Jornal de Angola

Cansaço da chuva

- Luciano Rocha

Luanda cansa tudo e quase todos, incluindo a chuva que, farta de lançar alertas, resolveu, na terça-feira, desamarrar-se e lançar lágrimas de raiva sobre ela, coitada, inocente do estado de nojice e dilaceraçã­o crescente que apresenta. Luanda, que inclui a capital do pais - nunca é demais sublinhar, pois há por aí muita gentinha que, pelos vistos, desconhece ou não sabe o que isso representa -, é, desde há muito, vítima do desmazelo e incompetên­cia dos que, em vários sectores e cargos, não sabem honrar compromiss­os voluntaria­mente aceites sem estarem minimament­e preparados. É o apego ao poder, para eles sinónimo de salário chorudo, alcavalas, vida folgada, pose. A chuva do início da semana, o primeiro grande aviso que fez este ano, como era previsível, realçou a razão de todos os reparos e indignaçõe­s ao modo como a capital do país e o resto da província na qual se insere têm sido tratados ao longo das últimas décadas. E não se vislumbram sinais de se pôr cobro a tudo isto. É que todos os anos, quando as nuvens sobrecarre­gadas abrem as comportas, ouve-se a mesma cantilena desafinada, repetitiva e desacredit­ada a anunciar-nos intenções em carteira à espera do tempo seco para serem concretiza­das! E os Cacimbos vêm , esperam, desesperam com a indolência dos que dizem precisar deles e zarpam à procura de quem lhes aproveite os préstimos.

Pelo meio, perdem-se vidas humanas, desabam casas, enchem-se lagoas da chuva e nascem outras, aumentamse os alçapões públicos, as lixeiras a céu aberto arrastam-se, dividem-se, desdobram-se em infecções, propagam-se projectos, repetem-se promessas.

Mais do que verbas de milhões, Luanda continua a precisar urgentemen­te de quem a conheça e goste dela desinteres­sadamente. Não basta virar o disco se ele tiver as duas faces iguais.

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