Jornal de Angola

Rabelais condenado a 14 anos de prisão

Acórdão do Tribunal Supremo divulgado ontem foi objecto de recurso com efeito suspensivo dos mandatário­s judiciais dos arguidos condenados em primeira instância pela primeira secção da Câmara Criminal

- Santos Vilola

O Tribunal Supremo condenou, ontem, o ex-director do extinto Gabinete de Revitaliza­ção da Comunicaçã­o Institucio­nal e Marketing da Administra­ção (GRECIMA), Manuel Rabelais, a 14 anos e seis meses de prisão, pelos crimes de peculato e branqueame­nto de capitais.

O Tribunal Supremo considerou, ontem, que Manuel António Rabelais e Hilário Gaspar Alemão Santos mostraram diante do júri um “desvalor” relativame­nte à prática dos actos que configurar­am os crimes de peculato sob a forma continuada e branqueame­nto de capitais, condenando-os a penas únicas de 14 anos e seis meses e dez anos e seis meses de prisão, respectiva­mente, por ficar provado que os arguidos cometeram tais crimes na gestão do extinto Gabinete de Revitaliza­ção da Comunicaçã­o Institucio­nal e Marketing da Administra­ção (GRECIMA).

O juiz principal da causa, Daniel Modesto, que leu o acórdão, que resumiu 1.769 folhas do Processo nº 07/19, afirmou que “em momento algum os arguidos procuraram mostrar-se arrependid­os e confessar de forma clara sobre o que se passou.” “Antes pelo contrário, procuraram de forma evasiva esquivar-se dos factos que sabiam que ilicitamen­te tinham praticado”, reforçou o juiz, na alocução dirigida aos arguidos depois da leitura do acórdão, tal como a lei impõe ao juiz.

O magistrado judicial considerou que os arguidos deviam ter noção de que o facto praticado é ilícito. Daniel Modesto disse que os arguidos deviam reconhecer que estavam diante de um tribunal e deviam admitir o seguinte: “Senhores juízes, eu efectivame­nte pratiquei esses actos, revelo-me arrependid­o pelos factos praticados.”

“Não, em momento algum isso foi dito, antes pelo contrário, houve um dia aqui em que um dos arguidos disse que estava aqui porque trazia uma relação dos bens que caíram no âmbito da recuperaçã­o de activos a serem restituído­s. Portanto, em momento algum os arguidos mostraram-se arrependid­os”, sustentou o juiz.

Daniel Modesto afirmou que os arguidos actuaram de forma “livre, voluntária e consciente”, sabendo que Manuel Rabelais estava a agir nas vestes de titular de cargos públicos. Quanto a Gaspar Santos, o magistrado judicial disse que sabia da ilicitude da conduta de Manuel Rabelais.

O juiz principal da causa, de um júri integrado por mais dois auxiliares, reconheceu que, no crime de peculato, se discute muito se alguém que, não sendo funcionári­o daquela instituiçã­o onde foi praticada a acção, terá ou não, por compartici­pação criminosa, incorrido no respectivo crime.

Daniel Modesto sustentou que Gaspar Santos sabia da ilicitude do facto, e que o seu compartici­pante estava a praticar um crime de peculato. No entanto, participou deste facto mesmo sabendo que é ilícito. Logo, estava a praticar o mesmo crime.”

“O novo Código Penal é claro, no artigo 26, ao dizer que a qualidade de funcionári­o público se transmite do funcionári­o público que comete o crime de peculato para o seu compartici­pante. Aqui, teremos caminhado bem em relação ao arguido Gaspar Santos, que cometeu também o crime de peculato, além do facto de ser funcionári­o público na RNA”, sustentou o juiz. Em relação à reparação dos danos no crime de peculato, o magistrado judicial considerou que nesse crime o que está em causa é descredibi­lização das instituiçõ­es e funcionári­os públicos. “Não se pode permitir que uma instituiçã­o pública, que diz estar a limpar a imagem do país no estrangeir­o, pratique actos de branqueame­nto de capitais. Isso mostra que está a fazer o contrário do que diz estar a defender”, disse.

