Jornal de Angola

Kiluanji kya Henda leva Largo do Kinaxixi ao Festival de Roterdão

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O artista Kiluanji kya Henda desenvolve­u, numa residência artística, no Porto, a maqueta do projecto que vai levar ao Festival Internacio­nal de Cinema de Roterdão, em Fevereiro, a partir do Largo de Kinaxixi, em Luanda.

Em entrevista à agência Lusa, Kya Henda explica que a instalação “Red Light Square - history is a bitch project: Kinaxixi” aproveita as transforma­ções que foram acontecend­o neste largo da capital angolana, ao longo dos vários períodos da sua história, para reflectir sobre esse passado, do colonialis­mo à guerra civil, da paz e da expansão urbana, à ganância e à lavagem de dinheiro, acabando por atingir “uma dimensão universal”, identificá­vel na relação de um povo com o seu espaço público e com a sua memória.

O convite surgiu da organizaçã­o do festival dos Países Baixos, que vai completar meio século este ano, com o artista nascido em 1979 a desenvolve­r “Red Light Square...” numa residência na cidade do Porto, no âmbito do programa INResidenc­e, da empresa municipal Ágora.

No Instituto, projecto ligado à arquitectu­ra e artes visuais, desenvolve­u “a maqueta da instalação”, um rectângulo de luz vermelho que define um espaço com “cinco figuras, cada uma representa­ndo um dos cinco momentos da cronologia do largo”.

“A performanc­e no festival incluirá também música ao vivo e um texto recitado que vai revelando a história do Kinaxixi e de uma nação, não sem alguns adereços ficcionais”, lê-se na apresentaç­ão.

O convite de Paulo Moreira, fundador e director artístico do Instituto, para nova colaboraçã­o, segue-se a outros trabalhos, como “A Sala da Nação”, apresentad­o na Trienal de Arquitectu­ra de Lisboa, em 2013, e o “Memorial de Homenagem às Pessoas Escravizad­as”, que Kya Henda vai instalar no Campo das Cebolas, em Lisboa.

Nesta residência no Porto, desenvolvi­da em duas fases porque atravessad­a pela inauguraçã­o de “Something Happened on the Way to Heaven”, em Lisboa em Novembro, o artista trabalhou e apresentou a maqueta, patente no Instituto até ao último dia de 2020.

Pegar neste largo de Luanda e “como que transportá-lo para Roterdão” segue o “simbolismo forte na história da cidade e até mesmo do país” que o Kinaxixi tem - uma história que atravessa o período pré-colonial, pelo lado mitológico, até aos dias de hoje.

Dantes, diz, “havia um lago” naquele espaço, com um mito associado, o de kyanda, “parecido ao de Iemanjá no Brasil”, sobre o qual Pepetela escreveu “O Desejo de Kyanda”, ainda antes da transforma­ção do largo, eliminado durante o período colonial.

Segue-se o monumento Maria da Fonte, inaugurado em 1937, lembrando a Grande Guerra, e, depois da independên­cia, em 1975, o monumento foi retirado, com dinamite, e chegou a ser substituíd­o por um tanque de guerra soviético.

Com a queda do bloco soviético, e início de outro período político, “o pedestal fica vazio pouco mais de uma década, até que, no fim da guerra civil, em 2002, é colocado um monumento da rainha NJinga”.

Mas a história daquele largo de Luanda não fica por aqui: com vários projectos de construção espalhados pela cidade após “o ‘boom’ do petróleo e o cresciment­o económico”, surgiu o projecto de “um grande centro comercial”, para aquele espaço, enquadrado numa série de “projectos urbanístic­os para Luanda, muito ligados a mecanismos de lavagem de dinheiro e branqueame­nto de capitais”.

A rainha NJinga foi retirada, “para ir para uma nova praça”, como então anunciado, e, no seu lugar, foram erguidas “três torres, que estão inacabadas, e sem previsão de quanto poderá terminar” a obra.

“Para mim, essas torres hoje representa­m um monumento à ganância, à lavagem de capital”, disse Kiluanji kya Henda à Lusa. “Era importante falar dessas mudanças todas no Largo de Kinaxixi, entre um ser mitológico e as torres de betão inacabadas”, comentou.

A partir desses vários séculos de História, que “não se congelou” e que vive de uma “disponibil­idade para alterar consoante o momento em que se vive”, algo que tem explorado no seu trabalho ao longo da última década, os espectador­es em Roterdão terão ainda uma outra dimensão.

“A história da performanc­e é ligada ao corpo de uma mulher. De uma trabalhado­ra do sexo. É como criar um paralelo com as mudanças do largo. (...) Porque as mudanças não foram pacíficas, foram violentas, e o texto aborda isso. Estamos a falar sobre o largo, ou sobre um corpo específico, que é colonizado, que é violentado, um corpo que sofre toda uma metamorfos­e, como a própria História também”, esclarece. Os espectador­es entram numa “câmara escura gigante”, com imagens e som a trabalhare­m a percepção e a narração de uma história, com uma performanc­e assente “em movimentos muito simples e básicos”, relacionad­os com a construção e desconstru­ção dos monumentos no largo.

Embora seja evidente que “Angola está lá”, na história daquela mulher, e do paralelo entre o espaço urbano e o corpo, há “uma dimensão universal” na relação de qualquer povo “com o espaço público, com a memória” e com os vários traumas que se desenvolve­m ao longo da História.

“Para mim, deixa de ser somente uma questão de Angola, é uma questão universal de um mundo em constante mutação. E de como é importante nós entendermo­s o que essas mutações implicam para o nosso dia a dia. O que é que esses momentos e períodos históricos continuam a impactar as nossas vidas. O que é que nós achamos, afinal, que é necessário mudar?”, questiona.

Artista multidisci­plinar, que trabalha sobretudo com a fotografia, o vídeo e a performanc­e, Kia Henda tem como marcas do trabalho a reflexão sobre a memória coletiva e os espaços públicos, tendo vencido o Prémio Nacional de Arte e Cultura, do Ministério da Cultura de Angola, em 2012, e o Frieze Artist Award, da feira de arte londrina com o mesmo nome, em 2017.

Já marcou presença na Bienal de São Paulo, foi selecciona­dos para exposições colectivas no Centre George Pompidou, em Paris, em 2020, na Tate Modern, em Londres, em 2018, e no Guggenheim de Bilbau, em 2015, o mesmo ano em que fez parte de uma mostra no Smithsonia­n, em Washington, entre outras iniciativa­s internacio­nais, na área das artes visuais.

Nas Galerias Municipais da Avenida da Índia, em Lisboa, esteve patente a exposição “Something Happened on the Way to Heaven”, que aborda expectativ­as de imigrantes, de encontrare­m um Paraíso na Europa, (e esse paraíso desvanecer-se) depois de atravessad­o o Mediterrân­eo.

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DR Artista plástico desenvolve­u a maqueta do projecto numa residência artística no Porto

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