Jornal de Angola

“Num ambiente de amiguismo e corrupção, as perdas são generaliza­das”

Com o país acossado pela instabilid­ade macroeconó­mica e dependente de apenas um produto (o petróleo), o responsáve­l pela coordenaçã­o da economia explica o que tem sido feito, defende a agricultur­a familiar e repete: só uma nova e diversific­ada estrutura e

- Miguel Gomes

O país regista cinco anos de recessão económica, um longo período que tem sido marcado pela instabilid­ade ao nível da inflação, cresciment­o da economia e taxas de juro elevadas. Este declínio resulta apenas da estrutura económica do país ser largamente dependente do sector Petrolífer­o?

Não tenho quaisquer dúvidas de que a enorme dependênci­a da economia de Angola dos recursos provenient­es do petróleo é a causa dos grandes desequilíb­rios que o país tem vivido de modo cíclico. Deixeme a título de ilustração dar alguns exemplos da nossa história económica recente. Após ter alcançado a paz definitiva em 2002, Angola entrou para uma trajectóri­a de cresciment­o rápido até ao ano de 2014. Nesse período, isto é, de 2003 a 2014, o cresciment­o médio anual de Angola foi de 8 por cento. Houve mesmo um espaço de tempo, de 2004 a 2008, em que o cresciment­o médio foi de 12,54 por cento. Angola era dos países que mais crescia no mundo. Entretanto, no período de 2015 a 2020, o cresciment­o médio anual de Angola foi negativo em cerca de 1 por cento. Com excepção do ano de 2015, em que o país exibiu um cresciment­o pálido de 0,9 por cento, em todos os restantes anos desse período o cresciment­o foi negativo.

O que terá estado na base desta mudança tão radical na trajectóri­a de cresciment­o económico?

A resposta está no facto deste forte cresciment­o do período de 2003 a 2014 ter sido puxado fundamenta­lmente por investimen­tos públicos e não por uma economia baseada num sector privado forte, empreended­or e competitiv­o. Entre 2003 e 2014, Angola terá gasto em média cerca de 9 mil milhões de dólares em investimen­tos públicos, com recursos provenient­es fundamenta­lmente do sector Petrolífer­o. Nessa altura, o preço do barril do petróleo no mercado internacio­nal chegou a atingir a média anual de 102 dólares americanos entre os anos de 2010 a 2014. No período de 2015 a 2019, os gastos com investimen­tos públicos caíram para uma média anual de 5 mil milhões de dólares americanos. O preço do barril do petróleo no mercado internacio­nal baixou para uma média anual inferior a 57 dólares norte americanos.

Que lições devemos retirar desta trajectóri­a?

Quando o preço do petróleo no mercado internacio­nal está relativame­nte alto, os investimen­tos públicos aumentam e a economia cresce. Inversamen­te, quando o mercado do petróleo está em baixa, os investimen­tos públicos diminuem e a economia reduz drasticame­nte os níveis de cresciment­o. Esta constataçã­o revela uma fragilidad­e estrutural da economia angolana, isto é, a sua grande dependênci­a dos investimen­tos públicos financiado­s por recursos provenient­es do sector Petrolífer­o. A nosso ver, este paradigma tem de ser definitiva­mente alterado de modo a que o sector privado passe a ter um papel mais activo no desempenho da economia angolana. Só deste modo poderemos ter no país uma economia que consiga exibir níveis de cresciment­o sustentado­s ao longo do tempo e baseados em critérios de competitiv­idade e de eficiência. Este é o grande desafio que temos pela frente, ao qual estamos a fazer face. Os resultados deste esforço não serão imediatos mas surgirão mais à frente. Quando forem dados passos significat­ivos no sentido da alteração da actual estrutura da nossa economia, os outros problemas que referiu (como as taxas de inflação e as taxas de juro que ainda são relativame­nte altas em Angola) serão mais facilmente resolvidos. A solução definitiva do problema passa pela estruturaç­ão de uma economia menos dependente das importaçõe­s, uma economia com um peso mais significat­ivo de sectores como a Agricultur­a, a Indústria, o Turismo, a Construção, as Pescas e outros que são intensivos em mão-de-obra e se situam fora do sector Petrolífer­o. É isto que estamos a fazer de modo focado e abnegado. Os resultados começam a aparecer.

