o presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz.
“Há muitos juristas que entendem que houve crime de responsabilidade, em especial no combate à pandemia, mas esse debate não cabe só à OAB, é um debate do Congresso, é um debate principalmente da sociedade, é preciso que a população manifeste o seu pensamento”.
Mais do que a sustentação jurídica sobre eventuais crimes de responsabilidade, foi a pressão da crise económica e das manifestações populares que levou aos impeachments de Dilma Rousseff, em 2016, e de Collor de Mello, em 1992. Ironicamente, pode ser a pandemia, cuja gestão do Governo desagrada à maioria dos brasileiros, que pode ir poupando Bolsonaro por impedir aglomerações em forma de protestos.
“Sim, na medida que impede que o Congresso se reúna, na medida que impede que a OAB se reúna presencialmente, na medida que impede que as parcelas da sociedade, em especial da classe média, que hoje estão profundamente insatisfeitas com o presidente e o seu Governo, possam expressar essa insatisfação através do direito de livre manifestação, cerceado pela limitação de circular que se impõe pela pandemia”.
“Mas, no ponto principal dos eventuais ou possíveis crimes de responsabilidade, é exactamente a condução confusa, o boicote à visão científica defendida pelos primeiros dois ministros da Saúde desta pandemia, afastados por motivos absolutamente pequenos, e, claro, os gestos simbólicos próaglomeração, pró-descaso com a doença e em inúmeras frases e declarações infelizes, que fazem com que a pandemia também seja o grande problema do Presidente Bolsonaro”, diz Santa Cruz.
Para o jurista, aliás, “essa condução incompetente durante a pandemia será julgada pela história mais do que julgada por um impeachment”.
Além do eventual processo protagonizado pela OAB, Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, tem na sua secretária perto de 60 outros pedidos de impeachment de Bolsonaro, com origem em partidos, entidades, cidadãos comuns. Até hoje, guardouos todos na gaveta. Nos últimos dias, admitiu rever a decisão, dada a demora e o atabalhoamento do Governo no processo de imunização.
“Acho que a vacina pode levar a um processo de impeachment, que surge sempre em resultado de uma pressão da sociedade, se ele não se organizar rapidamente”.
A viver os últimos dias de mandato, Maia pode passar a bola ao sucessor na Câmara Baixa do Congresso. Baleia Rossi, aliado de Maia, tem discurso no mesmo sentido: “Impeachment? É uma prerrogativa do Parlamento e nós não poderemos abrir mão de nenhuma prerrogativa”. Apesar de ter votado a favor da queda de Dilma, em 2016, Baleia candidata-se à chefia dos deputados com o apoio do partido dela, o PT. Mas mediante contrapartidas, como disse o parlamentar “petista” José Guimarães ao DN: “Foi estabelecido no acordo com Baleia a defesa intransigente da Constituição e isso significa tudo, isto é, que nenhum processo, de impeachment ou outro, será engavetado”.
E o PT protocolou mais um pedido de impeachment nos últimos dias depois de Bolsonaro ter dito que, caso nas presidenciais de 2022 haja recurso ao voto electrónico, que o Presidente combate apesar de ser considerado por especialistas o método mais fiável, as cenas recentes no Capitólio, em Washington, terão sequela “muito pior” em Brasília.
Ciro Gomes, que ficou logo atrás do candidato do PT, Fernando Haddad, no sufrágio de 2018 que elegeu Bolsonaro, reagiu no mesmo tom dias depois, após a empresa Ford ter anunciado o fecho das suas fábricas no Brasil. “O nosso país segue afundando no processo de desindustrialização. Bolsonaro vai liquidar a nossa nação.
Congresso, cumpra o seu dever: impeachment já”.
O Congresso, porém, faz contas: para manter Bolsonaro no cargo, bastam os votos de 171 deputados (um terço da Câmara); os projectos vindos do Palácio do Planalto, entretanto, têm tido apoio médio de 300 parlamentares, número suficiente para barrar um impeachment. É aqui que entram a imprensa e o caso de Donald Trump e Nancy Pelosi, presidente da República e presidente da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, respetivamente.
Para Hélio Schwartsman, colunista do jornal “Folha de S. Paulo”, “na actual conjuntura política, um processo de impeachment de Jair Bolsonaro seria derrotado, mas daí não decorre que não tenhamos a obrigação moral de tentar”. “É uma satisfação que devemos aos pósteros: o Partido Democrata dos EUA passou por idêntica situação em 2020 e optou por dar seguimento ao primeiro impeachment de
Donald Trump, mesmo sabendo que o processo morreria no Senado. Os democratas e os americanos que os apoiavam fizeram questão de mostrar que não haviam ficado cegos nem abandonado as noções básicas de rectidão e decência”.
A destituição na história
Getúlio Vargas 1953
favorecimento a jornal com dinheiro público
rejeitado
Presidente: Ano: Motivo: Resultado:
Presidentes interinos: Café Filho e Carlos Luz
1955
na sequência do suicídio de Vargas, em 1954, e da eleição de Juscelino Kubitschek, em 1955, foram acusados de conspiração para não deixar Kubitschek assumir a Presidência
aprovado Sucessor: o eleito Juscelino Kubitschek
Ano: Motivo: Resultado: Presidente: Ano: Motivo:
1992
crime de responsabilidade na sequência de esquema de corrupção em torno de PC Farias, tesoureiro da campanha do Presidente aprovado o Vice-Presidente Itamar Franco
Resultado: Sucessor: Presidente:
Rousseff
2016
edição de créditos extraordinários chamados na gíria de Brasília de “pedaladas fiscais”
Ano: Motivo:
aprovado o Vice-Presidente Michel Temer
Resultado: Sucessor:
Collor de Mello
Dilma