Jornal de Angola

Agiam como homens ou ainda tinham espaço para lembrar que eram mesmo mulheres?

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Vou-lhe ser sincera: comecei a ter vaidade, a me sentir feminina, quando comecei a namorar, aos 25 anos. Já era polícia. Durante a recruta, não namorava, só queria ser polícia. Antes, eu não tinha cabeça para isso.

Como foi a saída da PIR?

Correu bem. Mesmo fora da PIR, fui sempre uma agente dinâmica, que quase todos os comandante­s queriam ter na sua esquadra. Mesmo estando de folga, queria sempre trabalhar na rua. Eu gostava de fazer patrulhas na via pública.

Fui ter com o comandante Ribas. Disse-lhe que estava grávida. Ele perguntou-me se eu acreditava em Deus. Eu disse-lhe que “sim”. Respondeu: "então continua a crer em Deus". Saí de lá mais zangada que da primeira vez. Não podia fazer a formação grávida. Ele não autorizou, nem me proibiu. O curso arrancou, deixei passar uma semana, depois fui à escola, mesmo gravida. O curso teve a duração de três meses e decorreu no Instituto Superior de Ciências Policiais e Criminais Osvaldo Serra Vandúnem.

Só faltavam dois meses para eu ter o bebé. Eu já estava com sete meses, a barriga estava muito grande. O facto de ser uma formação apenas intelectua­l, que não exigia esforço físico, facilitou-me. O curso ia encerrar no dia 28 de Fevereiro. No dia 9, fui ter com a minha médica e, como eu já tinha 36 semanas de gestação, pedi-lhe para fazer-me uma cesariana. Tive o bebé numa quinta-feira, deram-me alta no domingo. Na segunda-feira, deixei o bebé com a minha mãe e fui à escola sozinha, a conduzir. Quem não arrisca, não petisca. que o bebé estava bem, algumas colegas choraram de emoção. Antes do parto, eu estava oprimida, não podia mostrar isso aos chefes. Terminamos o curso e saí do Instituto com a minha patente de sub-inspectora. Hoje, sou intendente.

O que disse o comandante Ribas quando a viu?

Fui para lá apresentar-me, com a patente de oficial. Ele ficou surpreso, porque pensou que eu tivesse desistido da formação. Disse-me: "eu não te disse para crer em Deus?". Eu olhava para ele com um pé atrás.

Honga. Fiquei triste, porque não me prepararam.

Não gostou? Não era parte do seu sonho?

Foi como se me atirassem um balde de água fria. Tive receio, porque, na altura, a esquadra nem efectivos tinha. Fomos para lá fazer uma visita de campo. Depois de ouvir as preocupaçõ­es dos moradores, que nos informaram que o bairro estava cheio de criminalid­ade, o então comandante provincial, António Maria Sita, e o então governador de Luanda, Higino Carneiro, decidiram abrir uma esquadra naquele mesmo dia. A minha surpresa foi enorme, uma emoção muito grande, até chorei. Quando entrei na Polícia, aos 17 anos, disse a mim mesma que tinha de ser comandante.

"Apareceu uma oportunida­de para fazer o concurso público de sub-chefe. O comandante Francisco Ribas, então director dos RH do Comando Provincial de Luanda (CPL), não recebeu os meus documentos. Disse-me que eu não podia ser sub-chefe, porque tinha bravura para ser comandante. Eu disse-lhe que era apenas agente. Ele disse: "um dia vais dar-me razão".

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