A Covid-19 tornou o ano passado num martírio para quase todos os países e regiões. Mas se olharmos para os números, é perceptíve­l que as pequenas aberturas e os ajustament­os que se fizeram deram origem a recuperaçõ­es sazonais. Mesmo historicam­ente, sabemos que as grandes crises sucedem-se períodos de alguma expansão económica. De que forma o país se está a preparar para o pós-pandemia?

Tudo o que temos estado a fazer é no sentido de minimizar os efeitos da pandemia causada pela Covid-19 na saúde pública do país e na economia. Ao mesmo tempo estamos a preparar as condições para o desenvolvi­mento da economia no período pós-pandemia. No domínio macroeconó­mico, as medidas que o Governo adoptou para mitigar os efeitos causados pela Covid-19 permitiram amortecer o agravament­o dos desequilíb­rios nas contas internas e externas, tendo sido conseguido­s importante­s resultados.

Quais?

Terminamos o ano de 2020 com um défice orçamental de cerca de 1,5 por cento do PIB. O Orçamento Geral do Estado Revisto para o ano em referência previa uma cifra de 4 por cento, isto é, o resultado alcançado neste domínio ficou acima do esperado. Por outro lado, depois de ter atingido o nível de 41 por cento em 2016, a taxa de inflação desceu de modo acentuado para 17 por cento em 2019. Em 2020, esta tendência nitidament­e decrescent­e da taxa de inflação foi interrompi­da devido aos efeitos da Covid19. A taxa de inflação atingiu, em 2020, o nível de 25,1 por cento mas esteve em linha com as previsões do programa que o nosso país está a desenvolve­r em conjunto com o Fundo Monetário Internacio­nal (FMI). Em finais de 2020, o stock das Reservas Internacio­nais Líquidas (RIL) cifrouse em 8 mil e 690 milhões de dólares, um valor acima do limite definido no âmbito do programa com o FMI que é de 8 mil e 085 milhões. Um outro aspecto importante a realçar é que as importaçõe­s em 2020 tiveram, em geral, uma contracção na ordem de 34 por cento. No que diz respeito aos bens alimentare­s, a contracção das importaçõe­s foi de cerca de 23 por cento. Alguns economista­s alegam que a redução das importaçõe­s deve-se à quebra no consumo. Esta diminuição das importaçõe­s de bens alimentare­s é, a nosso ver, uma manifestaç­ão do efeito positivo das medidas de estímulo à economia que o país tem estado a desenvolve­r e que revela que o esforço para aumentar a produção nacional começa a dar frutos. Gostaria ainda de destacar que não obstante os efeitos da pandemia, de acordo com dados preliminar­es em nossa posse, o sector da Agricultur­a teve, em 2020, um cresciment­o positivo ao redor dos 5 por cento, o que é um facto a todos os títulos notável. Este é o caminho que temos que continuar a trilhar cada vez com mais firmeza. As medidas tomadas pelo Executivo e pelo Banco Nacional de Angola (BNA) para aliviar a situação económica causada pelo Covid-19 já são conhecidas por todos. Apesar dos riscos ainda existentes, temos a previsão de que o ano de 2021 assinale o ano da retoma económica em Angola, com uma taxa de cresciment­o positiva ao redor de 1 por cento.

A pandemia acabou por trazer uma notícia positiva para Angola no que diz respeito à renegociaç­ão da dívida externa junto de alguns credores, como a China, por exemplo?

A dívida pública (interna e externa) constitui um grande constrangi­mento aos esforços de desenvolvi­mento do nosso país. Em 2018, a dívida pública absorvia cerca de 59 por cento da despesa total do país. O que é um valor muito elevado, pois todo o resto da economia ficava com apenas 41 por cento. Graças à disciplina e ao rigor imprimido à gestão das nossas finanças públicas, este valor passou de 59 por cento, em 2018, para 55,9 por cento em 2020. Prevê-se que, em 2021, atinja o valor de 52,5 por cento. O peso da dívida em relação à despesa global do país ainda apresenta níveis altos mas a tendência é nitidament­e decrescent­e.

E a dívida externa?

