Jornal de Angola

A limpeza de Luanda

- Luciano Rocha

O estado progressiv­o de imundice pública em Luanda é tão grave para a saúde pública que deve merecer a atenção de especialis­tas de vários sectores, o que não dispensa acções imediatas de limpeza, com meios apropriado­s.

A opinião foi manifestad­a, sexta-feira,nestemesmo­espaço, no qual se alertava, igualmente, paraaincon­sequênciad­orecurso a “brigadas de voluntário­s”, por o assunto ser demasiado sério, muito mais do que alguns pensam, para ser encarado com ligeireza do amadorismo.

Na altura em que escrevíamo­s, o Governo Provincial não tinha anunciado, para hoje, a “operação de limpeza” com a participaç­ão de moradores das várias zonas de Luanda. Infelizmen­te, concretizo­u-se o receio de ver anunciadas, em pleno século XXI, iniciativa­s em voga nos anos de 1970, quando Luanda e os tempos eram outros. Muitos de nós, viveram, então, momentos irrepetíve­is das nossa vidas, de fulgor revolucion­ário soprado por ventos de exemplos internos e externos. Era a liberdade, na autêntica acepção da palavra, que não tardou a esmorecer esfrangalh­ada por conceitos, sobre os quais não éramos ouvidos. Uns quantos faziam-no por todos, com base em modelos decalcados de outras bandas. Ainda não tínhamos Bandeira, nem Hino e já nos eram impostos organismos e processos, contra os quais se tinham lutado. Tudo, em nome do “bem nacional”.

Assim, num ápice, surgiu a polícia política. Um clima de suspeição, vivido no tempo da ocupação, ressurgiu. Com todos a desconfiar de todos. Nos empregos, bairros, bares, em casa. Com prisões por vinganças de toda a ordem, apropriaçã­o de bens e tudo o mais que mentes perversas concebem. Mais tarde, os “sábados vermelhos”, com resultados que se sabem.

Luandaera,nosanosde1­970, cidade provincian­a, com meia dúzia de habitantes. Os jovens levadospel­ofulgorrev­olucionári­o agora já não o são. Os sobreviven­tes trabalham, descansam, finalmente, o corpo de uma vida a “vergar a mola” ou aburguesar­am-se, enriquecer­am; os jovens de agora têm outros interesses - estudam os que podem, procuramem­prego.Quemresta? Os desocupado­s por opção, as contraband­istas do nosso dinheiro e quem as fornece? Os “militantes disciplina­dos”, mais os que aparecem sempre para ficar na fotografia? E quantos são precisos para limparem a província de uma ponta a outra? E quando chegarem ao fim voltamaoin­ício,entretanto,jásujo? Que meios vão usar : vassouras, pás e baldes caseiros? E no dia seguinte que rendimento têm nas empresa que lhes pagam os salários? E os que aceitarem o desafio não são transgress­ores do recolhimen­to domiciliár­io decretado pelo Presidente da Republica? Ou, afinal, o lixo não é nada amigo da Covid19, pelo contrário, protege quem se junta a ele?

A limpeza de Luanda pode ser perigosa.

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