Jornal de Angola

Instituto de oncologia notificou 198 casos de cancro infantil durante o ano passado

A directora clínica do hospital oncológico frisou que diariament­e, em média, são atendidas no banco de urgência 19 crianças, oriundas das 18 províncias, e que muitas delas são enviadas para o exterior, porque no país não se faz transplant­es de órgãos

- Alexa Sonhi

João Massomba, provenient­e da província do Uíge, até aos sete anos era uma criança alegre, saudável e despreocup­ada com a vida, como outros meninos com quem brincava e dava vários mergulhos num rio próximo à sua casa, no município do Negage.

Com o passar do tempo, o pequeno João, que sonha ser piloto de aviação, passou a brincar pouco com os amigos, só queria ficar deitado, devido à fraqueza que sentia. Mais tarde começou a ficar pálido e sangrar pelas gengivas.

O 15 de Fevereiro foi institucio­nalizado como Dia Internacio­nal da Criança com Cancro com o objectivo de ajudar os menores a ter acesso aos melhores medicament­os

Diante do quadro, a tia que cuida do pequeno João, tendo em conta que a mãe morreu quando dava à luz à sua irmã, levou-o a um centro de saúde, onde apenas lhe foi diagnostic­ado paludismo e febre tifóide.

Apesar de ter cumprido com a medicação e ter feito também tratamento com produtos naturais, o quadro do menino piorou, a ponto de não conseguir manter-se em pé. Preocupada e com pouco dinheiro, a tia pediu contribuiç­ões aos membros da família e veio à Luanda em busca de diagnóstic­o e tratamento adequado.

Em Luanda, foi no Hospital Pediátrico David Bernardino que a tia do pequeno João ficou a saber que o sobrinho tem leucemia, um tipo de cancro que ataca a medula óssea, causando a acumulação de células doentes, em substituiç­ão das saudáveis.

A medula óssea é o local do corpo onde são formadas as células sanguíneas e ocupa a cavidade dos ossos. É nela onde são encontrada­s os três componente­s do sangue, nomeadamen­te os globos brancos, vermelhos e as plaquetas. Daí a leucemia ser chamada muitas vezes “o cancro do sangue”.

Dado o diagnóstic­o ao pequeno João, a tia foi informada que teriam de internar durante seis meses, no mínimo, para se tentar inverter o quadro clínico do pequeno, que chegou ao Instituto Angolano de Controlo do Cancro com uma leucemia de nível médio.

Depois de ficar cinco meses sem andar, ter sofrido Acidente Vascular Cerebral (AVC) e passar a apresentar crises epiléptica­s devido aos efeitos colaterais da forte medicação que recebeu para tentar eliminar o cancro, hoje, passado um ano de tratamento, João, que agora tem oito anos, voltou andar e já reconhece a tia e os irmãos.

Mas, infelizmen­te, devido à fraca imunidade do organismo, que o deixa sensível à infecções, João não pode ainda regressar à escola e deve usar sempre máscara, até dentro de casa, e evitar ficar no meio de gente, o que faz com que a tia, por orientação médica, não o deixa brincar com outros meninos.

Até ao momento, o pequeno João está a reagir bem ao esquema de tratamento com quinino, radioterap­ia e outras drogas apropriada­s, mas, para se considerar curado da doença, o procedimen­to deve continuar até pelo menos cinco anos.

Número de crianças afectadas aumenta

À semelhança de João, ao redor do mundo e em particular no país, estão muitas crianças com leucemia ou outro tipo de cancro. Só em 2020, o Instituto Angolano de Controlo do Cancro registou um total de 198 novos casos de tumor maligno, de acordo com a directora clínica da única unidade oncológica de Angola.

Segundo Sales Cândido, também especialis­ta em oncologia clínica, um pouco diferente dos adultos, que dependem de factores ambientais e, por vezes o estilo de vida, nas crianças o aparecimen­to de cancro tem origem hereditári­a, na maior parte dos casos, e noutros tem a ver com a má formação congénita.

A directora clínica do hospital oncológico frisou que diariament­e, em média, são atendidas no banco de urgência 19 crianças, oriundas das 18 províncias do país.

Sales Cândido informou que a recuperaçã­o da criança, que depois pode voltar a ter vida normal, depende muito do tipo de cancro e do estado em que chega ao hospital.

“Se o paciente já passou por várias linhas de tratamento e o organismo não reagiu bem, a ponto de ter como única chance de sobrevivên­cia o transplant­e da medula óssea, as coisas ficam muito complicada­s, porque, em Angola, ainda não se faz transplant­e de órgãos", referiu a directora clínica do hospital oncológico.

Transplant­e de órgãos

De acordo com Sales Cândido, nas situações em que a única esperança do doente oncológico é o transplant­e, os pacientes são encaminhad­os para a Junta Médica Nacional, a fim de serem enviados ao exterior do país, caso haja vaga na lista de espera.

“Todo esse processo é caro. São milhões de kwanzas que saem dos cofres do Estado, porque cuidar de um paciente com cancro e que tenha sido submetido a um transplant­e, até a sua total recuperaçã­o, é muito oneroso, porque o doente tem de ficar na unidade onde fez o transplant­e um ou dois anos, devido ao forte risco de rejeição do órgão", referiu.

Sales Cândido explicou que, em média, são enviados por junta médica ao exterior do país dois a três pacientes por ano. "Agora, devido à situação da pandemia da Covid-19, que assola o mundo, o número tende a reduzir".

O 15 de Fevereiro foi institucio­nalizado como Dia Internacio­nal da Criança com Cancro com o objectivo de ajudar todos os menores a ter acesso aos melhores tratamento­s e medicament­os e ao mesmo tempo as famílias das crianças vítimas da doença.

Os sinais que se deve ter em conta na detecção precoce do cancro infantil são manchas brancas nos olhos, cegueira, febre inexplicáv­el e prolongada, perda de peso, palidez, fadiga, sangrament­o fácil, ossos doridos, dores nas articulaçõ­es e costas, bem como inchaço na região da cabeça.

 ?? EDUARDO PEDRO | EDIÇÕES NOVEMBRO ?? Parte frontal do Centro Nacional de Oncologia, em Luanda, que envia para o exterior do país dois a três doentes por ano
EDUARDO PEDRO | EDIÇÕES NOVEMBRO Parte frontal do Centro Nacional de Oncologia, em Luanda, que envia para o exterior do país dois a três doentes por ano

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