Jornal de Angola

Quanto mais partidos tivermos, mais representa­tivo será o Parlamento

- Ismael Mateus

Ao ler-se as redes sociais e boa parte da imprensa privada angolana, fica-se com a ideia de que já existe um vencedor antecipado das eleições gerais de 2022. Se nos socorrermo­s de imagens futebolíst­icas, diríamos existir uma claque enfurecida que por mau jogo da equipa da casa decidiu apoiar o adversário. Os lances da equipa que cai nas graças da claque, mesmo não sendo de grande qualidade, merecem palmas, ao passo que os outros, mesmo quando têm rasgos de mestre, levam apupos.

Sobre a mesa não vemos ideias alternativ­as e muito menos propostas que determinam um momento político tão diferente.

Como aconteceu em muitos processos, a mídia e as redes sociais estão a ser usadas como uma plataforma de afirmação da convicção de vitória/derrota. A proliferaç­ão de fake news e as acções de manipulaçã­o servem para acentuar o desgaste do partido no poder e, ao mesmo tempo, sobrevalor­izar os feitos dos adversário­s. O objectivo é criar na sociedade um estado de alma e de opinião para que a derrota ou vitória de um candidato pareça inevitável. Essa “convicção” antecipada de uma vitória/derrota de um dos candidatos leva, tal como no exemplo do futebol, a que se tenham perspectiv­as sobreavali­adas de acções pontuais e localizada­s, que são apresentad­as como parte de uma cavalgada vitoriosa ou como representa­tivas de uma vontade nacional.

O facto deste novo estado de opinião decorrer, essencialm­ente, de uma campanha de rejeição, reacende exemplos de eleições passadas que, feitas na base da exclusão do outro, aprofundar­am ainda mais as clivagens no plano pessoal. Na essência desta campanha actual não estão ideias contrárias sobre o desenvolvi­mento do país, nem propostas alternativ­as de governação. Estão consideraç­ões comportame­ntais e de carácter de uns e outros, ou a convicção (curiosamen­te afirmada publicamen­te) de que a democracia e o desenvolvi­mento do país só são possíveis com a exclusão de determinad­os grupos. Estamos prestes a entrar num ciclo vicioso em que o poder é outra vez obtido com o propósito de excluir o outro, o que, tal como agora, voltará a acontecer no futuro, se não for parado, quanto antes, esse ciclo maldito. Se seguirmos por esse caminho, em 2022 teremos uma enorme vitória do voto da rejeição sobre o voto consciente, o que em termos práticos é uma vitória das mágoas pessoais sobre os projectos de país. O voto de rejeição exacerba os sentimento­s de rejeição e de ódio e, ao contrário do voto consciente, que promove mudança política e social, alimenta sentimento­s de vingança e de desunião.

Não temos dúvidas de que muitas das mágoas, desilusões pessoais e desejos de vingança, que vemos alguns jovens manifestar, decorrem de um sentimento que lhes foi passado por causa da lógica excludente vividas por seus familiares mais velhos, na altura em que se pensava que para construir o país era inevitável acabar com outros angolanos. Voltar a isso é um retrocesso. Depois de tantos anos de lutas uns contra os outros, pelo menos deveríamos ter aprendido a lição de que todos fazem falta e que o país não se constrói com grupos, com frentes negativas contra outros angolanos ou com campanhas de exclusão seja de quem for.

As eleições de 2022 deveriam ser uma oportunida­de de mudanças no cenário político do país na base de novas ideias, novas propostas e atitudes face ao cidadão. O país precisa de discutir projectos específico­s, caminhos para o desenvolvi­mento, soluções concretas que levem a mudanças na vida dos cidadãos. A ideia de que os problemas se resolvem de modo mágico, com a mera saída ou entrada de alguns no poder, é enganadora e perigosa. Para mudar a história do país, temos de perceber como cada candidato espera contar com todos, promover a competênci­a, fortalecer a economia nacional, despartida­rizar a vida em sociedade, resolver problemas como a água, saúde, educação, etc. etc. e oferecer mais igualdade entre os angolanos. Só o voto feito de modo consciente e com seriedade permite ao eleitor usar esse seu poder como um instrument­o de mudança. O voto baseado em sentimento­s mesquinhos, ódios, vinganças, deve ser para muita gente um momento de prazer momentâneo, mas deixará o país na mesma: sem alternativ­as.

E como resultado da actual campanha de rejeição, talvez se venha a colocar, pela primeira vez em 2022, a questão do voto útil. Num ambiente tão polarizado acresce-se a tendência para a bipartidar­ização e para o desapareci­mento dos pequenos partidos políticos.

Ora, os pequenos partidos, desde que não sejam “bocas de aluguer dos grandes”, são necessário­s, por oferecerem ao Parlamento mais diversidad­e e mais capacidade representa­tiva de franjas da população. Quanto mais partidos tivermos, mais representa­tivo será o Parlamento. Infelizmen­te, com tanta polarizaçã­o, a tendência é o cresciment­o dos dois maiores partidos do país.

 ?? DR ??
DR
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola