Administração demole casas ilegais na Vila Verde Cativa
De acordo com a Administração Municipal de Cacuaco, as casas no Sector 3 foram construídas ilegalmente e são falsos os documentos apresentados pelos cidadãos que dizem ter sido lesados
Mais de 500 moradias, número que a Administração Municipal de Cacuaco diz não corresponder à verdade, foram demolidas, na terçafeira, na Vila Verde Cativa, Distrito Urbano do Sequele, em Luanda, decisão que espantou os moradores por o bairro ter sido erguido, de acordo com os lesados, com base na regularização administrativa de terrenos.
A surpresa dos moradores deve-se ao facto de, depois de ter havido demolições, em Novembro do ano passado, no Bairro Merengue, terem recebido, numa deslocação efectuada por alguns à Administração Municipal de Cacuaco, a garantia de que as casas do Vila Verde Cativa nunca seriam demolidas, por ser, alegadamente, um bairro legalizado.
A preocupação dos moradores regressou nos últimos dias quando, primeiro, se começou a ouvir, em surdina, que as casas seriam mesmo demolidas, receio que deu lugar à certeza, com a chegada ao local, no dia 12 de Março, de uma notificação geral, na qual se lê que vão ser demolidas “casas ilegais”, localizadas no sector 3 do bairro Vila Verde Cativa, que dispõe de dez sectores.
Os lesados dizem não entender a decisão de demolição de casas apenas no sector 3, quando o bairro comporta dez sectores, criados à medida que registava um crescimento demográfico.
O Jornal de Angola soube ontem que o espaço onde estavam as casas demolidas pertenceu a Paulo Mutange Sambuco, cidadão angolano que, depois de ter obtido o direito de superfície, vendeu parcelas de terreno para a construção de moradias e equipamentos para a actividade comercial, como armazéns e restaurantes.
Na manhã de ontem, o presidente do Conselho Fiscal da Comissão de Moradores do bairro Vila Verde Cativa, Sousa Costa Cláudio, manteve com os lesados uma reunião que serviu, essencialmente, para transmitir os passos que estão a ser dados, com o envolvimento de um advogado e do próprio ex-proprietário do espaço, para a reposição da legalidade.
O argumento da Administração Municipal de Cacuaco de que as casas que estavam no sector 3 foram construídas ilegalmente pode cair por terra se forem mesmo autênticos os documentos apresentados por moradores ao Jornal de Angola, como croquis de localização, assinados por funcionários da Área Técnica da Administração Municipal de Cacuaco.
As demolições de mais de 500 casas, de seis armazéns e de um restaurante, que já estava em funcionamento, foram feitas em sete horas, das 12h00 às 19h00, por apenas três máquinas demolidoras, cujo trabalho foi presenciado por elementos das Forças Armadas Angolanas (FAA) e por agentes da Polícia Nacional e do Serviço de Fiscalização do Município de Cacuaco.
“Tudo as máquinas demoliram”. Uma frase com que a equipa de reportagem do Jornal de Angola foi recebida sexta-feira, dia da sua primeira deslocação à zona, depois das demolições de casas de apenas um sector do bairro Vila Verde Cativa, decisão que os lesados dizem reiteradamente não entender porque o bairro está entre os legalizados do Distrito Urbano do Sequele, como ficou patente numa reportagem feita, em 2019, pelo Jornal de Angola, em cujas linhas estão declarações de um alto responsável distrital, mencionando os bairros que vão desaparecer por terem sido construídos ilegalmente numa reserva fundiária do Estado.
De acordo com o presidente do Conselho Fiscal da Comissão de Moradores do bairro Vila Verde Cativa, entre as casas demolidas estavam mais de 300 já habitadas e algumas em construção e já vedadas.
Prejuízos incalculáveis
Feliciano José, de 35 anos e um dos lesados, disse ao Jornal de Angola que o terreno de 20 por 20 metros quadrados, onde construiu, com “muito sacrifício, a casa, demolida na terçafeira última, comprou, em 2016, a Paulo Mutange Sambuco, pela quantia de 150 mil kwanzas.
Com o documento de cedência do terreno, Feliciano José dirigiu-se à Administração Municipal de Cacuaco, de onde saiu com um técnico até ao terreno que adquiriu, onde foram feitas medições, trabalho concluído com a entrega, dias depois, pelo funcionário, de um croquis de localização.
“Eu não me considero invasor de terreno, visto que tenho documentos cedidos pela Administração Municipal de Cacuaco”, afirmou Feliciano José, que disse querer justiça porque a sua família está agora a viver em casa dos seus pais, na sequência da demolição da sua moradia, de quatro quartos, para onde se mudou, no ano passado, com a esposa e os três filhos.
Donana Silva e Ana Pedro, proprietárias de dois dos seis armazéns demolidos, com toda a mercadoria no interior, estão a fazer contas à vida para retomarem o negócio, cujos prejuízos disseram ser incalculáveis.
As duas senhoras acentuaram que, quando souberam da presença das máquinas, pediram ao chefe do Serviço de Fiscalização do Município de Cacuaco, para, pelo menos, retirarem a mercadoria, mas o responsável ignorou o pedido com o argumento de ter recebido “ordem para partir tudo”.
Sobre a decisão de demolição, Ana Pedro considerou ter havido “muita maldade” por parte da Administração Municipal de Cacuaco e disse não ser invasora de terreno, alegando ter documento emitido pela Administração Municipal de Cacuaco.
“Quero justiça! Quem vai pagar os danos que sofri?”, interrogou, depois, Donana Silva, que disse ter havido pessoas vítimas de agressão por terem filmado os momentos do processo de demolições, informação que o Jornal de Angola não conseguiu apurar a veracidade por não ter chegado à fala, apesar das tentativas feitas, com o chefe do Serviço de Fiscalização do Município de Cacuaco, nem com o comandante municipal da Polícia Nacional.
No decurso das demolições, houve altercação entre moradores e elementos das forças militares e policiais, motivada pela retirada, pelo chefe do Serviço de Fiscalização do município de Cacuaco, de acordo com lesados abordados pelo Jornal de Angola, de um exemplar da bandeira da República, que estava hasteado num Comité de Acção do Partido (CAP), estrutura do MPLA, gesto que irritou os moradores. Na sequência, foram feitos vários tiros para os dispersar, o que resultou no ferimento de duas pessoas, uma delas – um pedreiro - transportada numa viatura militar para uma unidade sanitária.
A segunda vítima, alvejada num dos braços, foi transportada na viatura do presidente do Conselho Fiscal da Comissão de Moradores do bairro Vila Cativa para o Hospital do Distrito Urbano do Sequele, de onde foi transferida para o Hospital Américo Boavida. O paciente acabou submetido a uma intervenção cirúrgica.