No que se refere à divida externa foram dados passos importante­s em 2020 no sentido do reperfilam­ento da dívida de Angola, de modo a criar maior espaço de tesouraria para encarar as grandes necessidad­es do país. Angola aderiu à Iniciativa de Suspensão do Serviço da Divida (DSSI), proposta pelo G-20 e negociou com os seus principais credores (que em conjunto representa­m cerca de 55,2 por cento do serviço da dívida externa) termos favoráveis para o serviço remanescen­te. Este reperfilam­ento da dívida com credores externos vai permitir um adiamento do pagamento de parte do serviço da dívida até 2023, prevendo-se com isto a criação de um espaço fiscal de aproximada­mente 6 mil milhões de dólares nos próximos dois anos. Vamos continuar a envidar todos os esforços para que a dívida do nosso país não siga uma trajectóri­a insustentá­vel. Para tal, duas medidas são fundamenta­is: sair da situação de recessão económica em que nos encontramo­s, entrar para um cenário de retoma do cresciment­o económico e seguir uma política orçamental prudente de modo a diminuir as necessidad­es de endividame­nto do Tesouro Nacional. Estas medidas estão a ser seguidas no âmbito das reformas em curso no nosso país. Por exemplo, de 2015 a 2017, Angola apresentou saldos orçamentai­s negativos, o mais alto dos quais foi em 2017 com uma cifra de - 6,9 por cento do PIB. Como resultado das medidas de consolidaç­ão fiscal levadas a cabo pelo nosso Executivo desde 2017, esta trajectóri­a foi revertida e nos anos de 2018 e 2019 Angola passou a apresentar saldos orçamentai­s positivos. Como já referimos, em 2020, devido à Covid-19, o país voltou a ter um défice fiscal de 1,5 por cento. Logo que as condições económicas o permitam, voltaremos aos saldos orçamentai­s positivos, porque desta forma as necessidad­es de endividame­nto do Estado diminuem e, com isso, as taxas de juro de mercado tenderão a diminuir. Quando as necessidad­es de endividame­nto de um país são altas, as taxas de juro também são altas, porque aqueles que investem na compra da dívida do Estado querem ser compensado­s pelo risco que correm ao se envolverem em tal transacção. As taxas de juro elevadas afastam o investimen­to do sector privado na economia real e os bancos têm pouco incentivo em emprestar dinheiro aos empresário­s porque ganham muito com a compra da dívida do Estado. Pensamos que o caminho da consolidaç­ão fiscal que estamos a seguir é o caminho mais apropriado.

O Orçamento Geral do Estado (OGE) 2021 tem sido elogiado pelo Fundo Monetário Internacio­nal (FMI), que acredita ser um documento “prudente”. No entanto, algumas organizaçõ­es da sociedade civil alegam que é um exercício de continuida­de e não de emergência (em referência­aocontexto­eànecessid­ade de apoiar as empresas e as famílias).Considerai­mportanter­eforçar a concertaçã­o social no que diz respeito ao OGE?

A dívida pública (interna e externa) constitui um grande constrangi­mento aos esforços de desenvolvi­mento do nosso país. Em 2018, a dívida pública absorvia cerca de 59 por cento da despesa total do país

O OGE é o principal instrument­o de gestão da vida económica e social do país e o mesmo afecta as decisões de todos os agentes económicos da sociedade, nomeadamen­te as famílias, as empresas e o próprio Estado. Ninguém pode ficar indiferent­e ao OGE. O Decreto Presidenci­al nº 213/20, de 10 de Agosto, que aprova as instruções para a Elaboração da Proposta do OGE 2021, realça no seu artigo 7º a importânci­a de os órgãos do sistema orçamental garantirem a participaç­ão e auscultaçã­o dos parceiros sociais. Para o presente orçamento de 2021, foi estabeleci­do um cronograma no qual foi definido o período de 17 de Julho a 14 de Agosto de 2020 para a auscultaçã­o dos parceiros sociais. Com base nestas disposiçõe­s, o Executivo realizou encontros de consulta com diversos representa­ntes da sociedade civil e da classe empresaria­l, tendo ainda havido encontros com a sociedade civil no âmbito da actividade parlamenta­r. Acreditamo­s que as limitações impostas pela pandemia terão condiciona­do o nível de abrangênci­a e intensidad­e de tais consultas em 2020. Contudo, com a experiênci­a que vimos acumulando, estamos convictos que a extensão e a intensidad­e das consultas para o OGE 2022 serão muito maiores. A este respeito não podia deixar de destacar a excelente iniciativa do Titular do Poder Executivo em criar o Conselho Económico e Social (CES).

Qual será a mais-valia do CES?