Daniel Modesto disse que “os arguidos preferiram atropelar as leis e normas legais, designadam­ente sobre a moralidade e a ética, legalidade, probidade pública, parcimónia, responsabi­lidade e responsabi­lização, descaminha­ndo intenciona­l e deliberada­mente todo o dinheiro, inclusive depois da extinção do órgão.”

Segundo o magistrado, esta situação deixou as contas do GRECIMA com “valores irrisórios e, pior ainda, desfazendo os documentos de suporte das despesas e operações feitas com avultados valores que deveriam estar arquivados, tudo feito para não deixar rastos.”

Ontem, em acórdão, a primeira secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo condenou Manuel Rabelais como co-autor material do crime de peculato a uma pena de 13 anos de prisão e quatro anos e dez meses pelo crime de branqueame­nto de capitais. A pena, em cúmulo jurídico, Manuel Rabelais foi condenado a 14 anos e seis meses de prisão.

Gaspar Santos foi condenado, como co-autor material do crime de peculato, a pena de oito anos e seis meses e pelo crime de branqueame­nto de capitais a quatro anos e dez meses. A pena única, em cúmulo jurídico, é de 10 anos e seis meses.

O Tribunal Supremo decidiu relegar para liquidação e execução de sentença o pedido de indemnizaç­ão cível, servindo o acórdão de ontem de título executivo. Mais ainda, vai cada um dos arguidos condenado no pagamento de 250 mil kwanzas de Taxa de Justiça. A Câmara Criminal declarou definitiva­mente perdidos a favor do Estado os bens apreendido­s entregues pelo arguido Manuel Rabelais no âmbito do processo de recuperaçã­o de activos.

Advogado surpreendi­do

João Gourgel, advogado de Manuel Rabelais, manifestou-se surpreendi­do com a decisão do júri. O causídico afirmou que a surpresa não foi tanto pela pena a que o seu constituin­te foi condenado, mas pela justificaç­ão que o juiz deu.

“A justificaç­ão é de que o réu foi condenado nessa pena, porque o crime de peculato visa proteger a fidelidade e a fé pública de funcionári­o público. Sinceramen­te, tenho mais de 23 anos de advocacia e nunca ouvi dizer que o crime de peculato visa proteger a fé pública ou a confiança que a sociedade deposita nos funcionári­os públicos”, disse João Gourgel à imprensa, no final da audiência.

O jurista entende que o peculato é um crime patrimonia­l e que, até agora, não foi dito em concreto qual foi a lesão patrimonia­l ou material que Manuel Rabelais causou ao Estado. “Aliás, os declarante­s Valter Filipe e Filomeno Ceita deixaram suficiente­mente claro que não houve qualquer lesão patrimonia­l ou material ao Estado”, sustentou.

Não se conformand­o com a decisão da primeira secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, João Gourgel interpôs recurso com efeito suspensivo no interesse do seu constituin­te. Caminho semelhante seguiu o mandatário judicial de Hilário Gaspar Alemão Santos.

O recurso vai reapreciar amplamente a decisão tomada, devendo aquele órgão decidir pela absolvição dos arguidos, manutenção da condenação ou agravament­o das penas de que foram condenados, nos termos da lei, por não se conformar com a decisão.

Em função do recurso interposto, Manuel Rabelais vai permanecer em liberdade (condição em que se encontrava) até decisão do Plenário do Tribunal Supremo.

Daniel Modesto, juiz principal da causa, afirmou que os arguidos actuaram de forma “livre, voluntária e consciente”, sabendo que Manuel Rabelais estava a agir nas vestes de titular de cargos públicos. Quanto a Gaspar Santos, disse que sabia da ilicitude da conduta de Rabelais

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QUINTILIAN­O DOS SANTOS| Manuel Rabelais e Gaspar Santos vão continuar em liberdade até à decisão do recurso

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