Jornal de Angola

O dia em que o bairro só cheirava a carapau

Existem coisas em casa que o cabeça da família é que tem de fiscalizar. Não basta só sentar-se à mesa, pancar (comer) e depois ir campar (dormir)

- Pereira Dinis

Mamungua teve que ficar abancado (sentado) na placa do Esquirrola durante horas porquê? Porque o gás bazou e a ngavive (esposa) estava a lhe fazer confusão para arranjar dinheiro para comprar o gás ou o carvão. Os netos já tinham fome. E ela tinha que fazer o comer para os canucos.

Depois de banzelar (pensar) muito, Mamungua, mesmo sem dinheiro para zozar (pagar) o táxi, decidiu sair do mbila (Sambizanga) até a cidade do Kilamba para pedir uns trocados – 1500 kwanzas ao seu irmão, o Do Azul, para comprar a botija.

Felizmente o Panhanha, o Dacantina e o Cafaia dão com o Mamungua na placa. Vendo o kota meio triste, como candengues entraram na mente do Mamungua. Este abriu o jogo. Explicou o que se estava a passar.

É assim que o Panhanha pediu ao Mamungua para estar descansado, que a situação podia ser resolvida. Ligou para o Kinama.

E com quem o Kinama estava? O primo dele na parte da mãe, o deputado Marido, como é conhecido no bairro, e o ministro Cazucota, como também é conhecido no bairro. Estavam a matambar (matabichar) num restaurant­e.

Kinama como sabia que podia receber um sembele (valor monetário), pediu para transmitir ao Mamungua para ter calma e que podia preparar já dez botijas de gás, porque ia ferver (ter dinheiro).

Mamungua, depois de receber a dica, e como acredita nos ndengues, disse: “eu fui grande amigo dos vossos pais e vou continuar, porque sei que ele está junto ao Senhor, onde tarde ou cedo vamos nos encontrar. O que não quero é que me fintem (aldrabem)”.

Assim que Mamungua acaba de falar, o Kinama está a aparecer. Vem de trás do beco do Zé-kilamba, na rua que vai da placa onde estacionav­a o grupo Sandokan. Kinama, como tinha kitadi (dinheiro), saca do bolso 20.000 kwanzas e entrega ao Mamungua, que não estava a acreditar.

Mamungua, como estava furioso por causa da atitude da ngavive, mandou o Panhanha ir entregar o kumbú. A ngavive recebeu com agrado e disse que “o meu mbandi (marido) faz tudo pela família”.

O Panhanha explicou como a ngavive do Mamungua recebeu o dinheiro e o que disse. É assim que o Kinama entra em cena. Disse que acompanhou a grande discussão dos seus primos, o deputado e o ministro.

Mamungua não gostava de ouvir muito de política. Mas o Kinama, naquele falar próprio dele, no truque, entra em política. Disse que o ministro falou que tem dinheiro para o investimen­to público e que os deputados nunca vão fiscalizar as obras.

O Kinama, segundo ele, só viu a pasta de mão do ministro a balar (lutar) dali para ali, quer dizer, o kumbú queria sair. Como o ministro estava a ver que o kumbú queria mesmo sair, sacou cem paus (cem mil kwanzas) e entregou ao Kinama, com o seguinte aviso: “Por favor, é para ajudar também as pessoas do bairro”.

Mas o ministro, entre linhas, avisou: “Não é meu trabalho fiscalizar se você ajudou ou não os mais necessitad­os do bairro. Mas se você não ajudar eu vou saber por terceiros”.

O Kinama pode ser tudo, mas a verdade é que comprou carapau para as ngavives da banda e a banda só estava a cheirar mesmo a carapau. Todas as ngavives grelharam carapau.

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