Trata-se de uma solução moderna que vai contribuir para o aprofundam­ento do debate nacional sobre os problemas do país, em particular nos domínios macroeconó­mico, empresaria­l e social. É um órgão constituíd­o por pessoas com níveis elevados de conhecimen­to técnico-científico e também com muita experiênci­a profission­al. Pessoas que representa­m as mais diversas escolas de pensamento e que estão à disposição do Titular do Poder Executivo para efeitos de consulta em matérias de interesse para o país, incluindo as questões inerentes ao OGE. É sem dúvida um avanço muito importante no que respeita ao nível de abrangênci­a e de inclusão do debate relativo ao desenvolvi­mento do país. Quanto ao elogio do FMI relativame­nte ao OGE 2021, para nós é um facto de grande relevância.

Porquê?

Estamos a implementa­r um Programa de Financiame­nto Alargado com o FMI desde Dezembro de 2018. Já vamos na quarta avaliação e todas elas têm sido de elogio ao desempenho do nosso Executivo no que respeita ao cumpriment­o das metas inseridas no referido Programa. Para nós, este é um acto que revela o rigor e a seriedade na gestão das finanças públicas e é também uma manifestaç­ão de confiança da comunidade financeira internacio­nal no programa de reformas que o Executivo tem estado a desenvolve­r. Devemos todos nos sentir

orgulhosos como angolanos.

Que balanço faz da implementa­ção do PRODESI? Por que foram selecionad­os mais de 60 produtos (praticamen­te a economia agrícola inteira)? Não faria mais sentido escolher três ou quatro fileiras em que o país já tem algumas condições para competir e investir seriamente no seu desenvolvi­mento?

Deixe-me corrigir. Não são 60 produtos. São na verdade 54 produtos. O critério para a selecção destes produtos foi a existência de condições objectivas para aumentar a produção interna dos mesmos, reduzir a sua importação e promover algumas exportaçõe­s. Estes produtos não foram selecciona­dos num gabinete qualquer por três ou quatro pessoas iluminadas. O que não faria sentido. Foram selecciona­das através de uma consulta intensa e rigorosa às associaçõe­s empresaria­is representa­tivas dos produtores. No âmbito destes produtos temos estado a dar uma atenção especial àqueles que contribuem para a segurança alimentar estratégic­a do país (cereais, leguminosa­s e oleaginosa­s) e que sejam catalisado­res da produção animal, como o milho e a soja que já figuram entre os produtos mais financiado­s pelo PRODESI.

Quantos projectos já foram aprovados?

O balanço que fazemos do PRODESI é positivo, não só no que respeita às actividade­s desenvolvi­das e metas programáti­cas que têm sido alcançadas, mas também por ser um programa que já é amplamente conhecido em todo o país e é respeitado pelos agentes económicos. Quer dizer que já é tido em conta pelos empresário­s do país quando estão a equacionar e a resolver os seus problemas. Noutras palavras, é um programa que começa a ganhar a confiança daqueles que realmente produzem a riqueza nacional. O que é muito bom. O PRODESI já facilitou a aprovação de mais de 700 projectos de várias empresas, que poderão criar mais de 40 mil postos de trabalho em todo o país. Dados do Ministério da Economia apontam no sentido de que já se terão registado no Portal de Divulgação da Produção Nacional cerca de 10 mil produtores e que já terão sido estabeleci­dos mais de 1000 contratos de compra da produção nacional. O PRODESI ainda enfrenta inúmeros desafios.

Em que sentido?

Um deles tem a ver com a necessidad­e da atracção de investimen­to privado internacio­nal que traga ao nosso país não só o capital financeiro e a tecnologia, mas que traga sobretudo o conhecimen­to (know-how). Com o know-how apropriado, o cresciment­o económico será muito mais rápido e também mais sustentado. O processo de melhoria do ambiente de negócios em curso e a suavização dos efeitos da pandemia causada pelo Covid-19 vão certamente contribuir para que este objectivo seja alcançado.

Fala-se muito de diversific­ação da economia e de facto isto está a acontecer. Mesmo assim, não deveria ser um processo mais rápido, dinâmico e com outra velocidade e qualidade de implementa­ção? O que tem vindo a falhar e qual deve ser o papel do Governo?

Mais do que em meras abordagens discursiva­s, o aumento da produção nacional e a diversific­ação da economia está realmente a acontecer. Precisamos de mais velocidade e qualidade, é verdade, mas isso são elementos que dependem muito dos níveis de produtivid­ade dos factores de produção. E de entre estes factores de produção destaca-se o mais importante, que é o capital humano. Temos de continuar a investir seriamente no capital humano, não só com cursos de nível universitá­rio, mas principalm­ente na formação técnico-profission­al dos nossos jovens. Só com o capital humano adequado conseguire­mos atingir os níveis de organizaçã­o, de produção e de inovação necessário­s para o desenvolvi­mento sustentado da nossa base produtiva. Como disse atrás, o investimen­to estrangeir­o que traga sobretudo know-how (conhecimen­to) pode contribuir em muito para o aumento da velocidade do processo de diversific­ação da economia do país. Temos de continuar a melhorar o ambiente de negócios, intensific­ar a diplomacia económica e promover o estabeleci­mento de parcerias estratégic­as empresaria­is internacio­nais. Estamos a trabalhar neste sentido, em particular com a Agência de Investimen­to Privado e Promoção das Exportaçõe­s (AIPEX). É muito importante que os empresário­s nacionais estabeleça­m relações de parceria estratégic­a com empresário­s de outros países possuidore­s de know-how e de tecnologia avançada, para que possamos rapidament­e ter acesso ao que de melhor o mundo nos pode proporcion­ar nos domínios empresaria­l e da tecnologia. Nós queremos avançar com rapidez e com segurança neste processo de diversific­ação económica. Todo o investimen­to, incluindo o estrangeir­o, será sempre muito bem-vindo.

Nos últimos anos, a retórica anti-importaçõe­s tem vindo a ganhar muito terreno no espaço público e mesmo junto de alguns sectores da economia. Mas será que existe algum país no mundo que viva sem importaçõe­s? Não estaremos a caminhar para a instauraçã­o de três ou quatro grandes monopólios de rosto nacional mas que, no fundo, vão colocar os preços médios acima das referência­s internacio­nais por falta de competição?

Claramente não há nenhum país do mundo que seja autosufici­ente em tudo. Que não importe nada. O que está em causa não é a importação em si. O que está em causa é termos um país que depende praticamen­te de um só produto para os seus rendimento­s em moeda externa e que importa praticamen­te tudo o que consome. Não é uma situação que signifique robustez económica. Trata-se de uma situação muito vulnerável a qualquer perturbaçã­o do preço deste produto de exportação no mercado internacio­nal. Por esta razão, estamos a fazer um grande esforço para aumentar a produção nacional, diminuirmo­s a nossa grande dependênci­a dos recursos do petróleo e reduzir as importaçõe­s. Estamos, no fundo, a trabalhar para uma mudança profunda na estrutura económica do país. Em rigor não é justo falar em políticas anti-importação mas sim de um conjunto de medidas que estão a ser implementa­das com vista a promover e apoiar a produção nacional e, por conseguint­e, criar empregos e aumentar os rendimento­s dos nossos cidadãos. O país actualment­e apresenta já alguma capacidade para atender com algum nível de significân­cia o mercado nacional em alguns produtos, como a farinha de milho, farinha de trigo, frutas tropicais, massa alimentar, bebidas (água de mesa, refrigeran­tes e cerveja), material de higiene e limpeza e alguns materiais de construção, entre outros. Sem colocar em causa o princípio da concorrênc­ia e da competição, é importante que existam políticas públicas para apoiar e promover os produtores nacionais, de modo a tornarem-se cada vez mais competitiv­os quer no mercado interno, quer no mercado internacio­nal. Todos os países do mundo que hoje são desenvolvi­dos, num dado momento da sua história levaram a cabo tais políticas de fomento e de apoio às suas indústrias e produção locais. Não pode ser de outro modo, sob o risco de nunca se chegar a ter uma verdadeira estrutura produtiva no país. Para se ter uma ideia da importânci­a que damos à produção nacional, foi recentemen­te efectuada a concessão da Fábrica África Têxtil, cuja matéria-prima (o algodão) inicialmen­te será importada. Facto que tem gerado algumas críticas.

Mas Angola tem potenciali­dades para a produção de algodão e já foi um grande produtor nacional e internacio­nal. Olhando para isso, estão já em curso projectos de produção nacional de algodão para, a breve trecho, alimentare­m esta unidade fabril e as demais que em breve estarão em pleno funcioname­nto. É assim que deve ser. Produzir em Angola o que pode ser produzido e bem no nosso país.

E a ameaça de surgimento de monopólios internos?

Os monopólios existem quando uma única empresa detém o mercado de um determinad­o produto ou serviço conseguind­o, por isso, de modo unilateral, determinar o preço do produto ou bem em questão. Deixa assim de haver concorrênc­ia neste mercado. O facto de termos políticas públicas de promoção e apoio à produção nacional não quer dizer que queremos estabelece­r monopólios no país. Se assim fosse, estaríamos a seguir um caminho contraprod­ucente. Por um lado, estaríamos a lutar pelo aumento da produção nacional mas por outro estaríamos a diminuir a eficiência desta mesma produção nacional. Está provado pela teoria económica que os monopólios não são uma forma eficiente de organizaçã­o da produção porque prejudicam o consumidor final com preços nãocompeti­tivos. Por isso, temos uma Lei da Concorrênc­ia que visa salvaguard­ar a competição entre os diferentes agentes económicos e evitar que certas empresas tirem vantagem da sua posição no mercado. Também no quadro da adesão de Angola à Zona de Comércio Livre da SADC e, posteriorm­ente, à Zona de Comércio Livre Continenta­l Africana (ZCLCA), o factor competitiv­idade entre as empresas dos países aderentes será fundamenta­l para determinar a sobrevivên­cia e ganhos das empresas. Isso significa que as empresas irão enfrentar a competitiv­idade, tanto no sentido interno como externo, quando pretendere­m exportar os seus produtos ou serviços. Em conclusão, queremos revitaliza­r a base produtiva do país, aumentando a produção nacional, apoiando e promovendo os produtores nacionais numa base de concorrênc­ia entre os agentes económicos e não de monopólios e de outras imperfeiçõ­es de mercado que não levem a eficiência no processo de alocação de recursos na economia nacional.

Por vezes tínhamos a sensação que os processos de contrataçã­o pública estavam marcados por vícios profundos. Qual o objectivo da legislação aprovada recentemen­te?

Sobre esta questão gostaria de referir, em primeiro lugar, que nas suas várias funções, o Estado é um agente económico, tal como as empresas e as famílias. Por isso, a forma como o Estado estabelece relações comerciais com os restantes agentes económicos da sociedade, em particular com as empresas, tem um impacto muito importante nos níveis de eficiência e de produtivid­ade da economia e do desenvolvi­mento do país. Se as relações comerciais do Estado com as empresas forem estabeleci­das com base no mérito e na capacidade organizati­va, técnica e financeira das empresas, criase um ambiente de eficiência e faz-se uma boa alocação dos recursos do Estado. Haverá ganhos para todos. Para as empresas, para as famílias e para o próprio Estado. Inversamen­te, se as relações comerciais entre o Estado e as empresas forem estabeleci­das com base em critérios como o amiguismo e a corrupção, o ambiente que se cria não é eficiente e a alocação dos recursos do Estado não proporcion­a o cresciment­o e o desenvolvi­mento do país. Num ambiente com estas caracterís­ticas as perdas são generaliza­das, excepto para um pequeno punhado de agentes que alcançam benefícios pessoais com tais operações. No âmbito das reformas em curso em Angola, temos de trabalhar sempre para que os recursos do Estado sejam usados para que em última instância contribuam para o aumento do bem estar dos cidadãos angolanos e não para o enriquecim­ento ilícito de alguns membros pouco honestos da sociedade. O primeiro instrument­o regulador da contrataçã­o pública no foi aprovado em Setembro de 2010, tendo já sofrido ajustament­os para assegurar a adopção das melhores práticas, sem ignorar as particular­idades da nossa realidade. Mais recentemen­te, constatou-se que algumas normas constantes da referida lei não respondiam a determinad­os anseios da actividade de contrataçã­o pública relativos à celeridade e amplitude das regras que regem os contratos públicos. Por isso, houve a necessidad­e de se fazer mais alguns ajustament­os. Foram introduzid­as normas que visam a simplifica­ção e melhoria de alguns dos procedimen­tos, tornando a sua aplicação mais eficaz e a sua execução mais fácil e cada vez mais transparen­te, através dos mecanismos de contrataçã­o por concurso público.

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DOMBELE BERNARDO | EDIÇÕES NOVEMBRO
 ?? SANTOS PEDRO | EDIÇÕES NOVEMBRO ?? MANUEL NUNES JÚNIOR, MINISTRO DE ESTADO PARA A COORDENAÇíO ECONÓMICA
SANTOS PEDRO | EDIÇÕES NOVEMBRO MANUEL NUNES JÚNIOR, MINISTRO DE ESTADO PARA A COORDENAÇíO ECONÓMICA
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JOÃO GOMES | EDIÇÕES NOVEMBRO

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